Acórdão nº 50683997020198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 02-03-2023

Data de Julgamento02 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50683997020198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003014863
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5068399-70.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

Adoto o relatório constante no parecer de lavra da em. Procuradora de Justiça, Maria Regina Fay de Azambuja (evento 27):

Trata-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por BRAYAN, inconformados com a sentença constante no evento 41, lançada nos autos do Procedimento para Apuração de Ato Infracional, movido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, que julgou procedente a representação, considerando o representado incurso no ato infracional análogo ao crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, aplicando-lhe a medida socioeducativa de prestação e serviços à comunidade, com fulcro no artigo 117 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Alega o MINISTÉRIO PÚBLICO, em síntese, que a medida imposta pela resp. sentença é insuficiente diante da gravidade do ato infracional de receptação, que contribui para a crescente prática de infrações contra o patrimônio. Sustenta que a Magistrada deixou de considerar a certidão de antecedentes do representado, que já recebeu as medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade pela prática dos atos infracionais de roubo majorado e porte de arma de fogo. Pugna pelo provimento do recurso para ver aplicada a o representado a medida de semiliberdade (evento 45).

O Apelante, BRAYAN, por sua vez, sustenta, que o conjunto probatório é insuficiente para ensejar um juízo de procedência da representação. Aponta que a prova está baseada unicamente no relato policial, que não traz segurança jurídica, estando ausente a comprovação do dolo específico exigido para a configuração da receptação. Destaca não ter sido demonstrado que o recorrente tinha ciência sobre a origem ilícita do veículo, nada tendo sido encontrado com o adolescente no momento da apreensão. Discorre acerca do princípio do in dubio pro reo. Pugna pelo provimento do recurso para ver julgada improcedente a representação (evento 49).

Ofertadas as contrarrazões, o representado alega a ocorrência de prescrição em razão do transcuro do tempo e da medida em meio aberto (eventos 52 e 52).

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento dos recursos, pelo afastamento da preliminar arguida pela defesa e, no mérito, pelo provimento do recurso do Parquet e pelo não provimento da apelação defensiva (idem).

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente, em sede de contrarrazões, a defesa requer seja reconhecida a falta de interesse em recorrer do Ministério Público, pois as medidas requeridas por ele são em meio aberto e encontram-se prescritas.

No entanto, verifica-se que a sentença de procedência aplicou ao jovem a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade e o Ministério Público interpôs recurso requerendo a substituição para a medida de semiliberdade.

De acordo com os termos da Súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça, aplica-se o instituto da prescrição, contemplado no Código Penal, em seu art. 109, aos procedimentos para apuração de atos infracionais, considerando-se, para tanto, a medida socioeducativa aplicada, bem como o art. 115 do Código Penal.

Os prazos máximos para cumprimento das medidas de internação e prestação de serviços à comunidade, são, respectivamente, de 03 anos (art. 121, § 3º, do ECA) e de 06 meses (art. 117 do ECA). Com isso, aplicando-se o art. 109 do CP, ocorre a prescrição em 08 anos para a medida de internação (inciso IV), e em 03 anos para a medida de prestação de serviços à comunidade (inciso VI), reduzindo-se à metade tais prazos, por força do art. 115 do mesmo diploma legal.

Nesse contexto, tendo presente o prazo prescricional de 03 anos para medida socioeducativa com prazo inferior a 01 ano, e de 08 anos para medida que pode ultrapassar esse período, quando reduzidos pela metade, em razão da menoridade, resulta em prazo prescricional de 01 ano e 06 meses para a medida de PSC e de 04 anos para as medidas de liberdade assistida, semiliberdade e internação.

No caso, levando em consideração que a representação foi recebida em 18/07/2019 (fl. 43, evento 3, PROCJUDIC1, do processo originário - processo digitalizado n.º 001/5.19.0006871-0) e a sentença foi proferida em 29/07/2022 (evento 41, idem), tem-se que transcorreram 03 anos entre as duas decisões.

Assim, só será possível reconhecer a prescrição se este Colegiado decidir por manter a decisão atacada e, consequentemente, a aplicação da medida de prestação de serviços à comunidade, o que será apreciado na sequência.

Passo, então, à análise do mérito de ambos os recursos.

Ao adolescente é imputada a prática do ato infracional equiparado ao crime de receptação, tipificado no art. 180, caput, do Código Penal.

Narra a representação que, no dia 26 de junho de 2019, em via pública, o representado adquiriu, conduziu e ocultou, em proveito próprio, o automóvel Ford KA Flex, cor prata, placa IQD6J03, sabendo ser produto de crime.

