Acórdão nº 50850707120198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 24-02-2022

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50850707120198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001548178
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5085070-71.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: WILLIAM HENRIQUE DE LIMA (AUTOR)

APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

WILLIAM HENRIQUE DE LIMA interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional movida em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 3 procjudic 3 fl. 20):

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido revisional, para o fim de limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado à época da contratação, com a descaracterização da mora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, rejeitando os demais pedidos. Sucumbência parcial e recíproca, autoriza a divisão, metade para cada parte, das custas processuais. Honorários de cada patrono, fixados em R$1000,00 (um mil reais) custeados pela parte adversa. Suspensa a exigibilidade à autora, em razão da AJG.

Em suas razões recursais alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a exclusão da capitalização dos juros, a alteração/exclusão da cobrança do imposto sobre operação financeira. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

A instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 3 procjudic 3 fl. 38).

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (nº 004.274.723) foi firmado em 15/08/2017, no valor de R$ 27.200,00, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 1,40 % ao mês e de 18,15 % ao ano sobre o valor financiado (evento 3 procjudic 3 fl. 7).

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”

Portanto, considerando o contexto narrado e a legislação aplicável, se constata que na modalidade contratual firmada entre as partes incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, é admissível o pedido do consumidor de revisão das cláusulas entendidas como abusivas, de acordo com o art. 6º, inciso V, do CDC.

Todavia, importante destacar que o reconhecimento da aplicação das diretrizes previstas no Código de Defesa do Consumidor ao contrato revisando, por si só, não asseguram a procedência dos pedidos formulados pelo consumidor, tendo em vista que na apreciação do caso concreto se demonstrará eventual cobrança abusiva passível de revisão.

CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS

O ponto de partida para a avaliação da legalidade da incidência da capitalização dos juros em contratos bancários encontra suporte no art. 5º da Medida Provisória nº 1.963-17 (renovada pela Medida Provisória nº 2.170-36, em vigência em razão do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2000), que possibilita a capitalização dos juros em periodicidade inferior a anual, em contratados firmados após 31/03/2000.

Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.

Antes disso, o enunciado da Súmula nº 93 do Superior Tribunal de Justiça, datado de 03/11/93, só admitia a incidência da capitalização dos juros nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial.

“93. A legislação sobre cédulas de credito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”.

No Código Civil de 2002, o art. 591 do Código Civil, por sua vez, autoriza apenas a capitalização anual dos juros:

“Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”.

Com a edição da Lei nº 10.931/04, foi permitida a incidência da capitalização dos juros, em qualquer periodicidade, nas Cédulas de Crédito Bancário, conforme art. 28, parágrafo 1º, inciso I.

“Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º.

§ 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:

I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação”;

'Em razão da existência de normas conflitantes, o tema sobre a possibilidade de incidência da capitalização dos juros nos contratos empréstimo/financiamento bancário, bem como a sua periodicidade, deflagrou inúmeras interpretações jurídicas em demandas de revisão contratual, uma vez que o art. 591 do Código Civil autoriza somente a capitalização...

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