Acórdão nº 50689034220208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, 01-04-2022

Data de Julgamento01 Abril 2022
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Câmaras Criminais
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo50689034220208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001940924
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5068903-42.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

EMBARGANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMBARGADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes opostos por LUIS FELIPE DA SILVA CAVALHEIRO contra acórdão da 1ª Câmara Criminal que, por maioria, negou provimento ao apelo defensivo. Resultou vencido o Des. Jayme Weingartner Neto, que parcial provimento ao recurso para reconhecer a ilicitude da prova oriunda da apreensão no domicílio do acusado e, mantida a prova decorrente da apreensão na via pública, desclassificar a conduta para o delito previsto no art. 28 da Lei n.º 11.343/06 e remeter os autos ao Juizado Especial Criminal (Evento 11).

Alega o embargante nulidade processual em face da presença de invasão de domicílio ilícita, decorrente de flagrante forjado. Sustenta ausência de situação de flagrante ou autorização para ingresso dos policiais na sua residência. Aduz não haver qualquer referência dos policiais a eventual investigação, monitoramento ou atitude suspeita do acusado. Assevera ter havido alegação de nulidade processual por ocasião dos memoriais ofertados pela defesa técnica. Traz à colação os fundamentos do voto vencido, pleiteando o reconhecimento da nulidade processual e a desclassificação da conduta para o delito previsto no art. 28 da Lei n.º 11.343/06, com remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal (Evento 19).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desacolhimento dos embargos infringentes (Evento 33, PARECER1).

VOTO

In casu, pretende a parte embargante com o presente recurso a prevalência do entendimento exarado no voto minoritário consignado no acórdão vergastado, de lavra do Des. Jayme Weingartner Neto, que entendeu absolvição do embargante em relação à imputação de tráfico de drogas, face a ilegalidade do flagrante policial.

O voto minoritário foi proferido nos seguintes termos:

"Violação de domicílio

Quanto à autoria, o juízo singular condenou o acusado pela prática do crime de tráfico de drogas. Destaco trechos da sentença acerca da descrição da prova oral:

"[...] Com efeito, segundo a testemunha JULIANA, a droga teria sido apreendida com seu "filho de criação" Felipe, que teria sido levado pelos policiais e aparecido mais tarde, já liberado. Nesse ínterim, porém, sem saber onde estava Felipe, vulgo "Pequeno", a esposa dele pediu ajuda ao réu e sua mulher, e então, juntamente com a testemunha Juliana, teriam ido até o prédio do réu para ele apanhar dinheiro e outros pertences de Felipe e na sequência iriam procurá-lo em alguma repartição policial, porém ao sair do condomínio o réu teria sido preso pelos policiais militares.

[...]

Aliás, Maicon disse que visualizou a abordagem ao réu, afirmando que ele estava "limpo", ou seja, que não foram encontradas drogas com ele, dizendo também que ele não portava qualquer sacola ao ser abordado, quando não só a sacola é visualizada nas imagens trazidas pela Defesa como o próprio réu admite que carregava uma sacola ao sair do condomínio e ser abordado.

[...]

O policial militar DENIS PEREIRA DE BARROS disse que estava em patrulhamento de rotina no local, por volta das dez/onze horas da noite, quando visualizaram um indivíduo caminhando com uma sacola na mão, aparentando estar desconfiado. Efetuada a abordagem, no interior da sacola que ele carregava havia uma quantia em dinheiro e, com o réu, aproximadamente oito tijolos de maconha embalados. O réu explicou informalmente aos policiais que era responsável por fazer a tele-entrega da droga na região e que o restante do material estava em seu apartamento. Foram até o apartamento com o réu e lá apreenderam mais droga, dinheiro, balança e papel para embalar droga. Negou que tivessem prendido ou abordado anteriormente outra pessoa. Do local, levaram o réu direto para a 3ª Delegacia de Polícia. Após a prisão do réu chegaram mais viaturas no local para apoio. Disse ainda que no condomínio há tráfico de drogas, ante frequentes denúncias e prisões efetuadas.

A versão do PM Denis corrobora precisamente o que é visualizado nas imagens captadas nas câmeras do condomínio.

O policial JEAN DEILON CHEPA DE VARGAS relatou os fatos da mesma forma, confirmando que o réu saiu do condomínio com uma sacola na mão. Na sacola havia dinheiro e drogas no bolso do réu. Também esse PM referiu a menção do réu à prática do tráfico ali. Disse ainda que somente na DP apareceu a esposa do réu.

[...]

A versão do réu Luis Felipe foi de que foi preso ao sair do condomínio onde mora na posse de uma sacola contendo dinheiro que levaria para auxiliar Felipe, que tinha sido preso pela Brigada Militar segundo sua esposa. A esposa de Felipe havia pedido ajuda à sua esposa, então foi junto ajudar. Contudo, ao retornarem em sua residência para buscar dinheiro para isso, foi preso na saída. Disse que os policiais pediram para verificar seu apartamento. Depois disso, foi levado até um terreno baldio, onde pediram que desbloqueasse seu celular, com o que não concordou. Foi algemado e colocado um saco plástico na cabeça, momento em que desbloqueou o celular. Depois disso retornaram até seu prédio porque os policiais queriam verificar seu carro, mas o carro não estava mais no local. Então foi levado ao batalhão e depois à DP. Não sabe dizer a razão de Felipe ter delatado sua residência. Disse que estava guardando dinheiro para Felipe, relativo à venda de uma moto.

[...]

As testemunhas JOSÉ CARLOS MARONA GONZALES e JONATHAS DA SILVA são apenas abonatórias da conduta do réu [...].

A defesa alega que não havia situação de flagrante, nem houve autorização para o ingresso dos policiais no apartamento do acusado. Ainda, que o réu foi "algemado, ameaçado e compelido" a informar o imóvel, "medida um tanto quanto forçosa quando comparada à expressão franquear”. Juntou imagens da câmeras de segurança do condomínio e discorre acerca da dinâmica dos fatos.

Além disso, a defesa refere a ocorrência de flagrante forjado, pois os policiais teriam chegado ao réu pela indicação de Felipe, alcunha "Pequeno", "o verdadeiro traficante", o qual teria sido abordado pouco antes na posse de drogas e teria dado a informação em troca da liberação. Destaca, nesse ponto, o depoimento da testemunha Juliana, bem como da testemunha Maicon.

Segundo narrativas dos policiais, eles estavam em patrulhamento de rotina quando avistaram o réu saindo do condomínio com uma sacola e consideraram suspeita a conduta (ele olhou "desconfiado" para a viatura), abordando-o na via pública. Com ele havia porções de maconha e quantia em dinheiro. Ele teria dito que fazia tele-entrega de entorpecente e que havia mais drogas no apartamento, franqueando o acesso. No imóvel apreenderam o restante das drogas e do dinheiro.

O policial Jean afirmou que foi ele que fez a revista no réu e encontrou porções pequenas de maconha no bolso do acusado e dinheiro na sacola. Acerca da quantidade de drogas encontradas na posse do acusado, na via pública, portanto, tal elemento prepondera, pois além disso nada mais constou e no auto de apreensão foi consignada quantidade total apenas.

Sobre a abordagem, não há referência à prévia investigação, monitoramento ou atitude suspeita, excetuada a observada "desconfiança" no olhar do acusado. Portanto, a considerar a pequena quantidade de maconha encontrada com o réu na via pública, não há qualquer elemento "ex ante" de percepção de situação de flagrância a legitimar o ingresso no apartamento. Neste contexto, a legalidade da diligência decorre tão somente da demonstração da voluntariedade do consentimento para o ingresso. Os policiais afirmam que o réu admitiu a traficância e franqueou o acesso. O réu nega que houvesse drogas em seu apartamento. Afirma que o dinheiro pertencia a "Pequeno", que ele foi abordado pouco antes e que estava em uma das viaturas. Disse que a esposa de "Pequeno" lhe pediu ajuda e que, quando foi abordado, tinha ido buscar o dinheiro que pertencia a "Pequeno", que guardava em seu apartamento a pedido dele.

A corroborar parcialmente a versão do réu, há o depoimento da testemunha Juliana, proprietária e locadora da casa de "Pequeno". Ela disse que "Pequeno" foi abordado, que encontraram drogas na casa dele e ele foi levado pelos policiais. Também confirmou que a esposa dele pediu ajuda à esposa do réu e que elas e o casal foram procurar "Pequeno", sendo que o réu passou no apartamento dele, quando ocorreu a abordagem policial. Ela não faz referência ao dinheiro. Também disse que "Pequeno" retornou para casa mais tarde e nada disse sobre o fato. Ainda, nenhum dos três (esposa do réu, esposa de "Pequeno" e o próprio "Pequeno") foi arrolado como testemunha.

A complicar mais, a motivação apresentada pelo réu para a presença no condomínio naquele momento é incompatível com o contexto por ele defendido. Se "Pequeno" tinha sido preso, a esposa estava preocupada e temerosa com o que pudesse acontecer, e todos saíram em busca dele, por qual motivo foram buscar o dinheiro antes? Qual o motivo da esposa de "Pequeno" ter solicitado o dinheiro? E qual a razão de o réu guardar dinheiro para alguém que não era seu amigo, apenas "conhecido" como ele referiu.

Sobre as viaturas e a dinâmica da abordagem, as imagens das câmeras de segurança do condomínio são claras. Observa-se o réu chegando, sozinho, caminhando, e entrando pela portaria. Após, ele sai carregando uma sacola, quando, então, já é possível ver duas viaturas trafegando na frente do prédio, vagarosamente. A imagem está em consonância com a narrativa dos policiais. A primeira viatura embica no portão do...

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