Acórdão nº 50803517520218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50803517520218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002022488
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5080351-75.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: BANCO BMG (RÉU)

APELADO: NELSON AUGUSTO DE OLIVEIRA LEMOS (AUTOR)

RELATÓRIO

BANCO BMG interpõe recurso de apelação contra sentença que julgou procedentes os pedidos deduzidos nos autos da Ação Ordinária ajuizada por NELSON AUGUSTO DE OLIVEIRA LEMOS.

Adoto o relatório da sentença ( evento 29), que transcrevo:

Vistos.

NELSON AUGUSTO DE OLIVEIRA LEMOS ajuizou AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C INDENIZATÓRIA em face de BANCO BMG, alegando não ter celebrado nenhum negócio jurídico com o réu, porém ele consigna em seu benefício previdenciário parcelas mensais de R$ 58,12, referente ao contrato de cartão de crédito consignado nº 14357318, desde setembro de 2018. Em razão disso, sustentou fazer jus ao cancelamento dos descontos e à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, bem como à reparação extrapatrimonial. Defendeu a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Requereu, em antecipação de tutela, a suspensão dos descontos no benefício previdenciário. Pediu a procedência da ação para determinar o cancelamento dos descontos e condenar o réu à restituição em dobro das parcelas pagas, bem como ao pagamento mínimo de R$ 5.000,00 por danos morais. Postulou o benefício da gratuidade de justiça. Juntou procuração e documentos (evento 1).

Declinada a competência para este Juízo (evento 3).

Deferido o benefício da gratuidade de justiça e postergada a análise do pleito antecipatório (evento 7).

Citado, o réu contestou (evento 11). Em preliminar, impugnou o valor da causa, arguiu inépcia da inicial, falta de interesse de agir e decadência. No mérito, alegou que o demandante celebrou o contrato de cartão de crédito consignado e recebeu o valor mutuado. Sustentou que, sendo regular a contratação, os descontos realizados são legítimos, não restando configurada a prática de ato ilícito e, consequentemente, o dever de reparação. Afirmou restar caracterizada a litigância de má-fé, requerendo aplicação das sanções respectivas ao autor. Pugnou pela improcedência da demanda. Acostou procuração e documentos.

O autor replicou no evento 19.

Ausente interesse na dilação probatória, vieram os autos conclusos para sentença.

É O RELATO.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

Ante o exposto, julgo procedente a AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA promovida por NELSON AUGUSTO DE OLIVEIRA LEMOS em face de BANCO BMG, para:

a) declarar a inexistência do débito, referente ao contrato nº 14357318;

b) determinar a suspensão dos descontos mensais no benefício previdenciário, no valor de R$ 58,12;

c) admitir a repetição em dobro do indébito, devendo os valores serem corrigidos e atualizados nos termos da fundamentação;

d) condenar o réu ao pagamento de R$ 8.000,00 por danos morais, devendo o valor ser corrigido e atualizado nos termos da fundamentação.

Em face da sucumbência, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, em atenção ao trabalho exigido no feito, forte no art. 85, §2º, CPC.

A parte ré apresentou recurso no evento 36. Em suas razões menciona da inépcia da inicial, pois a parte pretende a revisão contratual e não delimita as obrigações que pretende controverter, bem como o valor incontroverso do débito. No mérito, ressalta que não há qualquer ilegalidade na contratação, pois foi realizada mediante voluntariedade da autora, que recebeu as informações cabíveis. Diz que a parte autora é pessoa absolutamente capaz, gerindo os autos de sua vida de forma autônoma, não se cogitando, sequer, em erro na contratação. Salienta que não há dúvidas de que a recorrida subscreveu expressamente um "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO", sabendo tratar-se de um Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC), onde consta sua assinatura, bem como solicitou a disponibilização dos valores por meio de transferência bancária em conta corrente de sua titularidade. Argumenta que os valores contratados foram disponibilizados na conta bancária da parte autora/apelada por meio de Transferência Eletrônica Disponível, o que indica que o crédito foi utilizado. Registra que havendo prova do saque decorrente de operação creditícia em cartão de crédito, não há que se falar em vício de consentimento na contratação do cartão de crédito com margem consignável em benefício previdenciário. Refere que a autora não comprova suas alegações e que não há ofensa aos direitos da personalidade. Requer o provimento do apelo para reformar a sentença e, alternativamente, no caso de manutenção da sentença, que seja reformada a sentença para que os juros de mora sejam computados a partir do arbitramento do valor do dano moral, uma vez que é somente a partir desta data é dada ao devedor a opção de saldar sua obrigação.

Devido preparo realizado.

A parte autora apresentou contrarrazões no evento 41. Em suas razões, sustenta que jamais teve a intenção de contratar tal serviço, e ainda que eventualmente tivesse assinado algum documento neste sentido, o mesmo só existiria em função de ter sido levada ao erro, enquanto a requerida esquiva-se afirmando que efetivamente existiu a contratação do empréstimo por cartão de crédito. Diz que a parte autora procurou a instituição financeira para fazer um empréstimo consignado, justamente por ter juros mais acessíveis, e foi ludibriada pela empresa requerida, sofrendo atualmente descontos em seu benefício previdenciário a titulo de Reserva de Margem Consignada – RMC. Afirma que resta claro que a intensão do banco sempre foi criar uma dívida impagável à parte recorrida. Aponta da existência de danos indenizáveis, considerando que é pessoa de parcos recursos. Salienta que deixou claro desde a peça inicial a respeito da restituição do valor depositado em sua conta corrente, devidamente corrigido. Requer seja negado provimento ao recurso.

Regularmente distribuídos, vieram os autos a esta Corte de Justiça para apreciação.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Em não havendo preliminares arguidas, passo diretamente ao exame do mérito.

Trata-se de ação ordinária que com a procedência dos pedidos na origem, a parte ré pleiteia a improcedência dos pedidos feitos na inicial ou, subsidiariamente, alteração do termo inicial dos juros de mora.

Da inexigibilidade do empréstimo consignado.

Inicialmente, destaco que estamos diante de uma relação de consumo, razão pela qual operável a inversão do ônus probatório, forte nos termos do art. 6º, VIII do CDC. Ato contínuo, já realizada a supramencionada inversão, recai sobre a instituição bancária ré, o ônus de comprovar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos aos do direito da autora, conforme preconiza o art. 373, II do CPC.

Em tempo, cumpre salientar que a inversão do ônus probante não desonera a parte autora em comprovar, ainda que minimamente os fatos constitutivos de seu direito, a teor do disposto no art. 373, I do CPC, o que entendo por presente no caso em análise.

No caso dos autos, entendo que a parte ré, ora apelante, não logrou êxito em se desincumbir do ônus que lhe cabia, considerando que não trouxe aos autos nenhum documento apto a comprovar a origem do empréstimo consignado cadastrado no benefício previdenciário da parte autora.

Pontuo que documento juntado com a apelação não pode ser conhecido, pois não se trata de documento novo e, ainda, estava em posse da ré desde o limiar do processo. A apresentação extemporânea de documentos novos só é admitida só é admitida em caso de força maior ou prova do impedimento da não apresentação anterior, o que não é o caso dos autos.

Desse modo, entendo como ilegítimo o depósito efetuado na conta bancária e, do mesmo modo, a inclusão do empréstimo consignado no benefício previdenciário da parte autora, por ausência de exercício regular de direito, motivo esse que, adianto, enseja o desprovimento do apelo da parte ré.

Ainda, friso que diante da ausência de comprovação da existência de relação jurídica entre as partes, procede o pleito indenizatório veiculado pela parte autora e já determinado pelo Juízo a quo, não havendo o que se falar em exigibilidade do empréstimo e afastamento da indenização outrora fixada.

Da compensação

O réu/apelante assevera que é incontroverso nos autos que o recorrido recebeu os valores através de transferência eletrônica para conta de sua titularidade requerendo a compensação com os valores que deverá restituir.

A compensação é possível quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, ou seja, havendo montante certo e líquido a ser satisfeito, aquele poderá ser compensado pelas partes, nos termos do que dispõe o artigo 368 do Código Civil, in verbis:

Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

Aliás, tal questão foi recentemente enfrentada por esta Colenda Sexta Câmara Cível, restando, por maioria, autorizada a compensação de valores, sic:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SINDICATO DOS BANCÁRIOS DE PORTO ALEGRE E REGIÃO. PARCELAS SALARIAIS RECONHECIDAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO. IMPLEMENTAÇÃO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NECESSIDADE DE RECOMPOSIÇÃO PRÉVIA DA RESERVA MATEMÁTICA. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. O Sindicato dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT