Acórdão nº 50858426320218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 15-12-2022

Data de Julgamento15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50858426320218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003113536
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5085842-63.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Anulação e Correção de Provas / Questões

RELATOR: Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO

APELANTE: RENATA ANDRESSA DA SILVA ARAUJO (IMPETRANTE)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas por RENATA ANDRESSA DA SILVA ARAUJO e pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, respectivamente, porquanto inconformados com a sentença (evento 21, DESPADEC1) proferida nos autos do mandado de segurança impetrado pela primeira contra ato atribuído ao DIRETOR DE ENSINO DA BRIGADA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, INTEGRANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, tendo por objetivo a anulação das questões nºs 04, 14 e 46 da prova objetiva do processo seletivo da corporação, para a graduação de 2º Sargento, aberto pelo edital nº 019/DE-DET/2021.

O dispositivo da sentença restou assim redigido, in verbis:

Destarte, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, CONCEDO EM PARTE A SEGURANÇA requerida por Renata Andressa de Araújo contra ato do Diretor do Departamento de Ensino da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, para determinar a anulação das questões de n° 04 e 14 do caderno da prova objetiva aplicada no processo seletivo aberto pelo Edital n° 019/DE-DET/2021, devendo ser atribuída à impetrante a pontuação relativa aos referidos questionamentos, recalculada a sua classificação no certame e garantida a participação da candidata nas demais etapas do processo seletivo caso implemente os requisitos necessários para tanto (nota de corte), nos exatos termos da medida liminar concedida.

Condeno a impetrante ao pagamento de 30% do valor das custas processuais, suspensa a exigibilidade em razão do benefício da Gratuidade Judiciária concedido.

Condeno o Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento do restante do valor das custas, isento em razão do disposto no art. 5°, I, da Lei da Taxa Única.

Sem honorários advocatícios porque incabíveis, conforme artigo 25 da Lei n. 12.016/09.

Sentença sujeita a reexame necessário.

Registre-se.

Publique-se.

Intimem-se.

No caso de interposição de recurso de apelação por alguma das partes, intime(m)-se o(s) apelado(s) para apresentar contrarrazões, no prazo de quinze dias, nos termos do art. 1.010, § 1º, do CPC. Se o apelado interpuser apelação adesiva, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões (art. 1.010, § 2º, do CPC). Após, encaminhem-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado.

A impetrante, em suas razões, argumentou que houve a cobrança de matéria que não estava descrita do edital do certame, questões com erro material e formuladas de forma obscura, com interpretação ensejando a dubiedade de respostas ou sem alternativa correta a ser assinalada, causando prejuízo ao candidato. Aduziu que, além das questões anuladas em sentença, há outras que também podem ser anuladas, a fim de melhorar sua classificação no concurso em tela, haja vista a concorrência acirrada do concurso. Defendeu, assim, a anulação da questão de número 46 atribuindo a pontuação de 1 acerto e, consequentemente, a sua reclassificação. Pediu, por fim, o provimento da apelação no tocante à questão em voga (evento 28, APELAÇÃO1).

O ente estadual, por seu turno, alegou o desacerto da sentença mencionando o Tema nº 485 do STF e a possibilidade de o Poder Judiciário poder apenas realizar juízo de compatibilidade do conteúdo das questões com o previsto no edital do certame, mas não adentrar no mérito administrativo. Sustentou a necessidade de observância do princípio da isonomia entre os candidatos e da legalidade, haja vista não ter sido demonstrado erro grosseiro nas questões a ensejar sua anulação. Defendeu a manutenção do gabarito das questões nº 04 e nº 14 da prova objetiva, apegoando a higidez dos questionamentos cobrados. Pugnou pelo provimento da apelação e a reforma da sentença quanto às aludidas questões (evento 30, APELAÇÃO1).

Intimados, a parte impetrante (evento 37, CONTRAZAP1) e o Estado do Rio Grande do Sul (evento 38, PET1) apresentaram contrarrazões, requerendo o improvimento da apelação da parte contrária.

Os autos foram remetidos a esta Corte, indo com vista à Drª Maria Waleska Trindade Cavalheiro, Procuradora de Justiça, que opinou pelo improvimento das apelações e pela manutenção da sentença em reexame necessário (evento 7, PARECER1).

Nesta instância, sobreveio requerimento de antecipação dos efeitos da tutela recursal formulado pela parte impetrante visando à conclusão do curso de formação (evento 9, PED LIMINAR/ANT TUTE1), pretensão que restou indeferida (evento 10, DESPADEC1).

É o relatório.

