Acórdão nº 50838139220218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50838139220218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001471762
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5083813-92.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

AGRAVANTE: LUCIA ZANELLA (AUTOR)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LUCIA ZANELLA contra decisão que, nos autos da ação que move contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, determinou sua intimação para que proceda à emenda à petição inicial para inclusão da União no polo passivo da demanda.

Em suas razões, discorre amplamente sobre o Tema de nº 793 do STF, em suma, concluindo que restou reafirmada a responsabilidade solidária dos entes públicos nas demandas de saúde. Assenta ser inquestionável que na nova tese fixada não houve nenhuma menção de que a União Federal deva figurar no processo como ré quando a pretensão veicular tratamento não padronizado, ou medicamento de caráter oncológico. Defende a responsabilidade solidária e o litisconsórcio facultativo em casos como o presente. Nesse sentido, torna a discorrer sobre o Tema de nº 793 do STF, pontuando que a leitura do voto e dos debates dos Ministros deixa claro que não há litisconsórcio passivo necessário, nem mesmo obrigação de a União constar do polo passivo, à exceção do caso de medicamentos não registrados na ANVISA. Pede a concessão de efeito suspensivo, determinando-se, especificamente, o afastamento da ordem de inclusão da União no polo passivo da demanda durante o julgamento do presente. Ao final, pugna pelo provimento do recurso.

Recebido o recurso e indeferida a liminar recursal.

Houve contrarrazões.

O Ministério Público lançou parecer opinando pelo provimento do recurso.

Vieram-me conclusos.

VOTO

Conheço do recurso, pois preenchidos os pressupostos de admissibilidade, e passo a seu exame.

É caso de desprovimento recursal.

Trata-se de ação ajuizada por LUCIA ZANELLA em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e do MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL em razão do diagnóstico de Neoplasia de Mama, enfermidade inscrita no CID 10 C50, necessitando do fornecimento do medicamento Trastuzumabe Entansina.

Sinalo, de plano, que o entendimento até então adotado por este Órgão Fracionário mantinha a interpretação da responsabilidade solidária entre os entes públicos como amplamente utilizada até o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 855.178/SE, relativo ao Tema nº 793 do STF, ou seja, desbordava em litisconsórcio passivo facultativo, sendo desnecessária a inclusão da União.

Todavia, dia após dia estão surgindo novos julgamentos monocráticos da Corte Suprema, demonstrando que não houve tão simplesmente a reafirmação da responsabilidade solidária como até então empregada, mas espécie híbrida, na medida em que exige a presença obrigatória da União nas ações em que seja requerido tratamento/medicamento que não faça parte das listas do SUS. Em outros termos, caracterizado o litisconsórcio passivo necessário, em tal hipótese.

A tese, em realidade, permanece com o mesmo enunciado: "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro."

Entretanto, houve inegável atualização quanto à interpretação dada à tese e, por consectário, mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, havida por ocasião do julgamento dos Embargos Declaratórios (RE 855178 ED/SE). O "desenvolvimento da tese da solidariedade" se deu do seguinte modo, segundo o relator, Ministro Edson Fachin:

[...]

3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

I) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss.CF);

II) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

III) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11,e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

IV) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

V) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

VI) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto Federal n. 7.508/11". (Grifei)

Com efeito, denota-se, de plano, que não se está diante de hipótese de reconhecimento de ilegitimidade passiva dos entes agravados, porquanto mesmo que a responsabilidade pela dispensação, à vista da forma como regrada a repartição das obrigações entre os entes federados, não toque aos recorridos, à parte necessitada, autora da demanda é dado colocá-los no polo passivo da demanda como forma de ampliar sua garantia de que verá o seu direito realizado.

Todavia, robusteceu-se o entendimento nos Tribunais, sedimentado por julgados inclusive monocráticos da Corte Suprema, no sentido de reclamar necessariamente a presença da União no polo passivo de demanda que objetiva fornecimento de medicamento não incluído nas listas do SUS. Preservou-se a solidariedade, mas fixando hipótese de litisconsórcio passivo necessário nos casos em que a parte autora desejar demandar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT