Acórdão nº 50694575820228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo50694575820228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002074932
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5069457-58.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATORA: Desembargadora MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALES

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

A Defensoria Pública impetra habeas corpus preventivo em favor de RAFAEL BRUM DA SILVA, apontando como autoridade coatora o juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Parobé.

Relata ter sido o paciente preso em flagrante em 31.12.2021, pela prática, em tese, do delito de roubo majorado, disparo de arma de fogo, formação de quadrilha e posse ilegal de arma de foto. O Magistrado plantonista, sem prévia vista à defesa e ao Ministério Público, homologou o auto de prisão em flagrante e converteu a prisão em flagrante em preventiva. Impetrado habeas corpus perante este Tribunal de Justiça, a ordem foi denegada. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, no RHC 161.913/RS, deu provimento ao recurso para reconhecer a ilegalidade da prisão, e, determinou a expedição de alvará de soltura. Não obstante, sem fatos novos, o Ministério Público representou pela decretação da prisão preventiva do suplicante, pedido acolhido pelo juízo de origem.

Alega a manifesta ilegalidade do decreto de prisão, por inobservância à decisão concessiva da ordem de habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, burlando o cumprimento de decisão superior, porquanto a nulidade reconhecida pela Corte Especial não admite convalidação.

Alude que, concedida a ordem de soltura pelo STJ, nova decretação da prisão preventiva do paciente dependeria de fatos novos, nos termos dos arts. 315, § 1º, e 313, do CPP.

Requer a concessão liminar de ordem para suspender os efeitos da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, revogando-se o decreto, em definitivo, ou, seja substituída a prisão por alguma das medidas previstas no art. 319 do CPP.

A liminar foi indeferida.

O Ministério Público ofertou parecer pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado pela Defensoria Pública em favor de RAFAEL BRUM DA SILVA, que teve sua prisão preventiva decretada em 05.04.2022, pela suposta prática dos delitos previstos no artigo 157, §§ 2º, inciso II, e 2º-A, inciso I, do Código Penal c/c o artigo 61, inciso I, e na forma do artigo 29, caput, todos do Código Penal (1º FATO), do artigo 244-B da Lei n.º 8.069/90 (2º e 3º FATOS) e dos artigos 15 (4º FATO) e 16, §1º, inciso I (5º FATO), ambos da Lei n.º 10.826/03, todos na forma do artigo 69, caput, do Código Penal, conforme descritos na denúncia (ação penal n.º 5000607-14.2022.8.21.0157).

Inicialmente, verifica-se que a anterior decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva do paciente RAFAEL BRUM DA SILVA fora mantida por esta Câmara, à unanimidade, quando do julgamento do Habes Corpus n.º 5001849-43.2022.8.21.7000/RS, ocorrido na data de 18.02.2022, assim ementado o respectivo acórdão:

HABEAS COUS. PRISÃO PREVENTIVA. ROUBO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. DISPARO DE ARMA DE FOGO. REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. MANUTENÇÃO. PRECEDENTES DO STF, STJ E TJRS.

1. Decisão que decretou a prisão preventiva devidamente fundamentada, na forma do art. 93, inciso IX, da CF.

2.Conforme entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal, a falta de audiência de custódia constitui mera irregularidade, não afastando a prisão preventiva, uma vez atendidos os requisitos do art. 312 do CP. Ainda, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, eventual nulidade ou irregularidade decorrente da não realização da audiência de custódia fica superada pela conversão da prisão em flagrante em preventiva, como no caso.

3. Em relação à prisão preventiva decretada de ofício, a nova redação do art. 310 do CPP afastou a hipótese, mas não vedou a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, estando presentes os requisitos autorizadores do art. 312 do CPP. A nova redação do art. 312 deixou clara esta possibilidade, ao acrescentar no final do dispositivo o cabimento da prisão preventiva para garantia da ordem pública em caso “de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.

4. Paciente preso em flagrante pela suposta prática dos delitos de roubo, porte ilegal de arma de fogo de calibre restrito e de disparo de arma de fogo. Presença do fumus comissi delicti. Evidenciado, também, o periculum libertis, tratando-se de suplicante reincidente específico (crime de roubo), com real possibilidade de reiteração delitiva.

5. Requisitos do art. 312 do CPP presentes, não se evidenciando constrangimento ilegal, tampouco adequação na substituição da segregação por medidas cautelares diversas à prisão, que não se mostrariam suficientes, no caso concreto.

ORDEM DENEGADA.

