Acórdão nº 50650427720228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50650427720228210001
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003019837
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5065042-77.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: MARIA IRANI DOS SANTOS RIBEIRO (AUTOR)

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Nos autos da ação revisional ajuizada por MARIA IRANI DOS SANTOS RIBEIRO em desfavor de FACTA FINANCEIRA S.A. – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO apelaram ambas as partes em face da sentença que assim dispôs (Evento 32):

"Pelo exposto, confirmo a tutela antecipada e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo pessoal consignado público nº 6938240004 à taxa média de mercado à época da contratação (1,24% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador da requerente.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se".

Em suas razões recursais (Evento 38), a parte autora ressalta que a sentença é extra petita, na medida em que autoriza a compensação de valores, quando foi postulada apenas a repetição do indébito na peça portal. Insurge-se em relação à compensação de valores e sustenta que não se mostra viável a compensação de dívidas vincendas. Assevera que a repetição de valores deve ocorrer com a correção monetária desde a data de cada reembolso, observada a variação do IGP-M, com acréscimo de juros de mora de 1% ao mês, também a contar da data de cada reembolso, e não a contar da citação como constou na decisão recorrida. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso.

A parte ré, por sua vez (Evento 43), salienta a ausência de abusividade dos juros remuneratórios pactuados no contrato. Requer seja mantida a taxa de juros remuneratórios contratada. Pondera que a taxa média divulgada pelo Bacen não é o teto para cobrança dos juros remuneratórios. Enfatiza as particularidades do consignado gaúcho. Alega que a parte autora não se desincumbiu do ônus de demonstrar cabalmente a abusividade do encargo. Postula, ao final, o provimento do apelo. Alternativamente, pugna pela limitação dos juros remuneratórios em uma vez e meia a taxa média do Bacen prevista para as operações da espécie.

Foram apresentadas contrarrazões pela parte autora (Evento 46).

É o relatório.

VOTO

A apelação do Evento 38 é tempestiva, pois o prazo recursal iniciou para a parte autora em 06/10/2022 e findou em 27/10/2022 (Evento 34) e o recurso foi interposto em 05/10/2022. Além disso, a parte autora comprovou o recolhimento do preparo (Evento 38 – CUSTAS2). O mesmo ocorre com a apelação do Evento 43, uma vez que o prazo recursal da parte ré iniciou em 07/10/2022 e findou em 28/10/2022 (Evento 54) e o recurso foi interposto em 18/10/2022. Quanto ao preparo do apelo, este restou comprovado no Evento 43 –CUSTAS2 e CUSTAS3.

Dessa forma, considerando que os recursos são próprios e tempestivos, recebo as apelações, as quais, diante da identidade de matéria, passo ao exame de forma conjunta.

Inicialmente, saliento que é objeto da revisão a Cédula de Crédito Bancário nº 6938240004, firmada em 24/12/2020, no valor de R$ 11.691,66, com juros remuneratórios de 2,90% ao mês e 40,92% ao ano (Evento 1 – CONTR4).

1. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posiciona-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, afastou a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596 do STF dispõe que: As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ, por intermédio da Súmula 382, sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

Nesse sentido, já decidiu esta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL Nº 1210274873, CELEBRADO EM 27/04/2017, NO VALOR DE R$ 3.522,05. ENCARGOS DA NORMALIDADE JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EXTRAÍDAS DOS JULGAMENTOS DOS RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA N. 1.061.530/RS E N. 1.112.879/PR. AFINADO A ISSO, O ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA É DE QUE A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS DEVE SER LIMITADA SOMENTE QUANDO FOR SUPERIOR À TAXA MÉDIA DE MERCADO REGISTRADA PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN, À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO E EM CONFORMIDADE COM A RESPECTIVA OPERAÇÃO, SOMADA DO PERCENTUAL DE 30% (TRINTA POR CENTO), TIDO COMO A MARGEM TOLERÁVEL. NO CASO, ASSISTE RAZÃO À PARTE AUTORA COM RELAÇÃO À TAXA ADEQUADA À OPERAÇÕA PRESENTE NO CONTRATO ORA REVISANDO. DESSE MODO, CONSIDERANDO QUE AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONSTANTES NO CONTRATO REVISANDO FORAM PACTUADAS ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, AINDA QUE ACRESCIDA DA MARGEM DE 30% UTILIZADA COMO PARÂMETRO POR ESTA CÂMARA, TEM-SE COMO CARACTERIZADA A ALEGADA ABUSIVIDADE. CABÍVEL, POIS, A PRETENSÃO DE REDUÇÃO DOS JUROS, DEVENDO SER APLICADA A TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO (20743 E 25465 - TAXA MÉDIA MENSAL E ANUAL DE JUROS DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM RECURSOS LIVRES - PESSOAS FÍSICAS - CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO VINCULADO À COMPOSIÇÃO DE DÍVIDAS), E NÃO A TAXA DE 8,48% ESPECIFICADA NA SENTENÇA. NO PONTO, RECURSO PROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. INOCORRÊNCIA. EM SE TRATANDO DE AÇÃO REVISIONAL DE CUNHO DECLARATÓRIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO PODEM SER ARBITRADOS PELO VALOR DA CONDENAÇÃO E TAMPOUCO SOBRE O VALOR DA CAUSA, MAS SIM DE FORMA EQUITATIVA. ADEMAIS, TAMPOUCO É O CASO DE MAJORAÇÃO, COMO PRETENDE A AUTORA, POIS ARBITRADOS DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DESTA CÂMARA EM CASOS SIMILARES. NO PONTO, APELAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50364904420188210001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 15-12-2021) (grifei)

Cumpre mencionar que a apuração da abusividade dos juros remuneratórios é verificada pela taxa média de mercado registrada pelo BACEN, como já acima referido, somada a esta o percentual de 30% (trinta por cento), tido pela Câmara como margem tolerável.

Cito:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL. - Juros remuneratórios. A aplicação de taxa substancialmente superior à média de mercado divulgada pelo BACEN (30% acima, conforme entendimento desta Câmara) é abusiva, sendo passível de limitação à referida taxa média. Na hipótese, há abusividade dos juros contratados, devendo ser mantida limitados à taxa média de mercado para as operações de crédito pessoal não consignado, e não à taxa de crédito pessoal total pretendida. Desprovido no ponto. - Honorários advocatícios. Os honorários advocatícios devem ser majorados para adequarem-se aos parâmetros adotados pela Câmara em casos semelhantes. Provido no tópico. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50015250920208210021, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em: 15-12-2021)(grifei)

Feitas essas considerações, passo ao exame do contrato submetido à apreciação judicial.

- Cédula de Crédito Bancário nº 6938240004, firmada em 24/12/2020, no valor de R$ 11.691,66, com juros remuneratórios de 2,90% ao mês e 40,92% ao ano (Evento 1 – CONTR4); enquanto a taxa média de mercado estipulada pelo Bacen para as operações de crédito pessoal consignado para trabalhadores do setor público, à época da contratação, era de 1,24% ao mês e 15,99% ao ano, que, somadas ao percentual de 30%, resultam em 1,61% ao mês e 20,78% ao ano.

Dessa forma, levando em consideração a tabela do Bacen para as operações da espécie, constata-se que...

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