Acórdão nº 50667737920208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50667737920208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002569041
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5066773-79.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Abandono Material

RELATOR: Juiz de Direito ROBERTO ARRIADA LOREA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de Apelação interposto por P. N. R. e L. F. A. S., contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido encartado na Ação de Destituição do Poder Familiar, ajuizada Pelo Ministério Público, aos efeitos de suspender o poder familiar da genitora em relação aos filhos H. e M., e do genitor relação a M., mantendo o acolhimento institucional das crianças.

Nas razões recursais, os apelantes alegam que embora a suspensão seja medida logicamente menos grave que a destituição, ela também carece de fundamentos igualmente contundentes e não pode ser aplicada de modo formalmente subsidiário àquela, sob pena de banalizá-la como se medida ordinária fosse.

Aduzem que passaram por situações conflituosas à época do abrigamento dos filhos, como restou assinalado na primeira avaliação social (evento 33, dos autos originários); todavia, o acompanhamento da rede socioassistencial promoveu notável evolução na vida familiar do casal, como evidenciam as conclusões da última avaliação social realizada (evento 68).

Alegam que o fato de o histórico da família apontar para uma realidade difícil e de a demandada ainda não ter conseguido atender a todos os encaminhamentos propostos, em nada interfere no seu desejo de reaproximação com a prole, salientando que a mãe está tomando as atitudes necessárias, ainda que dentro de suas limitações atuais, para proporcionar aos filhos um ambiente saudável e diverso daquele que motivou o abrigamento.

Pugnam pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões.

Sobreveio manifestação da Procuradoria de Justiça, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

Passo a decidir.

VOTO

O recurso, porque preenchidos os requisitos de admissibilidade, resta conhecido.

Adianto que a irresignação não merece prosperar, devendo ser confirmada a sentença, por seus próprios fundamentos.

Com efeito, o poder familiar está subentendido naqueles direitos que se harmonizam com a paternidade responsável, com a tutela especial à família, ao dever de convivência familiar e com a proteção integral da criança e do adolescente.

O poder parental – exercido por ambos os genitores – tem como característica fundamental ser um encargo público. Ausente a efetiva demonstração de que os genitores, ou um deles, estejam cumprindo a contento tal múnus, ostenta-se imprescindível a intervenção estatal para afastar a criança ou o adolescente de situação de risco ou contrária ao seu interesse.

A suspensão do poder familiar vem regulamentada no art. 1.637 do CC e nos arts. 19, 22 e 24 do ECA, que assim preconizam:

"Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão."

"Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

§ 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.

§ 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.

§ 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei."

"Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais."

"Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22."

Trata-se, a suspensão do poder familiar, de cessação temporária do exercício daquele poder por ordem judicial amparada em disposição legal, podendo ser utilizada quando houver abuso da função dos pais que cause prejuízo, devendo perdurar pelo período em que for necessária e útil aos interesses do filho. Visa à proteção dos interesses do menor e serve, igualmente, de sanção aos pais por infração aos deveres que lhes são inerentes em virtude da maternidade e da paternidade.

No caso em apreço, o conjunto probatório formado nos presentes autos, não autoriza a reforma da sentença, a qual, após a devida instrução e em respeito aos princípios constitucionais, suspendeu poder familiar dos apelantes com relação aos filhos menores.

Ademais, não resta evidente que o melhor, do ponto de vista dos menores, seja a suspensão do poder familiar dos apelantes, já que a decisão encontra amparo na vasta prova produzida, que evidencia a negligência dos apelantes no tocante aos cuidados dos filhos, resultando frustrada a experiência de retomada do convívio familiar ocorrida no mês de agosto do ano passado, justamente por este motivo.

Assim, cautelosa a manutenção da decisão atacada, para que seja melhor apurada a situação das partes, como bem referiu o Julgador singular, sendo afastada a hipótese de destituição do poder familiar, mas com imposição da suspensão, considerando a existência de vínculo afetivo e indicativos robustos de reintegração familiar no curto/médio prazo.

Ademais, visando evitar tautologia, no que concerne à prova produzida nos autos, transcrevo excerto do parecer ministerial proferido pela eminente Procuradora de Justiça, Marcia Leal Zanotto Farina, o qual adoto como razões de decidir:

"(...)

Não merece provimento a inconformidade recursal.

HENRIQUE e MAICKON, nascidos, respectivamente, em 26/08/2009 e 25/07/2016 (evento 2 OUT2, fl. 27 e evento 1 INIC1, fl. 01 - origem), contam 12 e 5 anos de idade atualmente.

Em razão de experimentarem situações de violência intrafamiliar, negligência e extrema vulnerabilidade social na companhia dos genitores, o MINISTÉRIO PÚBLICO requereu, em janeiro de 2020, medida protetiva em seu favor, ocasião em que Henrique já se encontrava em acolhimento desde 13/05/2019 a partir de medida protetiva aplicada pelo Conselho Tutelar, em caráter emergencial (evento 2 OUT2, fl. 04 – origem), sendo determinado o acolhimento dos menores por decisão datada de 20/02/2020 (evento 2 OUT2, fl. 21 – origem).

Em julho de 2020 (evento 2 INIC1 – origem), o Ministério Público ingressou com a presente ação, noticiando a total incapacidade da genitora de exercer adequadamente o poder familiar sobre os filhos, sendo suspenso, em 03/08/2020, o poder familiar dos demandados em relação aos filhos (evento 2 DESP3 – origem).

Quanto a LUIS FERNANDO, a avaliação psicológica elaborada em 07/11/2020 apurou que “não apresenta muita crítica quando confrontado a respeito das dificuldades eu ocasionaram o acolhimento. Mostra-se mais direcionado ao trabalho delegando a...

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