Acórdão nº 50687367720208217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 03-02-2021

Data de Julgamento03 Fevereiro 2021
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50687367720208217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000529721
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5068736-77.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Nota de crédito comercial

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

AGRAVANTE: IVANOR ANTONIO PANIZZI

AGRAVADO: FOCUS MATERIAIS DE CONSTRUCAO E PRODUTOS AGRICOLAS LTDA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por IVANOR ANTÔNIO PANIZZI, em face da decisão proferida nos autos da ação monitória, ora em fase de cumprimento de sentença, ajuizada por FOCUS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO E PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA, cujo teor enuncia:

Vistos.

Eis que consta nos autos a matrícula do bem imóvel indicado à penhora pelo exequente, forte nos arts. 844 e 845 §1°, do CPC, determino a realização, pela Escrivania, de penhora por termo nos autos do imóvel matrícula n° 32.335, tal como requerido na petição retro (penhora de 2 hectares da área produtiva, totalizando o valor de R$60.000,00.; e a penhora de 3 hectares da área considerada improdutiva, totalizando o valor de R$24.000,00)

Efetuada a constrição, intime-se a parte executada da penhora, observando o art. 841 do NCPC.

Intime-se, ainda, o exequente para que requeira a intimação, pessoal ou na pessoa do representante(s) legal(is), de eventual(is) cônjuge, de credor(es) hipotecário(s) e coproprietário(s) (em sendo caso do art. 843 do NCPC), e demais pessoas previstas no art. 799, do NCPC. Caberá à parte exequente indicar o endereço e recolher as respectivas despesas, sob pena de nulidade.

Havendo qualquer registro ou averbação de arrolamento, garantia ou penhora em favor da Fazenda Pública, deverá providenciar o necessário para a ciência inequívoca, requerendo a intimação pessoal, sob pena de nulidade.

Deverá, ainda, pesquisar junto aos órgãos administrativos e perante o síndico a respeito da existência de débitos ou restrições de natureza fiscal e condominial, comprovando nos autos.

Por fim, deverá manifestar se deseja a adjudicação e/ou alienação, requerendo e providenciando o necessário para sua efetivação.

Em caso de inércia por prazo superior a 15 dias, arquivem-se com baixa, facultada a reativação motivada.

Tudo cumprido, expeça-se mandado/precatória para fins de avaliação do bem penhorado.

Intimem-se.

Em suas razões, sustenta que o imóvel é impenhorável, pois sobre ele há uma plantação de uva, a qual é utilizada para o seu sustento e de sua família. Salienta que sua residência também está assentada no local. Observa que deve ser liberada da penhora a área em que há produção agrícola. Requer a concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do agravo, para cancelar a penhora existente sobre a área produtiva de dois hectares integrante da Matrícula 32.355 do Registro de Imóveis de Bento Gonçalves.

O pedido de tutela antecipada recursal foi deferido.

Intimado, o agravado apresentou contrarrazões, argumentando que além da área de 8,8 hectares, pertencente à Matrícula 32.355, o agravante também é proprietário da fração de 7 hectares integrantes da área maior de 12 hectares, concernente à Matrícula 44.882, ambas do Registro de Imóveis de Bento Gonçalves. Observa que o recorrente não utiliza toda a área penhorada e que inexiste moradia sobre o local. Pleiteia o desprovimento do recurso.

Com isso, os autos vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O agravo merece prosperar.

Como visto, o agravante pretende a reforma da decisão que determinou a penhora de 2 hectares de área produtiva, integrantes da área total de 8,8 hectares, objeto da matrícula 32.355 do Registro de Imóveis de Bento Gonçalves, de propriedade do devedor e de sua esposa.

A propósito do tema, dispõe o art. 5º, XXVI, da CF:

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

No mesmo sentido, prevê o art. 833, VIII do CPC:

Art. 833. São impenhoráveis:

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

Já o conceito de pequena propriedade rural é disciplinado pelo art. 4º da Lei nº 8.629/936:

Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:

I- Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial;

II - Pequena Propriedade - o imóvel rural:

a) de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento;

Como visto, a pequena propriedade rural possui proteção constitucional e legal, não podendo ser penhorada caso cultivada pela família.

Na hipótese, considerando que o módulo fiscal é de 12 hectares, conforme consta da Av.3-32.355 (Evento 25, MATRIMÓVEL), e que a penhora em questão recai sobre 5 hectares (desses, o agravante questiona apenas a penhora de 2 hectares de área produtiva), não há dúvida de que o imóvel objeto da constrição se enquadra no conceito de pequena propriedade rural, pois inferior a 4 módulos fiscais.

A propósito, a partir da jurisprudência do STJ, verifica-se que tal disposição vem sendo amplamente aceita para conceituar a pequena propriedade rural. Veja-se:

RECURSO ESPECIAL - ARTIGO 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PROPRIEDADE RURAL - CONCEITO - MÓDULO RURAL - IDENTIFICAÇÃO - NECESSIDADE - PEQUENA PROPRIEDADE RURAL UTILIZADA POR ENTIDADE FAMILIAR - IMPENHORABILIDADE - RECONHECIMENTO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

(...)

II - Para se saber se o imóvel possui as características para enquadramento na legislação protecionista é necessário ponderar as regras estabelecidas pela Lei n.º 8629/93 que, em seu artigo 4º, estabelece que a pequena propriedade rural é aquela cuja área tenha entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais. Identificação, na espécie.

III - Assim, o imóvel rural, identificado como pequena propriedade, utilizado para subsistência da família, é impenhorável. Precedentes desta eg. Terceira Turma.

IV - Recurso especial improvido.

(REsp 1284708/PR, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 09/12/2011)

É bem verdade, por outro lado, que o agravante não demonstrou que a totalidade da área é cultivada pela sua família, como exige os dispositivos retrorreferidos.

Contudo, cuidando-se de pequeno imóvel rural destinado à exploração direta pelo agricultor (cultivo de uva), opera-se uma presunção juris tantum em seu favor, transferindo-se à exequente a prova de que a área em questão não é trabalhada pela família, aos efeitos de afastar a proteção da pequena propriedade rural.

Ressalto que, apesar de a agravada, na contrarrazões, ter juntado cópia da matrícula 44.882 do Registro de Imóveis de Bento Gonçalves, não há qualquer registro de transferência da propriedade de João Odone Panizzi para Ivanor Panizzi, mas apenas para Ivanete Panizzi, de modo que não há como reconhecer tenha o agravante outra propriedade além da penhorada.

A propósito, menciono precedente do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. REQUISITOS E ÔNUS DA PROVA.

1. A proteção da pequena propriedade rural ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, "assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento" (art. 5°, XXVI). Recebeu, ainda, albergue de diversos normativos infraconstitucionais, tais como: Lei n° 8.009/90, CPC/1973 e CPC/2015.

2. O bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível - cláusula pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e à sobrevivência da família.

3. Para fins de proteção, a norma exige dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família.

4. É ônus do pequeno proprietário, executado, a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural.

5. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida...

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