Acórdão nº 50860201220218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 09-03-2023

Data de Julgamento09 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50860201220218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003007721
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5086020-12.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Trânsito (Lei 9.503/97

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

APELANTE: JONATAS BORGES JACOBI DOS SANTOS (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra JONATAS BORGES JACOBI DOS SANTOS, com 38 anos de idade à época do fato, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 302, §1º, inc. III e 305, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

"No dia 21 de maio de 2021, por volta das 02h30, na Av. João Pessoa, 985, Bairro Farroupilha, n/Capital, o denunciado, na direção do veículo JEEP COMPASS, cor branca, ano 2020, placas JAE 1I41, matou, culposamente, PAULO ROBERTO BRAGA, causando-lhe as lesões descritas no Laudo de Necropsia 111372/2021, no qual foi atestado como causa mortis “traumatismo secundário a acidente de trânsito”.

Na ocasião, o denunciado, na condução do referido veículo, ao trafegar pela Avenida João Pessoa, em alta velocidade, atropelou a vítima fatal que atravessava a avenida, arremessando-a por 40 metros de distância devido à violência do choque do veículo contra o corpo da vítima (vide laudo pericial nº 111317/2021).

Ato contínuo, o acusado fugiu do local do acidente, sem prestar socorro à vítima, visando não ser responsabilizado pelo atropelamento, somente sendo identificado porque a testemunha ARMANDO AULUS GARCIA MONTANA NETO, que conduzia o veículo FORD FIESTA, placas IPA 8E65 e estava próximo ao local do acidente, presenciou o momento em que o corpo da vítima saiu “voando” e “rolando” para o lado de uma lixeira, e viu o denunciado não parar o veículo após o atropelamento e seguir pela Av. Venâncio Aires até a Rua Olavo Bilac, onde ingressou no estacionamento do bar Carmen’s Club.

No seguimento, a indigitada testemunha anotou a placa da camionete conduzida pelo acusado e acionou a Brigada Militar que através do 9º BPM confeccionou o laudo técnico nº 004/2020/400, encaminhado à Polícia Civil que, depois de efetuadas diligências, obteve êxito na localização do veículo envolvido no acidente e na identificação do denunciado.

O denunciado agiu de forma imprudente e negligente, ao trafegar em alta velocidade em via urbana, onde há grande fluxo de veículos e pedestres, ao não adotar a atenção e cautela suficiente para evitar o trágico resultado, ferindo seu dever objetivo de cuidado, circunstâncias que lhe impossibilitaram de parar o veículo em tempo hábil e evitar o atropelamento da vítima, sendo que não havia nenhum obstáculo que pudesse impedir ou dificultar a visualização do ofendido, o qual efetuava a travessia da supracitada avenida composta por duas faixas para tráfego, em trecho de linha reta e pista seca no momento do acidente (vide laudo pericial nº 117648/2021)."

Após representação policial, o Juízo determinou, em 01.06.2021, a suspensão cautelar da carteira nacional de habilitação do indiciado (evento 1, INIC1, fls. 07/08 e evento 9, DESPADEC1).

A denúncia foi recebida em 23.08.2021 (evento 3, DESPADEC1).

Citado (evento 6, CERTGM1), o acusado apresentou resposta à acusação através de defensor constituído (evento 7, RESPOSTA1).

Durante a instrução, foram ouvidas as testemunhas e interrogado o réu (evento 48, TERMOAUD1).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados no evento 51, MEMORIAIS1 e evento 54, ALEGAÇÕES1.

Sobreveio sentença, considerada publicada em 25.08.2022, julgando procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções dos arts. 302, § 1º, inc. III, e 305, ambos do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97), às penas de 03 anos e 06 meses de detenção e de suspensão do direito de dirigir pelo período de 03 anos para o delito de homicídio culposo e de 07 meses de detenção para o delito do art. 305 do CTB, totalizando as penas carcerárias 04 anos e 01 mês de detenção, em regime inicial semiaberto, que foram substituídas pelas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos, (evento 57, SENT1).

