Acórdão nº 50777012620198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50777012620198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002222602
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5077701-26.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Decorrente de violência doméstica (art. 129, §§ 9º e 11)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra AMARILDO RIBEIRO DOS SANTOS, com 52 anos na época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do Código Penal, com incidência da Lei n.º 11.340/06, pela prática do seguinte fato delituoso (evento 2, PROCJUDIC1 fls. 02/04):

No dia 06 de maio de 2018, por volta das 14h30min, na Av. Sertório, Navegantes-Sarandi, em Porto Alegre/RS, o denunciado AMARILDO RIBEIRO DOS SANTOS ofendeu a integridade física da vítima GREYCE KEREN RODRIGUES AMARO, sua companheira, dando causa a lesão corporal de natureza leve, descrita no laudo pericial da fl. 10, no seguintes termos: “Lesão de continuidade superficial linear na região inferior do mento com três centímetros, hematoma em região frontal esquerda e dorso da mão esquerda. Equimose circular na perna direita, face anterior com dois centímetros”.

Na ocasião, o denunciado, por não aceitar a separação, agrediu a vítima com socos no rosto e nuca. Ato contínuo, jogou-a em cima da cama e tentou estrangula-la, atingindo seu queixo, dando causa à lesão acima descrita.

O denunciado cometeu o delito prevalecendo-se das relações domésticas e familiares que possuía com a vítima, infringindo, assim, as prescrições da Lei nº 11.340/06.”

A denúncia foi recebida em 05.06.2019 ( (evento 2, PROCJUDIC1 fl. 47).

O acusado foi pessoalmente citado, e apresentou resposta à acusação através de defensor constituído (evento 2, PROCJUDIC1 fls. 59-76).

Durante a instrução processual, foi ouvida a vítima e a defesa desistiu das testemunhas que arrolou, e ao final, o réu foi interrogadao (evento 20, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memorias, que foram apresentados pelo Ministério Público (evento 26, MEMORIAIS1) e pela defesa (evento 29, MEMORIAIS1).

Sobreveio a sentença, de lavra da Dra. Andrea Rezende Russo, Juíza de Direito, de procedência da denúncia para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 129, §9°, com a incidência da disposições da Lei nº. 11.340/06, à pena de 03 (três) meses de detenção, em regime inicial aberto, concedendo-lhe o benefício da suspensão condicional da pena, bem como condenando-o ao pagamento de indenização à vítima, no valor de R$ 3.000,00 ( evento 31, SENT1).

A sentença foi publicada em 14.09.2021 (evento 31, SENT1).

A defesa apelou tempestivamente (evento 43, APELAÇÃO1). Em suas razões, requereu preliminarmente, a desclassificação do delito e o afastamento da incidência da Lei nº. 11.340/06. No mérito, sustentou a insuficiência probatória para fundamentar a condenação do réu. Defendeu que a vítima tem perturbação mental e as lesões descritas no Laudo Pericial são condizentes com autolesão. Por fim, requestou o afastamenta da indenização por danos morais. (evento 14, OUT1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 17, CONTRAZAP1 fls. 07/13).

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Heriberto Roos Maciel, opinou pelo desprovimento do apelo (evento 20, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas:

Conheço do recurso uma vez que adequado e tempestivo.

O acusado AMARILDO RIBEIRO DOS SANTOS, através de defensor constituído, interpõe recurso de apelação, em face da sentença que o condenou como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do Código Penal.

Preliminar de desclassificação do delito para o artigo 129, caput, do CP, e da não incidência da Lei Maria da Penha.

A defesa postula a desclassificação do delito para o artigo 129, caput, do CP, e a não incidência da Lei Maria da Penha, sustentando que o relacionamento entre o réu e a vítima era extraconjugal. Todavia, adianto que não merece prosperar a tese.

Isso porque o fato de se tratar de uma relação extraconjugal não afasta convivência íntima, o que é suficiente para a incidência do §9º, do artigo 129, do CP.

Outrossim, considerando que restou incontroverso nos autos que a vítima mantinha uma relação extraconjugal com o acusado, indiscutível a existência de relação íntima de afeto. De igual maneira, entendo que se encontra presente o requisito de vulnerabilidade da vítima em relação ao réu, uma vez que o objeto de tutela da Lei Maria da Penha é a mulher em situação de vulnerabilidade. Também verifico a existência de violência de gênero, pois foi praticada contra mulher.

Assim, restam afastadas as preliminares.

No mérito, tese defensiva absolutória não merece acolhida, uma vez que a prática do crime descrito na denúncia restou sobejamente demonstrada nos autos.

