Acórdão nº 50738807720208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-04-2022

Data de Julgamento08 Abril 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50738807720208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001448607
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5073880-77.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: ADRIANA RAFFIN POHLMANN (AUTOR)

APELANTE: SILVIA STANISCUASKI GUTERRES (AUTOR)

APELANTE: CAPA INCOORADORA IMOBILIARIA NEW LIFE SPE LTDA (RÉU)

APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de dois recursos de apelação interpostos por CAPA INCOORADORA IMOBILIARIA NEW LIFE SPE LTDA e por ADRIANA RAFFIN POHLMANN e SILVIA STANISCUASKI GUTERRES em relação à sentença que julgou parcialmente procedentes a ação de obrigação de fazer nº º 5073880-77.2020.8.21.0001, também ajuizada em face de BANCO BRADESCO S.A.

A sentença, tem dispositivo assim redigido (evento 65 da origem):

ISSO POSTO, nos termos do art. 487, I do CPC, e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por SILVIA STANISCUASKI GUTERRESe ADRIANA RAFFIN POHLMANN contra CAPA INCOORADORA IMOBILIARIA NEW LIFE SPE LTDA. e BANCO BRADESCO S.A. para fins de:

a) determinar o cancelamento da hipoteca existente sobre a matrícula nº 186.408;

b) adjudicar em favor das requerentes o imóvel da matrícula número 186.408 do Registro de Imóveis da 3ª Zona.

Condeno as autoras ao pagamento de 10% das custas processuais atinentes a construtora requerida e os réus a diferença. O Bradesco sucumbe na integralidade das custas de sua responsabildiade. Ainda condeno as partes requeridas ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador das autoras, estes fixados em 10% sobre o valor da causa , considerando o teor do disposto no art. 85, § 2º do CPC. Condeno as autoras ao pagamentos dos honorários aos advogados da requerida Capa, no valos de R$ 500,00, considerando que a multa requerida pelas autoras foi pactuada em contrato celebrado exclusivamente pela construtora ( art. 85 % 8º do CPC). Inadmitida a compensação de honorários.

Houve a interposição de embargos de declaração pela parte autora (evento 73), os quais foram desacolhidos.

CAPA INCOORADORA IMOBILIARIA NEW LIFE SPE LTDA., em suas razões, requer a reforma da sentença unicamente quanto ao valor dos honorários advocatícios, mencionando que o quantum arbitrado deve ser minorado, devendo ser observada a complexidade da demanda e o tempo despendido, conforme preceitua o parágrafo segundo do artigo 85 do CPC.

Aduz que deve ser majorado o valor a ser pago pela parte autora/apelada.

Postula o provimento do apelo.

Houve preparo.

ADRIANA RAFFIN POHLMANN e SILVIA STANISCUASKI GUTERRES, alegam que deve ser invertida a cláusula penal prevista no contrato, quando a demandada deixou de cumprir o avençado.

Mencionam que a sentença afastou o pedido sob o fundamento de que somente seria aplicável em caso de atraso na entrega da obra, ao passo que a discussão travada é acerca do descumprimento ou quebra contratual.

Sustentam que embora não tenha ocorrido o atraso na entrega da obra, o objeto do contrato permaneceu com registro de gravame, o que impediu a transmissão do imóvel às compradores.

Postulam o provimento do recurso, com a condenação da CAPA ao pagamento da multa.

Houve preparo,

Intimadas, as partes apresentaram contrarrazões (eventos 80 e 95 da origem).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Os recursos preenchem os requisitos de admissibilidade.

FATO EM DISCUSSÃO.

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido indenizatório ajuizada por ADRIANA RAFFIN POHLMANN e SILVIA STANISÇUASKI GUTERRES, em face de CAPA INCOORADORA IMOBILIÁRIA NEW LIFE SPE LTDA e BANCO BRADESCO S,A, na qual as autoras pretendem a desconstituição da hipoteca junto à matricula do imóvel adquirido, face o pagamento integral do bem, além da aplicação da multa penal prevista na cláusula 8ª do Contrato de Compra e Venda, com a consequente adjudicação compulsória do imóvel e a transferência do bem.

A sentença foi de parcial procedência dos pedidos, determinando o cancelamento da hipoteca com a consequente adjudicação compulsória do imóvel, mas afastando a cláusula penal prevista contratualmente, por se tratar de penalidade aplicável em casos de atraso na entrega da obra.

Por conseguinte, condenou ambas as partes ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Da decisão, ambas partes apelam.

Passo ao enfrentamento das teses recursais.

APELO DA PARTE AUTORA.

CANCELAMENTO DA HIPOTECA. INVERSÃO DA CLÁUSULA PENAL.

Com efeito, as partes firmaram um Contrato de Compra e Venda de bem imóvel, em 13.10.2018, tendo por objeto a unidade 1602 da Torre A- Sun e espaço de estacionamento n. 13, pelo valor de R$ 256.500,00 (contrato de item 9 do evento 1 da origem).

Tal imóvel estava hipotecado, em primeiro grau, em favor do Banco Bradesco, como garantia do financiamento destinado à construção do empreendimento.

Constou na cláusula VII que o prazo para conclusão seria 30.11.2018, além de constar na cláusula 8ª, as penalidades incidentes em caso de não pagamento das parcelas:

O preço ajustado restou integralmente pago pelas autoras, fato incontroverso, ao passo que a Carta de Habitação foi expedida em 04.06.2018 (item 7 do evento 1 da origem).

O bem, portanto, foi entregue dentro da data programada.

Pois bem.

Afirmam as demandantes que se mostra cabível a inversão da cláusula penal prevista na cláusula 8ª, quando deixou a parte requerida de transferir o bem para o seu nome, dando baixa na hipoteca, em verdadeiro descumprimento contratual.

Consta no parágrafo único da cláusula primeira:

No caso, como asseverado, o Habite-se foi concedido em 04.06.2018, sendo que até a data do ajuizamento da ação, ainda não havido sido liberada a unidade compromissada.

Não obstante sequer se tratar de atraso na entrega da obra, a questão está superada pelo e. Superior Tribunal de Justiça, diante do julgamento do Recurso Especial n. 1.729.593/SP, no qual considerou que ocorrendo atraso na entrega da obra, tem o promissário-comprador direito ao recebimento da multa moratória. Logo, a orientação do Superior Tribunal de Justiça, ao caso em concreto, poderá ser observada por similitude.

O entendimento em questão foi expresso pelo seguinte enunciado (Tema 971): No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial”.

Logo, no caso dos autos, é evidente a mora da demandada Capa e configurada a sua responsabilidade, em razão da falha na prestação de serviços.

E, por força dessa impontualidade de cancelamento da hipoteca, que inviabilizou, por mais de 01 (um) ano, a transferência da propriedade dos bens regularmente quitados à parte autora deve ser assegurado o recebimento da multa de 2% (dois por cento) sobre o preço do imóvel adquirido, mediante a aplicação invertida da Cláusula Oitava do Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda, por similitude.

Isso porque aquela previsão, em prol apenas de uma das partes, constitui manifesta ofensa aos Princípios da Boa-fé, da Probidade e da Isonomia, que devem informar a celebração e a execução dos contratos, nos quais as obrigações são recíprocas.

Conforme a Doutrina de ARNALDO RIZZARDO:

"A segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da probidade e da boa-fé, isto é, da lealdade, da confiança recíproca, da justiça, da equivalência das prestações e contraprestações, da coerência e clarividência dos direitos e deveres. Impende que haja entre os contratantes um mínimo necessário de credibilidade, sem o qual os negócios não encontrariam ambiente propício para se efetivarem. O conjunto desses valores constitui um pressuposto gerado pela probidade e boa-fé, ou sinceridade das vontades ao firmarem os direitos e obrigações. Sem os princípios, fica viciado o consentimento das partes. Embora a contraposição de interesses, as condutas dos estipulantes subordinam-se a regras comuns e básicas da honestidade, reconhecidas tão-só em face da justeza e boa-fé que impregnam as mentes.

[...]

A probidade envolve justiça, o equilíbrio, a comutatividade das prestações, enquanto a boa-fé exige transparência e clareza das cláusulas."("Contratos". Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 32 e 33).

Esse entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo nº 971), com eficácia vinculante:

"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. ATRASO NA ENTREGA. NOVEL LEI N. 13.786/2018. CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. CONTRATO DE ADESÃO. OMISSÃO DE MULTA EM BENEFÍCIO DO ADERENTE. INADIMPLEMENTO DA INCOORADORA. ARBITRAMENTO JUDICIAL DA INDENIZAÇÃO, TOMANDO-SE COMO PARÂMETRO OBJETIVO A MULTA ESTIPULADA EM PROVEITO DE APENAS UMA DAS PARTES, PARA MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL.

1. A tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, é a seguinte: No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.

2. No caso concreto, recurso especial parcialmente provido."(STJ - REsp. nº 1.614.721/DF, Relator o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, julgado em 22/05/2019, DJe 25/06/2019 - Destaquei).

Nesta mesma linha, segue precedente deste...

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