Irresignada, a defesa interpôs apelação, alegando que a condenação do delito do art. 302, §1º, inc. III do CTB se fundou em premissa equivocada, na medida em que o atropelamento ocorreu no eixo central da Avenida João Pessoa situado vários metros à esquerda e não na parte em que há um "longo trecho em linha reta", como restou consignado na sentença. Sustentou que as imagens e vídeos juntados aos autos, sobretudo o vídeo juntado ao evento 44, VÍDEO4, confirmam a tese defensiva de que a vítima estava caminhando pela via e decidiu, de forma inopina e muito rapidamente, interromper a caminhada e realizar a travessia da Avenida em meio aos veículos em movimento, vindo a ser atropelada pelo veículo conduzido pelo réu, sendo que, segundos antes ela havia recebido sinal de luz de um outro veículo alertando-a do perigo, tendo, mesmo assim, prosseguido com a travessia. Referiu que essa perigosa tentativa de cruzamento da avenida foi fruto de inopinada decisão e execução, na medida em que o tempo gasto pela vítima para se deslocar do ponto em que estava (linha divisória do corredor de ônibus) até o eixo central da Avenida João Pessoa foi de apenas dois segundos, quando passaram pela vítima ao menos dois veículos, e nos dois segundos subsequentes, exatamente às 1:17:44, em meio ao ofuscamento das luzes de mais dois veículos, a vítima se projeta, após o primeiro passar por ela, "na Avenida para tentar cruzá-la bem na frente da camionete dirigida pelo apelante, oportunidade em que é colhida e jogada para o alto". A dinâmica dos fatos demonstra que o atropelamento ocorreu por culpa exclusiva da vítima, pois entre a decisão dessa de sair do ponto em que estava (linha divisória do corredor de ônibus) para cruzar a pista e o atropelamento em si, transcorreram cerca de oito segundos, não tendo o acidente, assim, ocorrido em razão de suposta desatenção do réu, pois esse não conseguiria estancar a marcha de 53 km/h em tempo inferior aos segundos utilizados pela vítima para ingressar na Avenida de forma inopinada e rápida. Destacou, ainda, que essa rapidez da movimentação da vítima quando do ingresso da Avenida é verificada pela própria da posição em que o seu corpo ficou inerte sobre a pista. Quanto à fuga do local do acidente, argumentou que o réu se apresentou espontaneamente à autoridade policial na segunda-feira seguinte para prestar todos os esclarecimentos e responder ao expediente criminal, a indicar que jamais pretendeu se eximir de qualquer responsabilidade, tendo o réu saído rapidamente do local pois supôs que o barulho causado pelo impacto tivesse relação com alguma tentativa de abordagem violenta. Em razão desses fundamentos, requereu a absolvição do acusado. Subsidiariamente, pediu a redução da pena-base para o mínimo legal, o afastamento da causa especial de aumento de omissão de socorro prevista no art. 302 §1º inc. III do CTB, pois não requerida sua incidência pelo Ministério Público em memoriais, tendo inovado pleiteando a condenação do acusado pelo crime autônomo de omissão de socorro tipificado no art. 304 do CTB. Pugnou, por fim, pela exclusão da pena de restrição ao direito de dirigir ou a redução da sua duração (evento 8, RAZAPELA1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 11, CONTRAZAP1).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (evento 15, PARECER1).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o art. 613, inc. I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A materialidade e a autoria delitivas foram bem analisadas pela ilustre Juíza de Direito, Dra. Keila Lisiane Kloeckner Catta-Preta, ao proferir a sentença, não sendo verificada qualquer inovação em sede de apelação em relação aos pontos analisados em primeiro grau, pelo que adoto seus fundamentos para evitar inútil tautologia (evento 57, SENT1):

"(...)

Trata-se dos delitos de homicídio culposo majorado e fuga do local do acidente, previstos no artigo 302, § 1º, inciso III, e no artigo 305, ambos do Código de Trânsito Brasileiro.

A materialidade do delito está consubstanciada no relatório de local de crime (Processo Relacionado 50537970620218210001 - Evento 27 - pg. 9-14); no relatório técnico n° 004/2020/400 (Processo Relacionado 50537970620218210001 - Evento 27 - pg. 15-17); na guia de recolhimento ao depósito (Processo Relacionado 50537970620218210001 - Evento 27 - pg. 26-27); no laudo de necropsia (Processo Relacionado 50537970620218210001 - Evento 27 - pg. 60); nos laudos periciais n° 117648/2021 e 111317/2021 (Processo Relacionado 50537970620218210001 - Evento 27 - pg. 62-75 e 78-95); e nas fotos e vídeos anexados nos Eventos 43, 44, 45, 46 e 47; os quais comprovam a morte da vítima PAULO ROBERTO BRAGA em razão de politraumatismo secundário a acidente de trânsito.

A autoria é incontroversa, uma vez que o réu confirmou que conduzia o veículo envolvido no evento que culminou com o óbito da vítima.

Cabe, portanto, analisar a efetiva subsunção da conduta imputada ao acusado no tipo em questão.

O Policial Rodoviário Gabryel Sanches Santos, em seu depoimento judicial (Evento 48), declarou que não presenciou o fato e que conhece o réu do trabalho, limitando-se a abonar a conduta do acusado.

O informante Jonas Jacobi dos Santos, pai do acusado, referiu que não presenciou o acidente, afirmando que seu filho não ingeriu bebidas alcoólicas no dia dos fatos. Narrou que estavam com amigos em um bar assistindo um jogo de futebol e, ao final, foram até a...

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