Posteriormente, o colendo Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida em 17.03.2022, deu provimento ao Recurso em Habeas Corpus n.º 161913 - RS, liminarmente, para determinar a soltura do paciente Rafael, pelos seguintes fundamentados, in verbis (evento 28 dos autos n.º 5000607-14.2022.8.21.0157):

(...)

Nos termos do art. 310, II, do CPP, constatada a legalidade do flagrante, a prisão deve ser homologada com a apreciação fundamentada sobre a necessidade ou não da custódia preventiva, bem como sobre a possibilidade de concessão da liberdade ao acusado mediante fiança ou a aplicação e medidas cautelares diversas.

O art. 311 do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019, inovou ao tornar expressa a incidência dos princípios acusatório e da inércia para a fixação da prisão preventiva, criando inafastável requisito de pleito desse gravame (pelas autoridades policial ou acusatória), passando a custódia preventiva, assim, a exigir os seguintes requisitos: (i) pedido de prisão ao juiz (novidade legal garantidora da inércia judicial em qualquer fase do processo); (ii) justa causa (prova da materialidade e indícios de autoria); (iii) gravidade do crime (reclusão maior de 4 anos, reincidente doloso ou em face de vulnerável); (iv) riscos taxativos processuais ou sociais (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal; e (v) risco pessoalizado (novidade legal exigindo a individualizada e casuística demonstração do periculum libertatis).

A prévia prisão em flagrante não é permissivo de superação dos requisitos legais da prisão preventiva, como o da vedação ao gravame de ofício - admitindo-se sempre seja formulado o requerimento oralmente na audiência de custódia, ou em manifestação judicialmente oportunizada.

Não se tratando de crime ou pena, a novidade é - como norma processual - aplicada pelo princípio da imediatidade apenas aos atos posteriores de decretação da prisão, verificando-se a ocorrência de ilegalidade no caso, pois a conversão do flagrante ocorreu após a vigência da Lei n. 13.964/2019 e não consta nos autos nenhum pedido por parte do Ministério Público ou mesmo da Autoridade Policial, como preceitua o art. 311 do Código de Processo Penal.

Cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria, no Habeas Corpus n. 188.888, entendeu pela impossibilidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva sem provocação do Ministério Público, autoridade policial ou querelante, o quando for o caso. O acórdão restou assim ementado:

IMPOSSIBILIDADE, DE OUTRO LADO, DA DECRETAÇÃO “EX OFFICIO” DE PRISÃO PREVENTIVA EM QUALQUER SITUAÇÃO (EM JUÍZO OU NO CURSO DE INVESTIGAÇÃO PENAL), INCLUSIVE NO CONTEXTO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO), SEM QUE SE REGISTRE, MESMO NA HIPÓTESE DA CONVERSÃO A QUE SE REFERE O ART. 310, II, DO CPP, PRÉVIA, NECESSÁRIA E INDISPENSÁVEL PROVOCAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA AUTORIDADE POLICIAL – RECENTE INOVAÇÃO LEGISLATIVA INTRODUZIDA PELA LEI Nº 13.964/2019 (“LEI ANTICRIME”), QUE ALTEROU OS ARTS. 282, §§ 2º e 4º, E 311 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, SUPRIMINDO AO MAGISTRADO A POSSIBILIDADE DE ORDENAR, “SPONTE SUA”, A IMPOSIÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA – NÃO REALIZAÇÃO, NO CASO, DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) – INADMISSIBILIDADE DE PRESUMIR-SE IMPLÍCITA, NO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, A EXISTÊNCIA DE PEDIDO DE CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA – CONVERSÃO, DE OFÍCIO, MESMO ASSIM, DA PRISÃO EM FLAGRANTE DO ORA PACIENTE EM PRISÃO PREVENTIVA – IMPOSSIBILIDADE DE TAL ATO, QUER EM FACE DA ILEGALIDADE DESSA DECISÃO, QUER, AINDA, EM RAZÃO DE OFENSA A UM DIREITO BÁSICO, QUAL SEJA O DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA, QUE TRADUZ PRERROGATIVA INSUPRIMÍVEL ASSEGURADA A QUALQUER PESSOA PELO ORDENAMENTO DOMÉSTICO E POR CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. – A reforma introduzida pela Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”) modificou a disciplina referente às medidas de índole cautelar, notadamente aquelas de caráter pessoal, estabelecendo um modelo mais consentâneo com as novas exigências definidas pelo moderno processo penal de perfil democrático e assim preservando, em consequência, de modo mais expressivo, as características essenciais inerentes à estrutura acusatória do processo penal brasileiro. – A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio “requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público” (grifei), não mais sendo lícita, portanto, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação “ex officio” do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade. – A interpretação do art. 310, II, do CPP...

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