Acórdão nº 50736800720198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 16-03-2023

Data de Julgamento16 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50736800720198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002911726
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5073680-07.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

Adoto o relatório constante no parecer de lavra do em. Procurador de Justiça, Luciano Dipp Muratt (evento 7):

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por THIAGO N. M. contra a sentença que, nos autos do procedimento para apuração de ato infracional, julgou procedente a representação para considerar o representado responsável pela prática do ato infracional previsto no art. 217-A, caput, (duas vezes), do Código Penal, aplicando-lhe a medida socioeducativa de semiliberdade (evento 41, origem).

Em suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer a reforma da sentença no que tange à medida socioeducativa aplicada, por ser muito branda em relação à gravidade dos atos infracionais praticados. Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença recorrida para o fim de ser aplicada a medida de internação sem possibilidade de atividades externas. (evento 50, origem).

Por sua vez, o representado THIAGO argui preliminares de nulidade por inépcia da representação e pela ausência dos vídeos de registro da audiência de apresentação, cerceamento de defesa e ausência de devido processo legal, por não terem sido ouvidas as vítimas em juízo, e nulidade pela falta do exame do corpo de delito. No mérito, alega que o conjunto probatório demonstra-se insuficiente e insubsistente para ensejar um juízo de procedência da representação. Insurge-se contra a medida socioeducativa aplicada. Pugna pelo provimento do recurso, com a reforma da sentença para que seja julgada improcedente a representação. Subsidiariamente, postula a aplicação da medida de liberdade assistida (evento 54, origem).

As partes apresentaram contrarrazões (evento 59 e 61, origem).

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento de ambos os recursos, pelo desacolhimento das prefaciais e, no mérito, pelo não provimento da apelação da defesa e pelo provimento do apelo do Parquet (idem).

É o relatório.

VOTO

Em preliminar, a defesa alega, em síntese, nulidade do feito pela inépcia da representação e por cerceamento de defesa, em razão da ausência dos vídeos de registro da audiência de instrução, da ausência da oitiva das vítimas em juízo e da falta do exame do corpo de delito.

Nestes pontos, reporto-me aos fundamentos externados no parecer ministerial, os quais rechaçam as preliminares, esgotando-as (fls. 02/04, evento 7):

Suscita a defesa que a representação deve ser rejeitada, visto que inepta, pois não expôs os fatos com todas as suas circunstâncias, conforme prevê o art. 41 do CPP.

Não merece acolhimento a preliminar suscitada.

Isso porque a representação do Ministério Público não possui qualquer deficiência e narrou adequadamente os fatos, seguindo rigorosamente os ditames legais previstos no art. 182, §1º, do ECA, pois foi oferecida mediante petição escrita, contendo o breve resumo dos fatos, a classificação do ato infracional, com apresentação do rol de testemunhas.

A peça inicial acusatória foi oferecida formalmente, de acordo com as provas colhidas (em sede inquisitorial) obedecendo ao binômio materialidade e autoria, o que permitiu a plena ciência à Defesa, dos fatos que estavam sendo atribuídos ao adolescente.

Destaca-se, ainda, que o § 2.º do art. 182 do ECA preconiza que “A representação, pois estas serão independe de prova pré constituída da autoria e da materialidade” apuradas no decorrer do processo.

Postula, também, anulação do julgamento, alegando que a Defesa não teve acesso aos vídeos da audiência para a apresentação dos memoriais.

De forma alguma merece acolhimento tal preliminar, considerando que os vídeos da audiência do dia 04/07/2022 foram acostados aos autos desde na mesma data (evento 35, origem), tendo, inclusive, o Ministério Público acessado os vídeos para fazer seus memoriais.

Além disso, a Defesa participou da audiência e teve conhecimento dos depoimentos, bem como poderia ter solicitado auxílio ao cartório para que acessasse os vídeos.

Alega, ainda, cerceamento de Defesa, porquanto as vítimas não foram ouvidas em Juízo, a fim de confirmarem a veracidade dos fatos.

Não merece acolhimento a preliminar.

Com efeito, verifica-se que as vítimas foram dispensadas de suas oitivas em Juízo, por serem crianças e terem sido ouvidas em avaliação psíquica, que é o meio mais eficaz e mais adequado para a oitiva de crianças em tenra idade, visto que efetuadas por profissionais dotados de conhecimento técnico para indagá-las, como forma de proteção à sua integridade psíquica, vulnerabilidade e condições peculiares, evitando a sua revitimização, a qual poderá ocorrer ao responder a interrogatórios constrangedores.

E o fato das vítimas não terem sido ouvidas em Juízo não causou qualquer cerceamento à Defesa, que teve pleno conhecimento dos seus relatos quando da avaliação psíquica e pode elaborar sua Defesa.

