Acórdão nº 50683270420208217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 03-02-2021

Data de Julgamento03 Fevereiro 2021
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50683270420208217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000485023
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5068327-04.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Servidão

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

AGRAVANTE: LEONIDAS BURTET

AGRAVADO: LAURO FERNANDO LACERDA

AGRAVADO: MARIA CELINA LORETO LACERDA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LEONIDAS BURTET da decisão interlocutória proferida nos autos da ação tombada sob o nº 50017931120208210006 (evento 11), que lhe movem LAURO FERNANDO LACERDA e MARIA CELINA LORETO LACERDA, cujo trecho transcreve-se:

Os requisitos necessários para o deferimento liminar de reintegração de posse/passagem estão elencados no art. 561 do CPC, quais sejam: a posse anterior exercida pelo autor; a turbação ou esbulho; a data da turbação ou esbulho; e a perda da posse se for pedido de reintegração, ou a continuação da posse, embora turbada, se for pedido de manutenção.

No caso em tela, em juízo de cognição sumária, própria a este momento processual, tem-se que os elementos do Processo justificam a concessão da medida liminar pleiteada.

A utilização anterior à oposição do requerido, da referida passagem, como único acesso à estrada principal, bem como o esbulho praticado, com a colocação de portão eletrônico, trancas e estreitamento da passagem, restaram fartamente comprovadas através dos mapas, fotos e declarações (Evento1 / INIC1, OUT9, OUT10, DECL11, DECL13 e DECL15).

As declarações de vizinhos (DECL11 e DECL13), dão conta do tempo da servidão e acesso único à estrada principal, ao passo que a do Corretor de Imóveis (DECL15) informa, ainda, que tais obstáculos não estavam presentes quando da visita anterior, esclarecendo, também, acerca de todo o inconveniente e possível prejuízo aos autores, para alienação do imóvel.

No caso, a alegada necessidade de acesso à estrada principal, aliada à demonstração da obstaculização pelo requerido, autoriza o deferimento da liminar possessória, enquanto pendente instrução probatória acerca da servidão aparente, conforme preconiza o art. 562 do CPC.

Cabe salientar que a concessão da liminar não configura medida irreversível, podendo ser revista após o contraditório ou dilação probatória.

Assim, DEFIRO a gratuidade da justiça aos requerentee e a medida liminar, para reintegrá-los na sevidão de passagem, nos termos da inicial, seja pelo desfazimento dos obstáculos, seja pela concessão de meios alternativos (como dação de controle remoto aos requerentes).

Em suas razões (fls. Evento 1), narrou que "o imóvel pertencente aos agravados jamais esteve encravado e sempre teve pleno acesso à estrada pública". Disse que a passagem referida na exordial, que seria utilizada pelos recorridos há mais de 60 anos, em verdade, encontra-se desativada há mais de 35 anos, e era localizada em sua "sede/residência". Argumentou que "as fotografias e o mapa geral das propriedades [...] carreados à inicial pelos agravados, retratam o acesso atual à propriedade do agravante, especificamente sua sede com benfeitorias, onde reside com a família". Referiu a existência de Ata Notarial, em que terceiro, Policarpo Felix de Loreto, tio e condômino da coagravada Maria Celina, "relatou ao tabelião que há mais de 50 anos os agravados não visitam a propriedade, e que há mais de 35 anos o acesso foi substituído por outro que reduz o trajeto até do interior até a cidade, disponibilizado pelo agravante em favor de Policarpo e dos demais condôminos", bem como que a "outra servidão de passagem", objeto da pretensão autoral, passa por dentro das terras de sua propriedade (do recorrente). Afirmou que o condômino em questão ainda relatou que os ora agravados não visitavam sua propriedade há mais de 50 anos e que "recentemente herdaram sua parte e pretendem vendê-la, e nesse intento tentaram o acesso à sua propriedade de forma equivocada, na presença do corretor de imóveis que lhes acompanhava no evento, desconhecendo o acesso atual". Mencionou a juntada de parecer técnico elaborado por engenheiro agrônomo, em que ilustrada a existência de acesso à propriedade de Policarpo e dos demais condôminos. Suscitou a aplicação do art. 1.389, III, do CC, no que tange à extinção da servidão, por desuso, elucidando não ter proposto ação para obter tal declaração, "em razão de sua não titulação, pois o trajeto era apenas aparente e deixou de ser utilizado há mais de 35 anos". Alegou que os semoventes retratados nas fotografias anexadas à peça vestibular pertenceriam a Policarpo, já que os agravados jamais criaram gado naquela área. Destacou que o próprio fato de os recorridos terem acessado sua propriedade para obter os retratos denota que fizeram uso da servidão hoje existente - e utilizada por Policarpo e pelos demais condôminos. Defendeu, ainda, a incidência do art. 1.384 do diploma civil, que versa sobre a remoção da servidão, de um local para outro, destacando a inexistência de prejuízos aos recorridos, haja vista que o novo percurso reduziu o tempo de acesso à cidade. Asseverou que o cumprimento da medida liminar colocaria em risco a segurança de sua família, bem como da atividade rural que desenvolve. Assim, pugnou pela concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Ainda, requereu o provimento do recurso, para que fosse reformada a decisão que deferiu o pedido liminar deduzido pelos agravados.

Indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso (Evento 11).

Os agravados deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentar contrarrazões (Eventos 13, 15, 16 e 17).

VOTO

Do mérito do agravo de instrumento.

I. Reintegração de posse.

O art. 561 da legislação processual em vigor elenca os requisitos necessários à reintegração/manutenção de posse:

Art. 561. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

No caso em estudo, o preenchimento dos pressupostos, por parte dos ora agravados, foi reconhecido na decisão prévia deste Relator, que indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso:

Da leitura da petição inicial (fls. 04/12 dos autos originários), extrai-se que a coautora Maria Celina herdou, de sua genitora, "uma propriedade na localidade da Ferreira de 1ha4.285,75m², matrícula 23.680, R-8-23.680, e 1ha4.285,75m, matricula 23.679, R-8-23.679, do Registro de Imóveis de Cachoeira do Sul", a qual seria encravada "dentro da propriedade do requerido". Nessa linha, os autores alegam que, há mais de 60 anos, existiria uma passagem localizada nas terras do réu, para obter acesso até a estrada principal - a qual, entretanto, em julho de 2020, teria sido bloqueada, mediante o fechamento das porteiras e da colocação de porteiro eletrônico na primeira entrada. Referiram, ainda, que "houve redução da largura, o que não permite a travessia de caminhões, por exemplo, sendo que na propriedade tem criação de gado para comercialização". Aduziram que sua fração está à venda, e que os obstáculos impostos pelo réu dificultariam o acesso do corretor de imóveis e dos interessados na compra do bem. Invocaram a aplicação dos artigos 1.383 e 1.384 do diploma civil, bem como da Súmula nº 415 do STF. Mencionaram utilizar a servidão há mais de 20 anos. Deste modo, requereram, liminarmente, que "o Requerido retire imediatamente o porteiro eletrônico na primeira entrada da servidão, bem como as trancas nas demais porteiras, bem como desfaça o estreitamento da estrada, possibilitando assim, a passagem de pessoas, veículos de passeio bem como de carga". No mérito, pugnaram pela manutenção da servidão de passagem, com seu registro na matrícula do imóvel do réu. Por fim, postularam a condenação deste ao pagamento de compensação por danos imateriais, no valor de R$ 30.000,00.

Inicialmente, necessário elucidar a natureza jurídica da passagem em discussão.

Enquanto o direito legal de passagem (também chamado de passagem forçada), insculpido no art. 1.285 do diploma civil, é espécie dos chamados Direitos de Vizinhança, a servidão de passagem forçada (da qual a servidão de trânsito configura uma espécie), por sua vez, prevista no art. 1.378 do CC/2002, trata-se de direito real sobre coisa alheia. Neste sentido, ensina Silvio de Salvo Venosa (in Direito civil: direitos reais, 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, coleção direito civil, v. 5. p. 307):

[...] Aponta-se, de plano, porém, que a servidão é direito real sobre coisa alheia, enquanto a passagem forçada decorre da vizinhança e do encravamento de um prédio. [...]

A servidão de trânsito distingue-se da passagem forçada, porque esta é imposta por lei mediante indenização apenas em favor do titular do predito onerado. A servidão de trânsito pode ser estabelecida em favor de prédio não encravado, apenas para tornar mais cômoda a utilização do prédio dominante, decorrendo da vontade das partes. (grifou-se)

No caso concreto, resta evidente que a pretensão dos demandantes é a de proteger a posse sobre servidão de trânsito aparente. Destarte, tratando-se de servidão aparente que visa tão somente à facilitação do acesso ao imóvel dominante, e que é passível de proteção possessória, desnecessário que o bem seja encravado, por força do art. 1.385, do diploma civil, nos termos do qual: “Restringir-se-á o exercício da servidão às necessidades do prédio dominante, evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio serviente.” (...

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