A materialidade dos delitos e a autoria restaram evidenciadas pelo registro do boletim de ocorrência (fls. 09/11), pelo termo de declarações (fl. 13), pelo Auto de Exame de Corpo e Delito (fl. 23 evento 2, PROCJUDIC1), bem como pela prova oral carreada aos autos.

Ademais, a vítima Greyce tanto perante à autoridade policial, quanto em juízo, relatou que o acusado e ela possuíam um relacionamento extraconjugal. Narrou que no dia dos fatos ela e Amarildo foram a um motel, sendo que no local tiveram um desentendimento, o que fez com que Greyce dissesse que queria acabar o relacionamento entre eles. Contou que o réu fechou a porta do quarto, não lhe deixando sair, quando lhe desferiu socos, tendo também jogou-a na cama, segurando-a para que ela não saísse. Disse que permaneceram no local em torno de 3h30min. Afirmou que ocorreram agressões físicas, que resultaram em lesões corporais.

O acusado, por sua vez, nega os fatos. Confirmou que no dia dos fatos ele e Greyce foram ao motel juntos. Disse que eu não lembro de ter agredido alguém porque eu não tinha muita força assim pra agredir uma pessoa. Contou que estavam conversando quando Greyce se irritou, e ele pegou a chave para que ela não fosse embora e pudessem conversar. Disse que “se eu fiz alguma coisa que possa ter causado alguma lesão, alguma coisa, eu não lembro. Se realmente eu fiz, ou eu peço perdão a ela, ou alguma coisa desse tipo". Afirmou não saber a razão de a vítima ter mentido sobre as agressões, mas que atualmente estão morando juntos e vão se casar. Disse, ainda, que a vítima pode ter se auto lesionado, e que credita que ela tenha uma perturbação mental.

Destarte, os elementos probatórios contidos nos autos denotam, sem qualquer dúvida, que o acusado agrediu Greyce, causando-lhe as lesões corporais (artigo 129, § 9º, do CP) descritas no prontuário médico (fl. 23 evento 2, PROCJUDIC1):Lesão de continuidade superficial linear na região inferior do mento com três centímetros, hematoma em região frontal esquerda e dorso da mão esquerda. Equimose circular na perna direita, face anterior com dois centímetros”.

No mais, a alegação de autolesão também não convence. Primeiro porque não se identifica nos autos qualquer razão que pudesse ensejar a vítima a se autolesionar simplesmente para imputar ao réu a prática delitiva. Segundo porque quando ouvida em juízo a vítima confirmou todos os fatos apurados na fase inquisitorial, informando que atualmente o réu e ela estão juntos. Ou seja, mesmo tendo reatado o relacionamento amoroso com o acusado, a vítima não mudou a versão apresentada inicialmente.

Não obstante, nos termos do artigo 156 do CPP, a prova da alegação incumbe a quem a fizer. Assim, cabia à defesa fazer a prova do alegado, ônus do qual não se desincumbiu.

Nessa toada, não merece acolhida a tese defensiva de carência probatória, porque a palavra da vítima, no caso, é precisa, segura e coerente, e está em consonância com a prova documental existente nos autos.

Portanto, reitero, sem razão o pelito de afastamento da incidência da Lei 11.340/06. De acordo com os elementos já analisados, verifico que a situação em liça é exatamente a problemática que trouxe a extrema necessidade de uma lei especializada à proteção da mulher no âmbito doméstico.

Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o sistema inerente à Lei Maria da Penha impõe do intérprete e aplicador do Direito um olhar diferenciado para a problemática da violência doméstica, com a perspectiva de que todo o complexo normativo ali positivado tem como mira a proteção da mulher vítima de violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto, como corolário do mandamento inscrito no artigo 226, § 8º, da Constituição da República ((RHC 74.395/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 21/02/2020).

Portanto, as lesões corporais contra a enteada, denotam justamente a problemática da violência doméstica, e ao Juiz cabe ter em mira a proteção da mulher sob o sistema inerente à Lei Maria de Penha, como corolário do mandamento constitucional previsto no art. 226, § 8º, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Com efeito, se a família deve ter especial proteção do Estado, inclusive mediante mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares1, o Julgador pode e deve utilizar esses mecanismos para proteger a mulher vítima da violência doméstica.

GUILHERME DE SOUZA NUCCI, in Código Penal Comentado, 20ª edição, 2020, págs. 656-657, ao tratar do artigo 129, § 9º, do CP, alude:

“A mulher agredida deve ser protegida e não mais lhe cabe decidir se processa ou não o agente da lesão corporal; o interesse é...

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