Segundo consta, na ocasião, o representado estava conduzindo o automóvel referido quando foi avistado por integrantes da Brigada Militar, que realizavam patrulhamento com intuito de localizar o veículo roubado.

Foi realizada a abordagem e, em breve inspeção, ficou constatado que se tratava de veículo objeto de roubo, subtraído da vítima Luiz Henrique em 25/06/2019 (fls. 03/04, evento 3, PROCJUDIC1, idem).

A materialidade do ato infracional restou devidamente comprovada pela ocorrência policial (fls. 17/20, idem); ocorrência policial do veículo roubado (fls. 21/22, idem); termo de declaração do policial Carlos (fl. 23, idem); auto de apreensão (fl. 29, idem); auto de avaliação (fl. 32, idem); termo de declarações da vítima Luiz Henrique (fl. 45, idem)

Igualmente, a autoria é indubitável, o que se depreende do conjunto probatório coligido aos autos. No ponto, reporto-me a excerto da sentença, onde analisa o que foi dito nos depoimentos (evento 41, idem):

O representado utilizou seu direito constitucional ao silêncio (evento 03, PROCJUDIC2).

[...]. foi ouvida a vítima do roubo, L.H.V.C, (evento 03, PROCJUDIC1), a qual informou que seu veículo Ford/Ka foi roubado em frente à creche de sua filha, por volta das 19:00 horas, quando foi abordado por tripulantes de um veículo que encostou ao lado do seu, os quais colocaram uma arma na sua cabeça e exigiram que desembarcasse do automóvel, se evadindo do local em posse do bem. O ofendido recuperou seu veículo 02 dias após o roubo, sendo solicitado a comparecer em delegacia, mas não realizou o reconhecimento dos assaltantes, pois manteve a cabeça baixa durante o assalto.

Também foram ouvidos os policiais militares Carlos A. R. B. e Edison C. (evento 35), os quais informaram que foram despachados via rádio para apurar a informação de que um veículo Ford/Ka, que estava em situação de roubo, havia passado pelo cercamento eletrônico. Os policiais visualizaram o veículo trafegando nas imediações da Avenida Bento Gonçalves, esquina com a Avenida Antônio de Carvalho. Realizada a abordagem, o representado foi apreendido sozinho, estando na posição de motorista do automóvel. O representado relatou aos policiais que comprou o veículo de um vendedor desconhecido, no dia anterior aos fatos, pela quantia de R$ 1.000,00 (mil reais), somente tendo conhecimento de que o bem era oriundo de leilão.

Abreviei nomes. Grifo acrescido.

Convém ressaltar que os testemunhos dos policiais têm suficiente força probatória para um juízo de procedência, pois proveniente de agentes públicos atuando no exercício de suas funções, nada havendo nos autos a indicar que faltaram com a verdade.

Ademais, as circunstâncias em que o jovem foi apreendido evidenciam a prática do ilícito, pois estava conduzindo o veículo que havia sido roubado no dia anterior ao ocorrido e em nenhum momento em juízo trouxe sua versão dos fatos, a fim de demonstrar minimamente a licitude da posse do veículo.

Nesse contexto, não há falar em ausência de prova do dolo para um juízo de procedência dos pedidos contidos na representação.

Quanto à medida socioeducativa aplicada, de prestação de serviços à comunidade, o Ministério Público requer seja substituída pela medida de semiliberdade. Não houve insurgência da defesa no ponto.

De acordo com o art. 112, § 1º, do ECA, a medida aplicada ao jovem levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

Nessa perspectiva, tenho que assiste razão ao Ministério Público, uma vez que, embora o ato infracional não tenha sido praticado mediante violência ou grave ameaça, o representado possui antecedentes infracionais por roubo majorado (no ano de 2018, com imposição das MSEs de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida - proc. n.º 001/5.18.0009983-5), por porte de arma (no ano de 2019, com imposição das MSEs de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida) e por receptação (no ano de 2020, com imposição da MSE de semiliberdade - proc. n.º 001/5.20.0000645-8).

Dessa forma, é evidente a reiteração no ilícito, sendo mais adequada e proporcional a medida de semiliberdade.

No mais, diante da substituição da medida socioeducativa, não há falar em reconhecimento da prescrição, porque, repriso, transcorreram três anos entre as datas de recebimento da representação e da prolação da sentença.

Por fim, quanto ao prequestionamento da matéria, pleiteado pela defesa para fins recursais, deixo consignado que o julgador não está obrigado a se manifestar especificamente acerca de todas as normas legais invocadas pela parte, devendo, isto sim, lançar decisão fundamentada, julgando a lide e prestando a tutela jurisdicional requerida. Tal entendimento mais se fortalece diante...

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