Acórdão nº 50792761920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo50792761920228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002129341
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5079276-19.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução interposto por MARCO AURELIO ONANTSCHENKO contra decisão da Juíza de Direito do 2º Juizado da VEC Regional de Novo Hamburgo, que indeferiu o pedido de retificação do Relatório da Situação Processual Executória (RESPE) do apenado, quanto à fração para prorrogação de regime tocante ao delito de tráfico de droga.

Foram apresentadas contrarrazões. Em juízo de retratação, a decisão foi mantida.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O apenado Marco Aurélio Onantschenko, PEC nº 6169909-70.2010.8.21.0019, cumpre pena privativa de liberdade fixada em 36 anos, 02 meses e 07 dias de reclusão pela prática dos crimes de furto (duas vezes), roubo majorado (duas vezes), homicídio qualificado e tráfico de drogas (duas vezes).

A defesa, na origem, em razão da nova redação do art. 112 da LEP, aduziu que ante a ausência de previsão legal expressa acerca do conteúdo dos crimes equiparados a hediondo, bem como diante da impossibilidade de criação de figura mais gravosa por interpretação extensiva ou analogia (princípio/regra da reserva legal penal), o tráfico ilícito de entorpecentes deve ser considerado, para efeitos de progressão de regime, como crime comum.

A Magistrada a quo, em 22 de fevereiro de 2022, indeferiu o pedido, salientando ser inviável o acolhimento da pretensão da defesa de ver reconhecido o percentual de 20% para a progressão de regime, pois implicaria o afastamento da hediondez do delito de tráfico de drogas, equiparado ao hediondo, reconhecido pela Lei n° 8.072/90 e cuja maior reprovabilidade decorre da norma constitucional (artigo 5°, inciso XLIII, da CF).

Pese a substancial fundamentação da defesa, o agravo deve ser desprovido, como resultado da melhor interpretação sistemática para o problema posto.

Em consulta à certidão de antecedentes criminais, o agravante ostenta condenação por tráfico de entorpecentes.

Já firmei posição, diante da premissa de que o tráfico é crime equiparado a hediondo, em relação à progressão. Tratando-se, substancialmente do mesmo fundamento transcrevo a argumentação:

A Constituição Federal elencou o tráfico de drogas como inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, ao lado dos crimes de tortura, do terrorismo e dos "definidos como crimes hediondos". O mandado de criminalização específico indica o tratamento mais gravoso conferido a tais delitos pelo constituinte originário. Em certa medida, pode-se afirmar que, num primeiro plano, a Constituição demarcou os três delitos que "merecem" maior repressão [tortura, tráfico e terrorismo], de modo que, a rigor, estão fora da esfera primordial de disponibilidade do legislador infraconstitucional, diferente dos "hediondos", cujo rol, esse sim, pode ser ampliado ou restringido de acordo com a política criminal escolhida. Em outras palavras, a equiparação, no fundo, é dos crimes hediondos, de livre escolha legislativa, à tortura, ao tráfico e ao terrorismo, já selecionados singularmente pelo constituinte, como está literalmente escrito no inciso XLIII do artigo da Constituição. Trata-se de mera constatação. Pessoalmente, tenho sérias reservas, empíricas e axiológicas, ao que se convencionou chamar de "war on drugs", acesso em 10/3/2022."." data-tipo_marcacao="rodape" title as políticas puramente repressivas de combate ao tráfico e consumo se mostraram caríssimas ineficazes. o mais apropriado é tratar tema pela ótica da saúde pública, a legalização gradual deve ser debatida com coragem. produção venda dessas substâncias, taxadas controladas, poderiam gerar recursos para prevenção tratamento. ponto partida seria maconha, limitações campanhas educativas análogas às álcool tabaco. convém acompanhar atenção experiências do vizinho uruguai outros países. no plano doméstico, proposta passar por plebiscito ou referendo." - , acesso em 10/3/2022.".">1 - e que talvez estivesse no auge quando dos trabalhos constituintes. E não desconheço que expressivo contingente da população carcerária brasileira, especialmente a feminina, venha do endurecimento adotado pela Lei nº 11.343/2006. Mas não há como, em termos lógico-normativos, negar que o texto é claro e implica tratamento mais gravoso a tais crimes do que aos crimes ditos comuns. Por outro lado, se vingasse a tese defensiva, seria forçoso concluir que as frações para progressão em casos de tortura e terrorismo, em situações notoriamente graves e desvaliosas, também estariam no espectro de 25% a 30% da pena (na metade inferior do espectro previsto no artigo 112 da Lei de Execuções Penais), a delibar-se a proteção insuficiente de bens jurídicos tão fundamentais.

Neste sentido, precedente desta Câmara Criminal:

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. CRIMES DE ENTOECENTES. TRÁFICO DE DROGAS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO. REQUISITO OBJETIVO PARA A PROGRESSÃO DE REGIME EM RELAÇÃO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. DECISÃO QUE AFASTOU A EQUIPARAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS A CRIME HEDIONDO E DETERMINOU A EXIGÊNCIA DE TEMPO DE CUMPRIMENTO DE PENA RELATIVO AOS CRIMES COMUNS PARA FINS DE PROGRESSÃO DE REGIME (REQUISITO OBJETIVO). CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS QUE CONTINUA SENDO EQUIPARADO A HEDIONDO. DECISÃO REFORMADA. A alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.964/2019 não afastou a equiparação do crime de tráfico de drogas a crime hediondo, tendo em vista que, na hipótese, é a Constituição Federal que faz referência ao tráfico de drogas como crime equiparado a hediondo. O inciso XLIII do artigo da Constituição Federal coloca no mesmo patamar de gravidade os crimes ali definidos, quais sejam a tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Jurisprudência desta Câmara Criminal. No caso, o apenado foi condenado por crime equiparado a hediondo (tráfico de drogas) e é reincidente em crimes comuns, de molde que, com base na redação vigente do Art. 112 da Lei de Execução Penal, é aplicável o prazo de 40% (quarenta por cento) em relação ao crime hediondo ou equiparado ao apenado (reincidente não específico) para fins de concessão da progressão de regime. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL PROVIDO. (Agravo de Execução Penal, Nº 50661474420228217000, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em: 28-04-2022).

E o STJ tem ecoado a mesma conclusão2:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS COUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. CÁLCULO DE PENA PARA PROGRESSÃO DE REGIME. REVOGAÇÃO DO § 2º DO ART. 2º DA LEI 8.072/90 (LEI DOS CRIMES HEDIONDOS) PELA LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME) QUE NÃO AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006) COMO DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. CLASSIFICAÇÃO QUE DECORRE DO ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018) 2. A revogação do § 2º do art. 2º da Lei 8.072/90 pela %20AND%20('13964%2F2019'%20OR%20'13964')+fecha2:2019-01-01..2019-12-31+content_type:6+vid:862261054 OR 830536557/*' data-vids='862261054 830536557'>Lei 13.964/2019 não tem o condão de retirar do tráfico de drogas sua caracterização como delito equiparado a hediondo, pois a classificação da narcotraficância como infração penal equiparada a hedionda decorre da previsão constitucional estabelecida no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal.
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 118.533/MS, concluiu que "o tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos" (HC 118.533/MS, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, TRIBUNAL PLENO, DJe 16/09/2016).
4. O fato de a Lei 13.964/2019 ter consignado, expressamente, no § 5º do art. 112 da Lei de Execução Penal, que não se considera hediondo ou equiparado o tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 somente consagra o tratamento diferenciado que já vinha sendo atribuído pela jurisprudência ao denominado tráfico privilegiado. Isso, no entanto, não autoriza deduzir que a mesma descaracterização como delito equiparado a hediondo tenha sido estendida ao crime do art. 33, caput e § 1º, da Lei de Drogas.
5. Esta Corte já teve a oportunidade, em diversas ocasiões, de referendar a natureza de delito equiparado a hediondo do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, mesmo após a entrada em vigor da %20AND%20('13964%2F2019'%20OR%20'13964')+fecha2:2019-01-01..2019-12-31+content_type:6+vid:862261054 OR 830536557/*' data-vids='862261054 830536557'>Lei 13.964/2019 (Pacote anticrime), ressaltando-se, inclusive que, no julgamento do Recurso Especial n. 1.918.338/MT (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/05/2021, DJe 31/05/2021) pela...

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