Acórdão nº 50688765920208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50688765920208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002295736
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5068876-59.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: EMILIO ARTHUR KEHL LIONCO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: MICHELE JAQUELINE KEHL LIONCO (Pais) (AUTOR)

APELANTE: UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Emílio Arthur Kehl Lionco e Michele Jaqueline Kehl Lionco e por UNIMED Porto Alegre - Cooperativa Médica Ltda. contra a sentença que, nos autos da Ação de Obrigação de de Fazer ajuizada pelos primeiros apelantes, julgou a demanda nos seguintes termos:

Ante o exposto, com base no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido contido na presente ação de obrigação de fazer ajuizada por Michele Jaqueline Kehl Lionco e outros contra Unimed Porto Alegre – Cooperativa Médica Ltda., para os efeitos de declarar a abusividade do percentual de coparticipação previsto no contrato, com a delimitação ao valor de 50%, devendo a parte ré prosseguir prestando os tratamentos nos moldes indicados pelo médico-assistente, autorizando-se a cobrança do referido percentual.

Condeno a parte autora ao pagamento de metade das custas processuais, mais honorários aos patronos da ré, que fixo em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), com juros legais contados do trânsito em julgado, considerando a singeleza e o trabalho desempenhado, com base no artigo 85, § §2º, 8º e 16, do Código de Processo Civil. Custas pela parte autora, suspensas em razão de litigar sob o amparo da gratuidade de justiça, que ora defiro.

Condeno a parte ré ao pagamento do restante das custas processuais, mais honorários aos patronos dos autores, que fixo em igual valor com base em idênticos parâmetros legais.

Fica expressamente vedada a compensação da honorária (art.85, §14, CPC).

A apelação da ré sustenta ser evidente, da leitura do contrato, que é de comum acordo entre as partes, que haverá cobrança de coparticipação nas consultas realizadas pelo beneficiário, cada qual na proporção estabelecida no pacto. Assevera que o STJ já se posicionou sobre a temática em debate, pacificando o entendimento de que não há ilegalidade ou abusividade na cláusula que autoriza a cobrança de coparticipação financeira nos contratos de plano de saúde, seja em percentual sobre o custo do tratamento, seja em montante fixo, desde que figure de forma clara e expressa a obrigação para o consumidor no contrato, a decisão recorrida. Sustenta que a cobrança de coparticipação para os tratamentos realizados pelo autor é legítima e amparada pela lei, pela jurisprudência e pelo contrato, devendo ser observado o percentual previsto no próprio contrato firmado entre as partes.

Requer o provimento do apelo (Evento 101 dos autos originários ).

A apelação dos autores alega que não há previsão contratual que autorize a cobrança de coparticipação sobre tratamentos multidisciplinares, como é o caso do método ABA. Sustenta que a terapia por método ABA não é procedimento espécie do gênero psicoterapia, trata-se de tratamento multidisciplinar, sendo que a formação da graduação pode ser além de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, medicina, fisioterapia ou enfermagem, dentre outras áreas da saúde. Diz ser direito básico do consumidor a informação clara e adequada, sem margem para dúvidas, sobre os produtos e serviços, com especificação correta de características e preço, nos termos do art. 6º, III, do CDC. Salienta que o valor de 50% fixado em sentença é excessivo e acaba afastando o beneficiário do tratamento que a doença exige o que invalida o objetivo principal da contratação.

Requer o provimento do apelo (Evento 113 dos autos originários).

Intimadas, as partes apresentaram as contrarrazões (Evento 123 e 125 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

O Ministério Público emitiu parecer pelo desprovimento do apelo da ré e pelo provimento parcial do apelo dos autores (Evento 10).

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

Os recursos são tempestivos. O preparo foi devidamente comprovado pela requerida, enquanto que os autores estão dispensados em virtude do benefício da justiça gratuita deferido na origem.

As insurgência serão analisadas conjuntamente.

Para um melhor entendimento dos fatos debatidos na presente demanda, peço vênia para transcrever parte do relatório da sentença:

Cuida-se de ação de obrigação de fazer ajuizada por Michele Jaqueline Kehl Lionco e outros contra Unimed Porto Alegre – Cooperativa Médica Ltda., partes já qualificadas nos autos.

Disse ser o autor Emílio, menor incapaz, beneficiário de plano de saúde prestado pela ré, e que, conforme laudo médico emitido pelos profissionais que o acompanham, foram indicados tratamentos semanais de fonoaudiologia e terapia ocupacional, além de terapia baseada na Análise Aplicado do Comportamente (ABA), em razão de ser acometido pelo transtorno de espectro autista.

Referiu que a parte requerida deu cobertura aos tratamentos postulados na via administrativa, contudo vem cobrando percentuais de coparticipação em patamares que inviabilizam a continuidade do tratamento.

Discorreu sobre a abusividade da conduta da ré e invocou a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto.

Colacionou julgados.

Pediu, antecipadamente, o custeio integral dos tratamentos requeridos, com a suspensão de qualquer cobrança e título de coparticipação, ou, alternativamente, a delimitação do percentual cobrado para o mínimo possível de forma a não inviabilizar a continuidade dos tratamentos.

Ao final, requereu a procedência, para condenar a requerida ao custeio integral dos tratamentos, sem cobrança de coparticipação, ou, alternativamente, a declaração de abusividade do percentual e delimitação ao mínimo possível.

Pediu a gratuidade, atribuindo à causa o valor de R$ 42.768,00 (quarenta e dois mil setecentos e sessenta e oito reais). Acostou documentos.

Indeferido o pleito antecipatório.

Interposto agravo de instrumento, ao qual foi dado parcial provimento, para determinar a redução da coparticipação para o percentual de 50%.

Citada, a ré contestou.

Disse que o contrato celebrado entre as partes prevê expressamente a cobrança de coparticipação no percentual de 66% para atendimento psicoterápicos, ao qual se enquadra o tratamento perquirido pela parte autora.

Referiu que a cobrança de coparticipação possui supedâneo legal no art. 16, VIII, da Lei n.º 9.656.98.

Mencionou que a taxa de coparticipação está incidindo somente para as sessões de psicoterapia, sendo que para os demais tratamentos fornecidos, não incide a cobrança de coparticipação por ausência de previsão contratual.

Afirmou a necessidade da cobrança de coparticipação, decorrente da necessidade de equilíbrio contratual e diminuição do risco assumido pela operadora.

Pediu a improcedência. Juntou documentos.

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médico-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso em tela, os autores pretendem ver reconhecida a abusividade na cobrança de coparticipação pelo tratamento multidisciplinar com Terapia ABA realizado pelo autor Emílio.

Com relação ao tema, recentemente alterei meu entendimento, fins de adequá-lo àquele pacificado pelo egrégio STJ, no sentido de que não há ilegalidade ou abusividade na cláusula que autoriza a cobrança nos contratos de plano de saúde, seja em percentual sobre o custo do tratamento, seja em montante fixo, desde que figure de forma clara e expressa a obrigação para o consumidor no contrato e não impeça o acesso do beneficiário ao sistema de saúde complementar.

Nesse sentido, os seguintes precedentes daquela Egrégia Corte:

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA DE COPARTICIPAÇÃO. LEI 9.656/98. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONTRATUAL EXPRESSA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO....

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