Acórdão nº 50666057720208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50666057720208210001
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003022766
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5066605-77.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Unidade de terapia intensiva (UTI) / unidade de cuidados intensivos (UCI)

RELATOR: Desembargador MARCO AURELIO HEINZ

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação ajuizada por SARAH GOMES BAIENSE, para determinar o fornecimento do fármaco Omalizumabe (Xolair), 18 ampolas.

Em suas razões, sustenta, em preliminar, a competência da União para o cumprimento da obrigação, referindo que deve ser aplicado o Tema 793 do STF, pois é da competência do Ministério da Saúde a aquisição da fármacos arrolados no grupo 1B do CEAF/RENAME, devendo, pois, a União integrar o polo passivo da ação e esta ser deslocada para julgamento na Justiça Federal. Argumenta que entendimento em sentido contrário, ou seja, de "afastar a necessidade de ingresso do ente competente para o cumprimento da prestação de saúde acarreta, a um só tempo: (a) ofensa à tese firmada no Tema 793 do STF; (b) desestímulo a que o ente federado menos litigado cumpra suas obrigações perante o SUS, na medida em que não sofre o ônus de sua desídia; (c) inviabilidade de ressarcimento administrativo para fins de efetivo reequilíbrio das finanças públicas estaduais; (d) severo desequilíbrio na organização e manutenção do sistema público de saúde e (e) evidentes prejuízos aos usuários do SUS." Requer o provimento do recurso, para que seja determinado à parte apelada que emende a petição inicial solicitando a inclusão da União no polo passiva da ação.

Não foram apresentadas contrarrazões.

Dada vista à Procuradoria de Justiça, o parecer do Dr. Procurador de Justiça é no sentido do desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Com efeito, o direito à saúde é direito fundamental do ser humano, corolário do direito à vida. As disposições constitucionais neste sentido são autoaplicáveis, dada a importância dos referidos direitos.

Compete à União, aos Estados e aos Municípios o resguardo dos direitos fundamentais relativos à saúde e à vida dos cidadãos, conforme regra expressa do art. 196 da Constituição Federal. Da mesma forma, dispõe claramente a Constituição Estadual, em seu art. 241, que a saúde é direito de todos e dever do Estado e dos Municípios.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar na Primeira Seção o REsp 1657156/RJ, recurso repetitivo (Tema 106), assentou as premissas válidas para fornecimento de remédios fora da lista do Sistema Único de Saúde, quais sejam: a) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; c) existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e d) a não configuração de tratamento experimental.

Tais determinações aplicam-se somente às ações ajuizadas a partir de 04 de maio de 2018, de forma que os supracitados requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado.

Cumpre firmar o entendimento exarado através do Tema 500 da Suprema Corte, RE 657.718/MG, a respeito dos medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na ANVISA, cuja tese restou assim fixada:

1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido de registro (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”.

Mais recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal retomou a discussão a respeito dos limites da atuação do Poder Judiciário na concretização do direito fundamental à saúde quando do julgamento do Recurso Extraordinário 855.178/RG, com repercussão geral conhecida.

O Plenário, por maioria de votos, fixou a seguinte tese para efeito de aplicação da repercussão geral (Tema 793):

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro", nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não fixava tese. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 23.05.2019.

Em sede de embargos de declaração, o mesmo sodalício expressou compreensão no sentido de que:

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas suas hipóteses), a União necessariamente comporá o pólo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90) de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e comprovada necessidade, observado, para tanto, os parâmetros definidos no art. 28 do Decreto Federal n. 7.508/11”.

O artigo 19-Q, da Lei n. 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, dispõe:

Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 1º A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 2º O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:(Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente: I. estar o usuário assistido por ações e serviços do SUS; II. ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde e, III. estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos (art. 28, do Decreto n. 7.508/2011).

Pois bem.

No caso, a parte autora, portadora de asma alérgica (CID J45.0) necessita fazer uso do medicamento OMALIZUMABE (Xolair) 75mg, necessitando de 15 ampolas para complementação do tratamento de 18 meses (EVENTO 3 - PROCJUDIC1, fl. 33, dos autos originários).

O fármaco OMALIZUMABE foi incorporado no âmbito do SUS para o tratamento de asma alérgica grave não controlada através da Portaria n. 64, de 27 de dezembro de 2019:

PORTARIA Nº 64, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2019

Torna pública a decisão de incorporar o omalizumabe para o tratamento de asma alérgica grave não controlada apesar do uso de corticoide inalatório (CI) associado a um beta-2 agonista de longa ação, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

O SECRETÁRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E INSUMOS ESTRATÉGICOS EM SAÚDE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições legais e, nos termos dos art. 20 e art. 23, do Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011, resolve:

Art. 1º Incorporar o omalizumabe para o tratamento de asma alérgica grave não controlada apesar do uso de corticoide inalatório (CI) associado a um beta-2 agonista de longa ação, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

Art. 2º Conforme determina o art. 25 do Decreto nº 7.646/2011, o prazo máximo para efetivar...

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