Acórdão nº 50861402620198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 10-02-2022

Data de Julgamento10 Fevereiro 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50861402620198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001473939
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5086140-26.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Leve (art.129, caput)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra ESTEFANO JOSE MARQUES, dando-o como incurso no artigo 129, § 9º, combinado com o artigo 61, incisos I e II, alínea "h", ambos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 19 de novembro de 2019, por volta das 20h15min, na Rua Miguel José Vicente, nº 100, Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre/RS, o denunciado ESTEFANO JOSE MARQUES ofendeu a integridade física da vítima ANGÉLICA FERNANDES CELESTINO, sua companheira, dando causa a lesão corporal de natureza leve, descrita no laudo pericial da folha 58, nos seguintes termos: "Em joelho esquerdo, duas escoriações lineares, a maior medindo dezoito milímetros".

Na ocasião, o denunciado desferiu dois socos no rosto da vítima, um chute em sua barriga e arremessou um controle em seu joelho, dando causa a lesões corporais.

A vítima estava grávida, com quatro meses de gestação, na data do fato.

O denunciado é reincidente e cometeu o delito prevalecendo-se das relações domésticas e familiares que possuía com a vítima, infringindo, assim, as prescrições da Lei nº 11.340/06.

A denúncia foi recebida em 04 de dezembro de 2019.

Após regular instrução, sobreveio sentença de procedência da ação penal, condenando o réu como incurso no artigo 129, § 9º, combinado com o artigo 61, incisos I e II, alínea "h", ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade fixada em 06 (seis) meses e 23 (vinte e três) dias de detenção, a ser cumprida em regime semiaberto. Foi estabelecido, ainda, o valor de

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação. Aduz insuficiência probatória e ausência de justa causa para ensejar a condenação, diante da isenção de responsabilidade do réu pela lesões corporais sofridas pela vítima e da reconciliação das partes. Requer, assim, a absolvição do acusado, com base no princípio da intervenção mínima. Subsidiariamente, pugna pelo redimensionamento da pena-base ao mínimo legal, com o afastamento das agravantes; a fixação do regime aberto e, por fim, o afastamento do pagamento da indenização à vítima ou a redução do valor fixado.

Foram apresentadas contrarrazões.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

A materialidade restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, pelo auto de exame de corpo de delito, bem como pela prova oral colhida.

Da mesma forma, incontroversa a autoria. Transcrevo, por oportuno, trecho da sentença em que colacionada a prova oral:

A vítima Angélica Fernandes Celestino (fl. 96), em Juízo, referiu que discutiu com o acusado por causa da ex-esposa dele, alegando que todas as discussões que ocorrem são por esse motivo. Disse que não é casada no papel, mas moram juntos e está grávida do réu. Contou que no dia do fato estavam discutindo por conta da ex-esposa do acusado, que no relacionamento anterior com o réu havia sido agredida, o que a deixou com medo. Afirmou que como estavam brigando, achou que o réu iria agredi-la, "se botar em mim" (sic), e, por esse motivo, resolveu chamar a polícia. Aduziu que ela e seus filhos têm traumas de violência, por esse motivo pensou que o réu bateria nela. Relatou que caiu durante a discussão, por isso apresentou as lesões no joelho. Contou que estavam discutindo muito, ocasião em que a sua filha começou a ficar muito nervosa, a deixando nervosa, quando pediu para sua outra filha chamar a polícia. Falou que dirigiu-se à Delegacia para prestar depoimento. Ao ser questionada sobre suas declarações de sede policial, disse que não falou nada sobre socos e chutes, relatando que apenas discutiram, mas não que o acusado teria lhe agredido. Reconheceu sua assinatura na ocorrência, alegou que estava muito nervosa e não leu o que estava escrito, tendo a sua filha lhe questionado por não ter lido o que assinou. Afirmou ter consciência sobre a mudança de depoimento. Ainda, salientou que deseja que o acusado seja posto em liberdade, pois está grávida e precisa de ajuda. Disse que está morando em uma casa alugada, mas de favor, acompanhada de seus filhos. Declarou que "se arrependimento matasse, tava morta" (sic), pois precisa da ajuda do acusado. Contou que já veio no Foro solicitar o encerramento do processo, aduzindo ter chamado a polícia, no dia do fato, por impulso, por medo, pois já tinha sido agredida. Novamente, salientou que não leu o que assinou na Delegacia. Disse que o acusado é motoboy e também trabalha com bicos, junto com o dono da casa que alugam, ele ajuda no sítio do proprietário do imóvel. Falou que sempre tem serviço, por isso o réu tem condições de sustentá-la. Ainda, disse que seus filhos pedem para que o acusado seja solto.

