Acórdão nº 50694240520218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 13-07-2022

Data de Julgamento13 Julho 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50694240520218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002358269
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5069424-05.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Posse

RELATOR: Desembargador GLENIO JOSE WASSERSTEIN HEKMAN

AGRAVANTE: CLAUDIO XAVIER DA CRUZ (RÉU)

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE CAMPO NOVO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por CLAUDIO XAVIER DA CRUZ em face da decisão que deferiu o pedido de concessão de tutela de urgência, nos autos da ação de reintegração de posse, que MUNICÍPIO DE CAMPO NOVO move em seu desfavor.

Está assim redigida a decisão agravada:

Vistos etc.

1. Recebo a inicial.

2. Passo à análise do pedido liminar.

Sustenta a parte autora que possui a posse do imóvel – Antiga Escola Municipal Gonçalves Dias – devidamente comprovada pela Lei Municipal n° 381/71 (anexo). Relatou que em novembro de 2020 o senhor Claúdio Xavier da Cruz, vulgo “panela”, invadiu o referido imóvel localizado na Linha São Pedro, interior do Município de Campo Novo/RS.

Mencionou que os moradores da localidade relataram que a presença de Cláudio no local tem causado vários transtornos à comunidade. Destacou que Cláudio cria cachorros bravos no local, sendo os moradores vítimas de ataques quando passam por lá.

Compulsando os autos, verifico que estão suficientemente demonstrados os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência postulada.

Com efeito, há que se ressaltar que a reitegração de posse é um instituto jurídico previsto no art. 1.210 do Código Civil e no art. 560 do Código de Processo Civil - CPC, sendo que o art. 561 do diploma adjetivo civil estabelece os requisitos específicos para a pretensão possessória em questão nos seguintes termos:

Art. 561. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração."

Insta salientar que, em se tratando de bem público, a posse é inerente ao domínio, ou seja, não há a necessidade da comprovação da posse anterior pelo poder público.

Corolário lógico dessa premissa é que na hipótese de o particular ocupar bem público, tal ocupação afigura-se mera detenção, não gerando qualquer direito possessório sobre o bem.

Além disso, quando a ação de reintegração de posse envolve bem público, não se discute a qualidade da posse, se é nova ou velha, já que a posse do ente público decorre da sua natureza, é posse jurídica.

Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO INDEVIDA DE ÁREA PÚBLICA MUNICIPAL. LIMINAR CONCEDIDA. REQUISITOS DO ART. 561 CPC. DEMONSTRADOS. POSSE JURÍDICA. - Como cediço, na ação de manutenção ou reintegração de posse é necessário comprovar os requisitos do artigo 561 do Código de Processo Civil, consubstanciado na: a) posse anterior; b) a turbação ou esbulho; c) a perda da posse; e, d) a data em que ocorreu o ilícito. - Inarredável o direito do Município à liminar possessória sobre a área pleiteada, ante a natureza pública do bem, que lhe confere a chamada posse jurídica (que não propicia maiores elucubrações sobre sua existência e anterioridade). - Descabe ao Judiciário determinar ao Poder Executivo a realização de políticas públicas visando melhor aproveitamento de espaços públicos ou distribuição de imóveis a particulares, inclusive, a realocação da agravante. Embora não se olvide situações de precariedade econômica e social, como a narrada nos autos, tais circunstâncias devem ser resolvidas por medidas sociais e praticadas pelos Órgãos Públicos com vistas à coletividade. AGRAVO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 70083799486, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 25-06-2020) (grifei).

Pois bem.

Provada está a propriedade/posse da parte autora, visto ser inquestionável que o imóvel objeto da presente demanda trata-se de escola municipal, portanto, um bem público, do que exsurge, conforme já asseverado alhures, a posse jurídica, sendo despicienda a comprovação da efetiva posse anterior.

Do acervo probatório coligido aos autos juntamente com a inicial infere-se o suposto esbulho praticado pela parte ré, bem como a data do ocorrido, isso porque a Ocorrência Policial nº 86/2021/152416 datada de 08/02/2021 aponta que desde o mês de novembro/2020 o réu invadiu a escola pública municipal e passou a nela residir com sua família, causando grandes transtornos em razão dos cachorros bravos que está criando no imóvel público em referência, sendo a perda da posse pelo autor também decorrente do procedimento adotado pelo requerido.

Outrossim, da situação fática retratada resta consubstanciado o direito do ente público municipal de ser reintegrado na posse do imóvel (evento 1 “outros 2”).

