Acórdão nº 50832547220208217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo50832547220208217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000511209
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5083254-72.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATORA: Desembargadora FABIANNE BRETON BAISCH

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

JOBAIR COSTA MACHADO JUNIOR, por Defensora Pública, ingressou com agravo em execução por inconformar-se com a decisão que reconheceu o cometimento de falta grave e aplicou os consectários legais (fls. 03/04 do evento 3: OUT - INST PROC3).

Sustentou o agravante, em síntese, que deve ser afastado o reconhecimento da falta grave, com o acolhimento da justificativa do reeducando. A aplicação dos consectários legais é desproporcional, ressaltando o tempo de regressão cautelar cumprido pelo apenado, sendo suficientes as sanções suportadas pelo recluso na seara administrativa. Destacou que a regressão de regime não é automática, devendo ser fundamentada, bem como que inexiste previsão legal para a alteração da data-base, que encontra respaldo legal apenas nos casos de nova condenação definitiva – art. 111, parágrafo único da LEP c/c art. 75, § 2º do CP. Quanto à perda da remição, não há dias remidos, com o que deve ser afastado o comando judicial respectivo. Requereu o provimento do recurso para que seja reformada a decisão recorrida, não se reconhecendo a falta grave e afastando-se os consectários legais (evento 3: RAZOES1).

O Ministério Público contra-arrazoou o recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida (evento 3: CONTRAZ2).

O decisum foi mantido pelo decisor singular (fl. 21 do evento 3: OUT - INST PROC3).

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Glênio Amaro Biffignandi, manifestou-se pelo improvimento do recurso (evento 10).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Pelo que se depreende do relatório da situação processual executória constante no sistema SEEU, o reeducando foi condenado à pena total de 17 anos, 11 meses e 3 dias de reclusão, e multa, tendo iniciado o cumprimento da reprimenda em 28.03.2005.

Sobreveio notícia de que o apenado, que cumpria pena em regime aberto, praticou dois novos delitos no curso da execução da pena, em 25.08.2019 e 15.09.2019, razão pela qual instaurados os processos nº 008/2.19.0021183-4 e 008/2.19.0018161-7, bem como empreendeu fuga em 13.04.2020, sendo recapturado em 26.04.2020.

Atendendo ao que determina o inciso I do § 2º do art. 118 da LEP, o apenado foi ouvido em juízo, oportunidade em que admitiu a fuga, alegando ter foragido do estabelecimento prisional em razão de ameaças de morte que sofreu por parte de uma facção criminosa, silenciando, contudo, quanto a prática dos novos delitos (mídia acostada ao evento 72 do SEEU-CNJ).

Após manifestação das partes, o magistrado singular reconheceu o cometimento das faltas graves, determinando a regressão do reeducando ao regime semiaberto, alterando a data-base para o dia da recaptura - 26.04.2020 - e declarando a perda de 1/3 dos dias eventualmente remidos (fls. 03/04 do evento 3: OUT - INST PROC3), a defesa não se conformando, tão somente, quanto ao reconhecimento da falta grave referente à fuga, bem como quanto à regressão de regime, alteração da data-base e perda de dias remidos.

Passo ao exame da irresignação recursal propriamente dita.

FALTA GRAVE. CARACTERIZAÇÃO.

Não há dúvidas de que a evasão do estabelecimento carcerário constitui falta grave, prevista no art. 50, II da LEP.

O apenado admite a fuga, aduzindo que foragiu da casa prisional em razão de ter sofrido ameaças de morte por parte de outros apenados, o que não tem, à evidência, o condão de descaracterizar a conduta infracional, enquadrada como falta grave, revelando comprometimento sério à execução, frustrando uma das finalidades fundamentais do sistema execucional, identificada como a reinserção social, com o que o Estado, que exerce tal mister, não se pode compadecer, o problema levantado pelo apenado, caso confirmado, devendo ser solvido pela administração prisional em conjunto com a VEC.

Estamos diante de norma cuja exegese não pode ser outra senão aquela decorrente da simples literalidade do preceito, dada a sua clareza, que enquadra a evasão do estabelecimento carcerário, como falta grave, sem qualquer distinção, bastando mera não apresentação do apenado à casa prisional para que se configure, independentemente do número de fugas empreendidas ou mesmo o tempo de duração delas.

Leva-se em conta a personalidade do apenado, a natureza e circunstâncias da conduta faltosa, de natureza grave (LEP, art. 50, II), denotando total descaso com as normas de segurança e disciplina do sistema, inobservando deveres fundamentais.

Indubitável, nesse cenário, que o reeducando praticou a falta grave, pelo que deve ser reconhecida.

REGRESSÃO DE REGIME.

Reconhecida a infração disciplinar, é forçosa a aplicação do art. 118, I da LEP, que sujeita o condenado que praticar falta grave à regressão do regime de cumprimento da pena.

Nesse sentido, valho-me do entendimento do E. STF, guardião da Magna Carta, seu intérprete máximo, a respeito do tema:

QUESTÃO DE ORDEM. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR QUE CONFERIU EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REFERENDO DA TURMA. INCISOS IV E V DO ART. 21 DO RI/STF. EXECUÇÃO PENAL. COMETIMENTO DE FALTA GRAVE. REGRESSÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA E ALTERAÇÃO DA DATA-BASE PARA A CONCESSÃO DE NOVOS BENEFÍCIOS EXECUTÓRIOS. Situação excepcional que justifica a atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário objeto de juízo negativo de admissibilidade. Acórdão que divergiu da firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o cometimento de falta grave acarreta a regressão de regime e a alteração da data-base para a concessão de novos benefícios executórios. Presença dos pressupostos autorizadores da medida. Questão de ordem que se resolve pelo referendo da decisão concessiva do efeito suspensivo ao apelo extremo.” (AC 2998 MC-QO, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 27/03/2012, 0 PROCESSO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 20-06-2012 PUBLIC 21-06-2012)

E do E. STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS COUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR GRAVE. FUGA. FALTA GRAVE. REGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DA DATA-BASE PARA A CONCESSÃO DE NOVOS BENEFÍCIOS. REVOGAÇÃO DE ATÉ 1/3 DOS DIAS REMIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Este Superior Tribunal entende que o cometimento de falta grave pelo apenado (a) importa na alteração da data-base para a concessão de novos benefícios, salvo livramento condicional, indulto e comutação da pena; (b) autoriza a regressão de regime e (c) a revogação de até 1/3 dos dias remidos (art. 127 da Lei de Execução Penal - LEP), não havendo, portanto, ilegalidade a ser sanada.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC 475.542/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 21/02/2019)

Outrossim, tenho que inexista violação ao princípio da proporcionalidade, tampouco de qualquer outro. O cômputo do período que vai desde a recaptura do detento para obtenção de novos benefícios impede que haja qualquer prejuízo ao apenado.

Vale acrescentar que a eventual regressão cautelar do apenado a regime mais gravoso não elide a aplicação das sanções judiciais definitivas, previstas na LEP e que possam decorrer da mesma falta.

Mantido, assim, o reconhecimento de falta grave e regressão de regime.

DATA-BASE. MODIFICAÇÃO.

Como efeito reflexo da regressão do regime carcerário, está a modificação da data-base para benefícios.

A questão, inclusive, encontra-se sumulada por esta Corte Superior, por meio do verbete nº 534, dispondo que “A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento da pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração”.

Além disso, a matéria está pacificada no Pretório Excelso.

A título de ilustração:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGA PROVIMENTO A HABEAS COUS. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. 1. A prática de falta grave acarreta o “reinício da contagem do prazo para a obtenção de benefícios executórios” (HC 109.253, Rel. Min. Joaquim Barbosa). 2. Entendimento que não foi alterado com a edição da Lei nº 12.433/2011, que deu nova redação ao art. 127 da Lei de Execuções penais para limitar a perda do tempo remido ao patamar máximo de 1/3 (um terço). Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido.” (HC 113057 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 22/10/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-248 DIVULG 13-12-2013 PUBLIC 16-12-2013)

“HABEAS COUS – SUBSTITUTIVO DO RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL – LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO ATINGIDA NA VIA DIRETA – ADEQUAÇÃO. Sendo objeto do habeas corpus a preservação da liberdade de ir e vir atingida diretamente, porque expedido mandado de prisão ou porquanto, com maior razão, esta já ocorreu, mostra-se adequada a impetração, dando-se alcance maior à garantia versada no artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta de 1988. Evolução em óptica linear assentada anteriormente. Entendimento vencido do relator. PENA – FALTA GRAVE – DIAS DE TRABALHO REMIDOS – PERDA. A ilustrada maioria assentou haver a perda dos dias remidos quando o reeducando comete falta grave. Essa óptica não implica o afastamento da incidência da Lei nº 12.433/11, sob o ângulo retroativo – artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal –, no que limitou o prejuízo a um terço. PENA – EXECUÇÃO – REGIME – FALTA GRAVE – NOVA CONTAGEM DO TEMPO – TERMO INICIAL. Surge, como termo inicial para nova contagem de tempo visando a progressão no regime de cumprimento da pena, a data em que aconteceu a regressão ao regime mais gravoso.” (HC 116022, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,...

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