Acórdão nº 50685532020218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50685532020218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002252790
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5068553-20.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Não padronizado

RELATORA: Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: NILTON ESPINDOLA PIRES (AUTOR)

RELATÓRIO

NILTON ESPINDOLA PIRES, em 30 de junho de 2021, ajuizou ação contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL para obrigá-lo ao fornecimento do medicamento Nintedanibe 150mg, no valor mensal de R$ 19.380,00. Nos dizeres da inicial, (I) é portador de doença pulmonar intersticial com fibrose (CID10 J84.1), necessitando do medicamento para o seu tratamento, e, (II) a despeito da prescrição médica, o requerimento administrativo foi indeferido pelo Réu (evento 01 - INIC1 - processo originário).

Solicitado parecer técnico, o Departamento Médico Legal emitiu conclusão favorável ao fornecimento do medicamento requerido (evento 14 - OUT1 - processo originário).

O MM. Juiz de Direito da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre deferiu a tutela de urgência requerida (evento 16 - DESPADEC1 - processo originário).

Citado, o Réu contestou a ação (evento 42 - CONT1 - processo originário).

Na sentença, o MM. Juízo a quo julgou procedente a ação para ratificar a tutela de urgência deferida e condenar o Réu ao fornecimento do medicamento Nintedanibe 150mg, enquanto perdurar a necessidade, isentando-o do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios (evento 91 - DESPADEC1 - processo originário).

Inconformado, apela, tempestivamente, o Réu. Alega que, à luz do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal, compete à Justiça Federal julgar as demandas em que são requeridas tecnologias ainda não incorporadas ao Sistema Único de Saúde, devendo, necessariamente, a União compor o polo passivo da lide. Afirma, ainda, que o fornecimento, pelo Poder Público, de medicamento de alto custo é objeto do Tema 06 do Supremo Tribunal Federal, cujo julgamento está em andamento. Aduz que "a União não ressarcirá administrativamente os demais entes que arcarem como o custeio da prestação de saúde, nas demandas judiciais em que o ente público federal não compuser o polo passivo da lide". Requer, então, o provimento do recurso para que "seja desconstituída a decisão de primeiro grau, devendo ser o feito remetido àquela instância para a devida aplicação do Tema 793 do E. STF e consequente remessa dos autos à Justiça Federal, a quem compete julgar o processo, em obediência ao artigo 109, inc. I, da CF/88" (evento 99 - APELAÇÃO1 - processo originário).

Apresentadas as contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal (evento 101 - CONTRAZ1 - processo originário). É o relatório.

VOTO

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 855.178/SE (TEMA 793), integrado pelos Embargos de Declaração, por maioria, em acórdão publicado em 16 de abril de 2020, assentou a seguinte tese de repercussão geral:

"Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro"(PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (Grifou-se)

Eis a ementa do acórdão dos respectivos Embargos de Declaração:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.
4. Embargos de declaração desprovidos." (RE 855178 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (Grifou-se)

Por pertinente, transcreve-se o seguinte excerto do voto do Redator, o Min. Edson Fachin, verbis:

"3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF);

ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário , nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas ;

iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

iv) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto federal n. 7.508/11.

E, por derradeiro, em face do interesse público relevante, proponho que o Conselho Nacional de Justiça, por meio de seu Fórum Nacional de Saúde, acompanhe os efeitos da deliberação deste Tribunal, por entender necessária, inclusive no âmbito do STF, a manutenção e ampliação do debate com pessoas e entidades com expertise e autoridade nesta matéria.

É como voto.

Tese fixada: “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro". (Grifou-se)

Na esteira do voto acima transcrito, em precedentes recentes, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que, nas ações relativas à dispensação de medicamentos não incorporados ao SUS, a União deve necessariamente figurar no polo passivo.

Assim, no ARE 1308917, o em. Rel. Min. Roberto Barroso, em 29 de março de 2021, assentou que "a decisão recorrida, ao fixar a competência da justiça estadual para processamento da lide, sem se atentar para a necessidade de a União compor o polo passivo da ação, inobservou a jurisprudência do STF. Diante do exposto, com base no art. 932, V, do CPC/2015 e no art. 21, § 2º, do RI/STF, dou provimento ao recurso extraordinário e determino o retorno dos autos para que o Tribunal de origem proceda a novo julgamento, com aplicação do precedente estabelecido no RE 855.178-RG (Tema 793)". (Grifou-se)

Eis o inteiro teor da decisão:

"DECISÃO: Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. PSORÍASE EM PLACAS. CID L 40.0. MEDICAMENTO USTEQUINUMABE (STELARA) 45MG. MEDICAMENTO NÃO DISPENSADO PELO SUS. TUTELA ANTECIPADA NÃO CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. DETERMINAÇÃO DE REMESSA À JUSTIÇA FEDERAL. INAPLICABILIDADE. ACÓRDÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº. 855.178, TEMA 793 AINDA NÃO PUBLICADO. ART. 1.040, INCISO III...

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