Ademais, conforme documentos anexados ao evento 1 “outros 2”, verifica-se que se trata de esbulho ocorrido a menos de ano e dia, sendo plenamente cabível o deferimento liminar da tutela de urgência pleiteada.

Em arremate, de relevo apontar que também estão evidenciados os requesitos elencados no art. 300 do CPC para a concessão de tutela de urgência, isso porque a probabilidade do direito decorre já asseverada posse jurídica do imóvel pelo ente público demandante, e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo resta configurado a partir da privação do uso do mencionado bem pela coletividade.

Por todo o exposto, tem-se presentes os requisitos dos arts. 300 e 561, do CPC, estando comprovada a verossimilhança das alegações, de maneira que DEFIRO o pedido liminar para o fim de reintegrar a parte autora na posse do imóvel objeto da presente ação, impedindo a parte ré de efetuar qualquer ato que interfira no desempenho da posse pelo autor sobre o imóvel descrito na exordial, sob pena de incidir no delito de desobediência.

Intime-se o requerido para desocupação do imóvel no prazo de 02 dias, sob pena de reintegração compulsória.

Cite-se.

Intimem-se.

D. Legais.

Em razões argumenta que está utilizando o local como morada provisória para sua família, visto que trabalha por dia, tendo sido diretamente afetado pela pandemia, não tendo condições de adimplir o aluguel. Aduz que o autor buscou induzir o juízo de primeiro grau ao chama-lo de criminoso, fato inverídico, pois a parte não possui condenação com transito em julgado. Sustenta que a Recomendação n. 90 do CNJ sugere que não ocorra a desocupação de imóveis enquanto perdurar a pandemia de Covid-19. Discorre sobre o Protocolo de San Salvador (Sistema Interamericano de Proteção Internacional dos Direitos Humanos) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU), os quais indicam que a moradia é direito fundamental. Colaciona jurisprudência desta Corte indicando que não deve ser realizado o despejo em época de pandemia. Disserta sobre a possibilidade de a família ficar no local até se estruturar, visto que o local esta abandonado a mais de 2 anos, conforme jurisprudência desta Corte colacionada. Afirma que o artigo 23, IX, da CF, considera a moradia como direito fundamental, fato negligenciado pela Prefeitura Municipal. Argumenta que, subsidiariamente, deve ser estabelecido prazo superior a 30 dias para a desocupação, visto que o prazo atual é de 2 dias. Sustenta que deve ser concedido o efeito suspensivo recursal, além de realizar prequestionamento quanto os requisitos da tutela de urgência concedida, além dos artigos 1º, III, o art. 6º e o art. 23, IX, todos da Constituição Federal, visto que estão sendo violados os direitos fundamentais do réu. Requer que o presente recurso seja recebido com efeito suspensivo, ou subsidiariamente, determine o prazo superior a 30 dias para a desocupação do imóvel, posteriormente, seja dado provimento ao presente recurso, modificando a decisão agravada e indeferindo a tutela de urgência concedida e conceda o benefício da gratuidade judiciária ao recorrente.

O recurso foi recebido sem concessão de efeito suspensivo, nos termos da decisão do Evento 4.

Em sede de contrarrazões, a parte agravada pugnou pelo desprovimento do presente recurso (Evento 14).

O Ministério Público, em seu parecer, opinou pelo conhecimento e desprovimento do agravo de instrumento (Evento 19).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do agravo de instrumento, pois preenchidos todos os seus requisitos de admissibilidade recursal, nos termos dos arts. 1.015 e seguintes do Novo Código de Processo Civil.

Cuida-se de ação de reintegração de posse movida pelo Município de Campo Novo, com a finalidade de ser determinada a desocupação do bem público ocupado pelo requerido, ora agravante, e sua família. Em defesa de suas razões, a parte agravante alega que se trata de família em situação de hipossuficiência econômica, a qual utilizada a antiga escola, há dois anos desocupada, como moradia para si e para sua família.

É caso de manutenção da decisão agravada.

Para o deferimento da liminar em ação de reintegração de posse, é necessária a comprovação dos requisitos apontados no art. 561 do CPC, quais sejam: (I) a sua posse; (II) a turbação ou o esbulho; (III) a data da turbação ou do esbulho; (IV) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

No caso dos autos, dispensa-se a comprovação da posse anterior por parte do Município, tendo em vista que, em se tratando de bem público, a posse é decorrente de sua própria natureza, isto é, do domínio exercido sobre o bem público, denominando-se posse jurídica.

Nesse sentido, colaciono precedentes deste Tribunal:...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT