Acórdão nº 50776796020228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 14-12-2022
| Data de Julgamento | 14 Dezembro 2022 |
| Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
| Classe processual | Apelação |
| Número do processo | 50776796020228210001 |
| Tipo de documento | Acórdão |
| Órgão | Vigésima Quarta Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002861910
24ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5077679-60.2022.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado
RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR
APELANTE: MARCIA HELENA MELLO FIGUEIRA (AUTOR)
APELADO: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)
RELATÓRIO
Nos autos da ação revisional ajuizada por MARCIA HELENA MELLO FIGUEIRA em desfavor de FACTA FINANCEIRA S.A. – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO apelou a parte autora em face da sentença que assim dispôs (Evento 21):
"Pelo exposto, defiro os pedido liminar, nos termos supra, e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 5843457 à taxa média de mercado à época da contratação (1,33% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.
Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador do requerente.
Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se".
Em suas razões recursais (Evento 25), a parte autora ressalta que a sentença é extra petita, na medida em que autoriza a compensação de valores, quando foi postulada apenas a repetição do indébito na peça portal. Insurge-se em relação à compensação de valores e sustenta que não se mostra viável a compensação de dívidas vincendas. Assevera que a repetição de valores deve ocorrer com a correção monetária desde a data de cada reembolso, observada a variação do IGP-M, com acréscimo de juros de mora de 1% ao mês, também a contar da data de cada reembolso, e não a contar da citação como constou na decisão recorrida. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso.
Foram apresentadas contrarrazões (Evento 29).
É o relatório.
VOTO
A apelação do Evento 25 é tempestiva, pois o prazo recursal iniciou para a parte autora em 31/08/2022 e findou em 22/09/2022 (Evento 23) e o recurso foi interposto em 30/08/2022. Além disso, a parte autora resta dispensada do recolhimento do preparo, porquanto litiga sob o pálio da gratuidade judiciária (Evento 6).
Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação, a qual passo a examinar.
Inicialmente, saliento que é objeto da revisão a Cédula de Crédito Bancário nº 5843457, firmada em 17/07/2020, no valor de R$ 7.506,15, com juros remuneratórios de 3,53% ao mês e 51,63% ao ano (Evento 13 – CONTR5).
1. COMPENSAÇÃO DE VALORES.
A parte autora, nas suas razões recursais, sustenta que a sentença foi extra petita com relação à compensação de valores, uma vez que este pedido não foi formulado na inicial. Ademais, ressalta a impossibilidade de compensação de valores em relação a dívidas vincendas.
Merece prosperar parcialmente o seu recurso, no ponto.
Com efeito, se houve pagamento a maior, considerando a solução tomada no processo judicial, são devidas a compensação e a repetição do indevido, em consonância com os artigos 368 e 876 do CC, in verbis:
Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Acerca da compensação de valores, leciona Flávio Tartuce1:
“Ocorre a compensação quando duas ou mais pessoas forem ao mesmo tempo credoras e devedoras umas das outras, extinguindo-se as obrigações até o ponto em que se encontrarem, onde se equivalerem (art. 368 do CC). [...] Deve-se entender que a compensação constitui um aspecto material do princípio da economia, fundado na ordem pública.
[...] Compensação legal - é aquela que decorre da lei e independe de convenção entre os sujeitos da relação obrigacional, operando-se mesmo que uma delas não queira a extinção das dívidas, pois envolve a ordem pública."
Nesse sentido, cito precedentes desta Câmara, inclusive de minha relatoria:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. OBJETO. CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL CONSIGNADO SERVIDOR PÚBLICO Nº 3801163656, NO VALOR DE R$ 2.252,00, DATADO DE 19/01/2012. APELO DA PARTE RÉ
ENCARGOS DA NORMALIDADE .
JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EXTRAÍDAS DOS JULGAMENTOS DOS RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA N. 1.061.530/RS E N. 1.112.879/PR. AFINADO A ISSO, O ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA É DE QUE A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS DEVE SER LIMITADA SOMENTE QUANDO FOR SUPERIOR À TAXA MÉDIA DE MERCADO REGISTRADA PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN, À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO E EM CONFORMIDADE COM A RESPECTIVA OPERAÇÃO, SOMADA DO PERCENTUAL DE 30% (TRINTA POR CENTO), TIDO COMO A MARGEM TOLERÁVEL.
NO CASO, CONSIDERANDO QUE AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONSTANTES NO CONTRATO REVISANDO FORAM PACTUADAS ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN (TAXA MÉDIA DE JUROS - PESSOAS FÍSICAS - CRÉDITO PESSOAL CONSIGNADO PARA TRABALHADORES DO SETOR PÚBLICO - CÓDIGOS 25467 E 20745), JÁ ACRESCIDAS DO PERCENTUAL DE 30%, TEM-SE COMO CARACTERIZADA A ALEGADA ABUSIVIDADE, DEVENDO SER LIMITADO TAL ENCARGO CONFORME DETERMINADO NA SENTENÇA ORA IMPUGNADA.
NO PONTO, RECURSO DESPROVIDO.
REDIMENSIONAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS
NO CASO, DESCABE A MODIFICAÇÃO PRETENDIDA PELA PARTE RÉ NO TOCANTE AO REDIMENSIONAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS PARA EFEITO DE CONDENAR A PARTE AUTORA AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, TENDO EM VISTA QUE A AÇÃO REVISIONAL FOI JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE.
ASSIM DESCABE A PRETENSÃO RECURSAL NO TOCANTE.
NO PONTO, RECURSO DESPROVIDO.
PONTOS COMUNS
REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO DE VALORES.
CABIMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO DE VALORES QUANDO PROCEDIDAS MODIFICAÇÕES NO CONTRATO, CASO COMPROVADO O PAGAMENTO A MAIOR.
EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS QUE VEDAM O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E A RESTITUIÇÃO INTEGRAL, CABÍVEL A COMPENSAÇÃO A SER EFETIVADA ENTRE AS PARCELAS PRESTADAS INEFICAZMENTE PELO CONSUMIDOR E O EVENTUAL DÉBITO PENDENTE EM RAZÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CELEBRADOS COM O FORNECEDOR, INDEPENDENTEMENTE DE PEDIDO FORMULADO NA INICIAL, POR DECORRER DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA, NÃO SE TRATANDO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA COMO ALEGA A PARTE AUTORA.
ASSINALE-SE, AINDA, QUE ESTÃO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO INSTITUTO, POIS OS OBJETOS DAS PRESTAÇÕES RECÍPROCAS TÊM IGUAL NATUREZA, DECORRENDO A COMPENSAÇÃO DE CAUSA LEGAL, EVITANDO-SE O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO FORNECEDOR QUE RECEBEU INDEVIDAMENTE QUANTIAS DECORRENTES DE CLÁUSULAS INVÁLIDAS.
A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NO ENTANTO, É CABÍVEL NA FORMA SIMPLES, UMA VEZ QUE NÃO RESTOU COMPROVADA A ALEGADA MÁ-FÉ DO CREDOR, PORQUANTO NÃO HÁ FALAR EM COBRANÇA INDEVIDA, CONSIDERANDO QUE ATÉ SER PROCEDIDA A REVISÃO OS ENCARGOS PERMANECIAM HÍGIDOS.
NO CASO, DIANTE DA MODIFICAÇÃO CONTRATUAL, MOSTRA-SE CABÍVEL A COMPENSAÇÃO DE VALORES E A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NA FORMA SIMPLES, DESDE COMPROVADO PAGAMENTO A MAIOR.
NO PONTO, RECURSOS DESPROVIDOS.
APELOS DESPROVIDOS. UNÂMIME. (Agravo de Instrumento Nº 5028519-37.2020.8.21.0001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 24/02/2021) (grifado).
APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
COMPENSAÇÃO DE VALORES. CABÍVEL A COMPENSAÇÃO DE VALORES QUANDO PROCEDIDAS MODIFICAÇÕES NO CONTRATO, E SENDO ADMITIDA A REPETIÇÃO DO INDÉBITO FORMULADA NA INICIAL, NOS TERMOS DO ART. 368 DO CÓDIGO CIVIL, NÃO HAVENDO FALAR EM SENTENÇA EXTRA PETITA. DESPROVIDO.
APELAÇÃO DA PARTE RÉ.
REVISÃO JUDICIAL DO CONTRATO. AMPARADA EM PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E NAS REGRAS DE DIREITO COMUM, A REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS BANCÁRIOS É JURIDICAMENTE POSSÍVEL. OUTROSSIM, O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR CONSAGROU O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS (ART. 6º, V, DO CDC), RELATIVIZANDO O RIGOR DO PACTA SUNT SERVANDA E PERMITINDO AO CONSUMIDOR A MODIFICAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE ESTABELEÇAM PRESTAÇÕES DESPROPORCIONAIS OU A SUA REVISÃO EM RAZÃO DE FATOS SUPERVENIENTES QUE AS TORNEM EXCESSIVAMENTE ONEROSAS. NO PONTO, APELO DESPROVIDO.
JUROS REMUNERATÓRIOS. POSSIBILIDADE DA LIMITAÇÃO DA COBRANÇA DE JUROS REMUNERATÓRIOS, QUANDO COMPROVADA A ABUSIVIDADE, COMO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DO MERCADO PREVISTA PARA AS OPERAÇÕES DA ESPÉCIE, DETERMINADA NA SENTENÇA, MANTIDA. NO PONTO, APELO DESPROVIDO.
MORA. DIANTE DO RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE DOS ENCARGOS EXIGIDOS, NO PERÍODO DA NORMALIDADE. RESTA DESCARACTERIZADA A MORA, ATÉ O RECÁLCULO DO DÉBITO. NO PONTO, APELO DESPROVIDO.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO. EM RESPEITO AO PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, CABE A A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, DE FORMA SIMPLES. NO PONTO, APELO DESPROVIDO.
PREQUESTIONAMENTO. EM QUE PESE A EXIGÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO RECURSAL ÀS CORTES SUPERIORES, O ÓRGÃO JULGADOR NÃO É OBRIGADO A APONTAR EXPRESSAMENTE EVENTUAL VIOLAÇÃO QUANTO AOS DISPOSITIVOS LEGAIS INDICADOS PELAS PARTES.
APELAÇÕES DESPROVIDAS, POR UNANIMIDADE.
(Agravo de Instrumento Nº...
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