Acórdão nº 50753565320208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 01-09-2022

Data de Julgamento01 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50753565320208210001
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002420928
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5075356-53.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Edson Santos Teixeira, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 14 caput da Lei 10.826/03, e 180 caput do Código Penal, pela prática de fatos delituosos assim narrados:

"1º FATO: PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO

No dia 14 de setembro de 2020, por volta das 17h40min, na Rua Paulino Azurenha, n° 73, Porto Alegre/RS, na via pública, o denunciado EDSON SANTOS TEIXEIRA portava, detinha e mantinha sob sua guarda uma pistola, marca Imbel, calibre 38, nº 43567, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme Auto de Apreensão de fls.

2º FATO: RECEPTAÇÃO

Em circunstâncias não esclarecidas nos autos, mas entre os dias 04 de dezembro de 2012 e 14 de setembro de 2020, o denunciado EDSON SANTOS TEIXEIRA adquiriu e recebeu, em proveito próprio ou alheio a pistola, marca Imbel, calibre 38, nº 43567, coisa que sabia ser produto de crime e que estava em ocorrência de roubo, conforme a comunicação de ocorrência de nº 12603/2012/10.03.14, arma de fogo pertencente à pessoa de Edson Rosin.

CIRCUNSTÂNCIAS COMUNS AOS FATOS

Na ocasião descrita no 1º fato, o denunciado EDSON SANTOS TEIXEIRA, foi abordado pelos policiais militares em patrulhamento de rotina na via pública, pois encontrava-se em atitude suspeita, próximo a um conhecido ponto de tráfico de entorpecentes da região.

Ocorreu que, durante revista pessoal, foi encontrada na cintura do denunciado uma pistola, marca Imbel, calibre 38, nº 43567, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Nesse ínterim, os policiais militares realizaram a análise da procedência lícita ou ilícita da arma de fogo, momento em que constataram que a pistola, de propriedade da pessoa de Edson Rosin, tratava-se de produto de roubo, conforme a comunicação de ocorrência de nº 12603/2012/10.03.14.

Diante disso, os policiais militares deram voz de prisão ao denunciado e o encaminharam à Delegacia para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante."

A denúncia foi recebida pelo Juízo singular em 17.02.2021 (evento 14, DESPADEC1).

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a pretensão acusatória, para condenar Edson Santos Teixeira, como incurso nas sanções do artigo 14 caput da Lei 10.826/03, c/c o artigo 65, inciso I, do CP, às penas de 02 anos de reclusão, no regime aberto, substituída, e de 10 dias-multa (evento 92, SENT1).

Nas suas razões, alega insuficiência probatória e atipicidade da conduta por ausência de lesividade ao bem jurídico protegido. Pugna por absolvição. Subsidiariamente, requer redução da prestação pecuniária aplicada em substituição à pena privativa de liberdade para um salário-mínimo, ou menos (evento 110, RAZAPELA1).

O recurso foi contrarrazoado (evento 113, CONTRAZ1).

Em parecer apresentado nesta instância, o Dr. Procurador de Justiça se manifesta pelo desprovimento do apelo (evento 19, PARECER1).

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. A pretensão defensiva de absolvição não merece acolhimento.

Com efeito, a prática do delito veio demonstrada pelo auto de prisão em flagrante das fls. 07/08, registro de ocorrência das fls. 14/15, auto de apreensão das fls. 17/18 (evento 1, P_FLAGRANTE1), laudo pericial (evento 86, LAUDO3), assim como pela prova oral colhida, cuja síntese adoto da sentença, in verbis:

"O policial militar ELVIS ADEMIR DOS SANTOS, lotado no 3ºBPAT, disse que estavam em patrulhamento ostensivo na Vila Maria da Conceição, na Zona Leste de Porto Alegre, no período da tarde, quando o acusado foi visto no “Beco da Bruxinha”, região bastante pobre e, há muito tempo, conhecida como local de tráfico de drogas. Ele estava sozinho no interior do beco, pela metade, caminhando em direção ao fundo. Como a região era conhecida pelo tráfico e por violência intensa, tanto que foram mortos dois policiais recentemente naquela área, resolveram fazer a abordagem. Na revista pessoal, localizaram uma pistola, calibre 380, marca IMBEL, com 9 munições. A numeração da arma estava intacta. Constataram que a arma foi roubada em 2012. O flagrado não era conhecido da guarnição, e não justificou a origem da arma, nem resistiu à prisão. O depoente foi transferido para a região da serra, em fevereiro de 2021, mas, logo após a apreensão da arma, fez nova prisão em flagrante do acusado, pelo crime de tráfico de drogas.