A testemunha de acusação Leandro Nicodemo Bastos (fl. 96), policial militar, em Juízo, contou que estava em patrulhamento de rotina, ocasião em que a sobrinha da vítima abordou a viatura e disse que a sua tia estava sendo agredida, pedindo que a acompanhassem até a residência. Chegando ao local, disse que o réu estava saindo da casa, quando a vítima lhe disse que tinha medida protetiva contra o acusado e havia sido agredida, ocasião em que encaminhou o acusado e a ofendida até a Delegacia. Contou que a filha da vítima chorava muito, porque presenciou as agressões. Ainda, disse que o réu estava no campo, ao lado da residência, não tendo dito nada enquanto a guarnição estava no local junto da vítima e da sua filha.

A testemunha de acusação Emerson Pereira dos Santos (fl. 96), policial militar, em Juízo, ratificou as informações prestadas pelo seu colega. Disse que estavam em patrulhamento de rotina, ocasião em que foram abordados pela sobrinha da vítima, a qual disse que a sua tia estava sofrendo agressões por parte de seu companheiro e indicou a residência da ofendida. Contou que a vítima chorava muito, dizendo que havia sido agredida e ameaçada. Alegou não se recordar dos detalhes, que o acusado estava próximo da residência e não falou nada. Por fim, falou que não se recorda se a vítima apresentava lesões.

O réu Estéfano José Marques (fl. 96), em seu interrogatório, informou que ser autônomo, ter estudado até a 5ª série e responder um processo por assalto. Sobre os fatos, negou a acusação que lhe foi imputada. Disse que não agrediu a vítima, que estavam discutindo por causa da sua ex-esposa, a qual "inferniza" (sic) a vida da sua atual companheira, e acha que a ofendida ou a sobrinha dela chamaram a polícia, porque estava indo embora. Relatou que não sabe como a vítima se lesionou, acredita que ela caiu durante a discussão. Aduziu que seu sonho é ser pai "e agora que tenho não ia jogar fora" (sic), negando agressões na barriga da ofendida, pois sabia que ela estava grávida. Por fim, falou que quer ajudar a vítima.

Ainda que o réu tenha negado os fatos, versão corroborada pela vítima em juízo, tenho que o contexto probatório presta-se para a manutenção da condenação.

A vítima relatou quando do registro de ocorrência que foi agredida pelo réu com socos no rosto e um chute na barriga.

Por ocasião da prisão em flagrante, de acordo com o depoimento das testemunhas, a vítima chorava muito e estava nervosa, dizendo que havia sido agredida pelo acusado. Além disso, relatam os policiais militares que foram abordados pela sobrinha da vítima, a qual pediu por ajuda referindo que a tia estava sendo agredida.

Consabido que a palavra da vítima assume especial relevância no contexto de violência doméstica, haja vista a tipologia delitiva ocorrer, na sua maioria, sem a presença de testemunhas. No caso dos autos, a narrativa da vítima em sede inquisitorial vem corroborada pelos depoimentos judiciais. Destaco, ainda, o auto de exame de corpo de delito, que revela lesões compatíveis com o relato da ofendida em sede policial, não se coadunando com uma suposta queda em meio a uma discussão.

A palavra da vítima, desde que se coadune com os demais elementos dos autos, trata-se de meio de prova idôneo a amparar a condenação. Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS COUS. AMEAÇA. FALTA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SEM INTERESSE. INEXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL EM CURSO. IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS COUS DENEGADO.
1. No procedimento do habeas corpus não se permite a produção de provas, pois essa ação constitucional deve ter por objeto sanar ilegalidade verificada de plano, por isso não é possível aferir a autoria delitiva.
2. O pedido trancamento da persecução penal é medida excepcional, que no caso não se constata a presença de interesse processual correlato, considerando que não há ação penal em curso.
3. Apresentada fundamentação concreta na decisão que fixou as medidas protetivas, evidenciada na necessidade de se resguardar a integridade física e psicológica da vítima, mulher, da violência doméstica, considerando-se, para tanto, circunstâncias fáticas condizentes,...

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