VOTO

Encaminho voto pelo provimento da apelação do Estado do Rio Grande do Sul e pelo improvimento da apelação da impetrante, prejudicada a remessa necessária.

Destaco, inicialmente, que a parte impetrante lançou mão do presente writ, que é ação documental e célere, cujo pressuposto mínimo é a demonstração do direito líquido e certo a ser tutelado.

Com efeito, conforme o célebre magistério de Pontes de Miranda, constante também no Dicionário de Pereira e Souza, “líquido é o que consta ao certo”, caracterizando como direito líquido e certo “aquele que não desperta dúvidas, que está isento de obscuridades, que não precisa ser aclarado com o exame de provas em dilações, que é, de si mesmo, concludente e inconcusso”. (Comentários à CF de 1946, IV, nº 3, p. 369). Por outro lado, consoante o magistério do saudoso Hely Lopes Meirelles, o direito líquido e certo deveria ser comprovado de plano: “Se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver determinada; se o seu exercício depender de situações e fatos não esclarecidos nos autos, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais” (Mandado de Segurança e Ação Popular, 2ª Edição, p. 15). Modernamente se tem sustentado, com toda a propriedade, diga-se de passagem, que o conceito de direito líquido e certo tem natureza marcadamente processual, valendo transcrever a lição de Celso Agrícola Barbi: “(...) a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo” (Do Mandado de Segurança, 3ª Edição, p. 55).

Além disso, a utilização deste remédio, a partir da regulamentação introduzida pela Lei nº 12.016/09, também estabeleceu como condição haver a prova pré-constituída do ato ilegal ou eivado de abuso de poder por parte da autoridade impetrada. A este respeito é o magistério de Marçal Justen Filho:

O mandado de segurança destina-se a atacar a ação ou a omissão que configurem ilegalidade ou abuso de poder. A fórmula constitucional é tradicional e revela, em última análise, a tutela, não apenas aos casos de vício no exercício de competência vinculada, mas também no caso de defeito no desempenho de competência discricionária. Há casos em que a lei condiciona a existência ou a fruição de um direito subjetivo a pressupostos determinados, caracterizando-se uma disciplina vinculada. Se, numa hipótese dessas, houver indevida denegação do direito subjetivo assegurado a alguém, o interessado poderá valer-se do mandado de segurança para atacar essa ilegalidade. Alude-se à ilegalidade para indicar que a decisão atacada infringe a disciplina legal, uma vez que recusa ao interessado um direito cujos pressupostos e extensão constam da lei.

Mas também cabe a impetração para proteger direito líquido e certo nos casos de abuso de poder, que se verifica diante das hipóteses de disciplina legislativa discricionária. A garantia constitucional impede que a denegação de uma pretensão individual se faça mediante a mera invocação da titularidade de uma competência discricionária. Assim, a previsão legislativa de que a autoridade pública poderá deferir um pedido não legitima todo e qualquer indeferimento. Se a denegação do direito do particular evidenciar abuso de poder, o mandado de segurança será cabível.”1

Tendo tais premissas bem estabelecidas, prosseguindo, tenho que merece ser reformada a sentença, pois não comprovada violação ao direito líquido e certo da parte impetrante, conforme passo a expor.

Na hipótese, a parte impetrante inscreveu-se no Processo Seletivo para o Curso Técnico de Segurança Pública - CTSP/2021 -, curso Superior de Tecnologia em Gerenciamento Auxiliar de Polícia Militar, aberto pelo edital nº 019/DE-DET/2021, na condição de Soldado da Brigada Militar, alcançando 43 pontos de um total de 50, sendo considerada aprovada, porém, fora das vagas para avançar no certame, haja vista a necessidade de pontuação mínima de 45 pontos.

Com isso, postulou a anulação das questões nºs 04, 14 e 46 da prova objetiva do processo seletivo da corporação, sobrevindo a sentença de parcial concessão da segurança no sentido de anular somente as questões nº 04 e nº 14 (evento 21, DESPADEC1).

Inconformado, o Estado do Rio Grande do Sul interpôs recurso de apelação no que diz com as questões anuladas pela sentença vergastada, ao passo que a parte impetrante, concernente à questão de nº 46, também interpõe o competente recurso, sobre as quais passo ao exame.

Pois bem, a insurgência recursal da parte impetrante tem como telos a anulação da questão de nº 46, com enunciado assim apresentado:

46. Considerando o Procedimento Operacional Padrão (POP) de Atendimento de Ocorrência de Dano (POP 6.27), no campo “observações” são descritas atividades que o policial deve desempenhar no atendimento deste tipo de ocorrência. Dentre as alternativas abaixo, indique a...

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