O policial militar THIAGO MARQUES SCALCAM, lotado no 19º BPM, narrou que estavam em patrulhamento no “Beco da Bruxinha”, a pé, enquanto a viatura estava na entrada do beco, pois o local não comporta trânsito de veículos. Viram uma pessoa em atitude “meio estranha”, porque demonstrou querer correr, mas não correu, ao perceber a presença da guarnição. Por esse motivo, abordaram o acusado, localizando uma pistola calibre 380, na cintura. Acredita que a revista foi realizada pelo outro colega. Não havia outras pessoas no local. O flagrado não disse de quem era a arma; ele não resistiu à prisão. O flagrado não era conhecido da guarnição. Foi a primeira vez que ele foi abordado naquele local. Não sabe se ele é morador do beco. Não recordou da presença de familiares no momento da prisão.

O interrogatório do acusado restou prejudicado ante a revelia.

Vistos os depoimentos, que dão conta de abordagem em um beco, durante o dia, por patrulha a pé, com diversos detalhes sobre o local da ocorrência, sem indício de que a abordagem tenha se dado dentro de domicílio, e sem, como já apontei, outra versão para os fatos, está suficientemente provada a autoria."

Na seara inquisitorial (evento 1, P_FLAGRANTE1), os policiais se manifestaram no mesmo sentido, o que reforça as declarações vertidas em juízo.

Analisado o conjunto probatório, entendo que a prova é suficiente para juízo de procedência.

Não é demais acrescer, com relação aos depoimentos prestados por policiais, meu entendimento de que devem ser analisados como o de qualquer outra pessoa, mas que, por uma questão lógica, geralmente preponderam sobre a declaração de quem é acusado do cometimento de um delito, que, na maior parte das vezes, tenta fugir à sua responsabilidade penal. Ora, pouco crível que, sendo o policial pessoa de reconhecida idoneidade e sem qualquer animosidade contra o réu, vá a Juízo mentir.

No caso, as declarações foram colhidas sob o crivo do contraditório, e merecem total crédito, eis que seguras e uniformes, em ambas as fases em que prestadas, bem como por inexistentes indícios de seu interesse em prejudicar, sem motivos, o acusado.

Cito, nesta linha:

PENAL. HABEAS COUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO. VIA INADEQUADA. ÉDITO CONDENATÓRIO FUNDAMENTADO EM DEPOIMENTO POLICIAL. PROVA IDÔNEA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. RÉU QUE SE DEDICA A ATIVIDADE CRIMINOSA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. AUSÊNCIA DO REQUISITO OBJETIVO. DETRAÇÃO DO ART. 387, § 2º, CPP. COMPETÊNCIA DO JUIZ SENTENCIANTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...) 3. Segundo entendimento reiterado desta Corte, as declarações dos policiais militares responsáveis pela efetivação da prisão em flagrante constituem meio válido de prova para condenação, sobretudo quando colhidas no âmbito do devido processo legal e sob o crivo do contraditório. (...) (HC 395.325/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 25/05/2017) (g.n.)

APELAÇÃO-CRIME. RECEPTAÇÃO DOLOSA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 180, CAPUT, DO CP. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ART. 16, CAPUT, DA LEI Nº 10.826/03. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PALAVRA DOS POLICIAIS. VALIDADE COMO MEIO DE PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA. NÃO RECONHECIDO. RAZOABILIDADE. I A negativa do réu L.S.B. não é minimamente verossímil. Os depoimentos dos policiais militares, uníssonos e convergentes entre si, colhidos sob o crivo do contraditório e do devido processo legal, são válidos como meio de prova, não enfrentando dúvida razoável quanto ao fato de que a chave do veículo clonado foi apreendida no bolso do referido acusado. II A materialidade e a autoria estão demonstradas em relação ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito imputado ao réu A.S.B.J. Os policiais que efetuaram o flagrante ratificaram em juízo que localizaram com ele a arma, fato que confessou em juízo. III Penas fixadas em consonância com a condição pessoal dos réus e com os contornos fáticos dos delitos, não ensejando alteração. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70077606119, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 14/06/2018)

3. Alega a defesa, ainda, que atípico o agir, face à ausência de lesividade/ofensividade na conduta do acusado.

Sem razão, todavia.

Destaco que o delito em análise se trata de crime de perigo abstrato, cuja norma objetiva prevenir a ocorrência de outros ilícitos.

O tipo penal em tela não exige que o agente pretenda praticar algum crime com a arma, bastando que incorra numa das condutas tipificadas no dispositivo denunciado.

Por isso,...

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