Por fim, postula nulidade do feito pela falta de exame de corpo de delito que demonstrasse a materialidade do fato.

Não merece acolhimento a preliminar, considerando que os delitos de que o adolescente foi acusado ocorreram em várias oportunidades, em datas não precisas e as vítimas relataram os fatos muito tempo após de terem ocorrido.

Além disso, os abusos perpetrados (baixar as calças e mostrar os genitais, manipulação dos genitais das vítimas e do acusado e sexo oral) são do tipo que não deixa vestígios materiais passíveis de serem auferidos em exames de corpo de delito, não havendo qualquer nulidade, portanto, na não realização do referido exame.

Assim, pelo desacolhimento das prefaciais suscitadas.

Superadas as prefaciais, passo à análise do mérito.

Ao adolescente é imputada a prática do ato infracional equiparado ao crime de estupro de vulnerável (duas vezes), tipificado no art. 217-A, caput, do Código Penal.

Quanto ao 1º fato, narra a representação que, durante o mês de abril de 2018, em data e horário não precisados, o representado praticou ato libidinoso com Maria Eduarda, sua prima de 09 anos de idade à época.

Segundo consta, na ocasião, aproveitando-se da ausência de vigilância de adultos e visando satisfazer sua lascívia, o representado baixou as calças da vítima e introduziu uma das suas mãos sob suas vestes, passando a manipular a vagina e nádegas da ofendida, além de ter solicitado que ela colocasse a mão no seu pênis.

Quanto ao 2º fato, narra a exordial que, também durante o mês de abril de 2018 e em data e horário não precisados, o representado praticou ato libidinoso com Fernanda, sua prima de 07 anos de idade à época.

Conforme exposto na representação, também aproveitando-se da ausência de vigilância de adultos e visando satisfazer sua lascívia, o representado baixou sua calça e solicitou que a vítima olhasse para o seu pênis. Ainda, solicitou que a ofendida abrisse a boca, pedido que sugeriu a intenção de submeter a vítima a praticar sexo oral nele (fls. 01/02, evento 3, DENUNCIA2, do processo originário - processo digitalizado n.º 001/5.19.0006872-9).

A materialidade do ato infracional foi demonstrada pela ocorrência policial (fls. 14/16, idem); termo de informações do representado negando o ocorrido (fl. 24, idem); avaliação psíquica com a vítima Maria Eduarda (fls. 25/30, idem); e avaliação psíquica com a vítima Fernanda (fls. 31/35, idem).

A autoria, da mesma forma, restou comprovada pelo conjunto probatório, especialmente pela avaliação psíquica das vítimas e pela prova oral colhida. No ponto, transcrevo a parte da sentença em que faz referência a essas provas, a fim de evitar desnecessária tautologia (evento 41, idem):

O representado negou a autoria do ato infracional (evento 03, DEFESA PREVIA5), narrando que é primo das vítimas e só dormia na mesma residência que as crianças em reuniões de família, nunca tendo ficado sozinho com Maria Eduarda ou Fernanda. Acredita que as ofendidas e sua genitora possam ter narrado falsamente os abusos, porquanto o representado admitiu ter tido relação sexual com Gabrielly, irmã mais velha das vítimas. Afirmou não ter mantido contato com Maria Eduarda ou Fernanda após ser acusado de abusá-las sexualmente.

No entanto, o conjunto probatório autoriza concluir que o representado praticou os atos infracionais que lhe foram imputados.

De efeito, a testemunha Shyrlei M. T. (evento 35), genitora das vítimas, informou que tomou conhecimento dos abusos perpetrados contra suas filhas mais novas quando as meninas choraram e narraram diversos abusos praticados por Thiago, após receber intimação para prestar depoimento em processo que apurou a prática de atos infracionais pelo representado em face da filha mais velha Gabrielly. A vítima Maria Eduarda narrou para a testemunha que o representado a convidou para assistir televisão no quarto, oportunidade em que retirou as calças de ambos, colocou o pênis em sua boca e manipulou seu órgão genital. Segundo a vítima Maria Eduarda, Thiago afirmou que suas irmãs também haviam feito o mesmo e gostaram, de forma que a ofendida deveria aceitar. No mesmo sentido, a vítima Fernanda lhe relatou que o representado a chamou para o interior de um quarto e, no local, mandou que ela fechasse os olhos, estando sem as calças quando a ofendida tornou a abrir os olhos, desistindo de prosseguir nos abusos quando a menina chorou. Mencionou que o representado convivia com as vítimas, pois é sobrinho do genitor destas e passava os finais de semana na casa de seu tio, sendo considerado como um filho para a testemunha, na época em que era casada com seu tio. Acredita que os fatos tenham ocorrido entre os anos de 2015 e 2017, na residência do genitor das vítimas, localizada na Rua dos...

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