Acórdão nº 50868379420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo50868379420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002257382
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5086837-94.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Ab initio, rogo vênia para adotar o relatório do parecer ministerial, exarado pela ilustre Dra. Berenice Feijó de Oliveira, Procuradora de Justiça, in verbis (evento 10, PARECER1):

Trata-se de agravo em execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado com a decisão proferida pela Juíza de Direito do 2º Juizado da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de Porto Alegre que retirou o caráter de equiparação do delito de tráfico de entorpecentes ao delito hediondo, pelo qual foi condenado o apenado MARCOS DOS SANTOS MADEIRA (Evento 3, AGRAVO1, Página 3).

O Órgão Ministerial, em síntese (Evento 3, AGRAVO1, Página 12 e ss), sustenta que observando o princípio da reserva legal em matéria penal e interpretando-o (sem necessidade de analogia ou extensão) de forma integrada, lógica e coerente, por ser o tráfico ilícito de entorpecentes equiparado a hediondo, não há como considerar o apenado primário e aplicar-lhe 16% para fins de progressão de regime. Destaca que a Lei n. 13.964/19 apenas afastou do tráfico privilegiado (art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06) a equiparação ao hediondo, restabelecendo-se parâmetros para progressão de regime, consoante nova redação do §5º do artigo 112 da LEP).

Assim, o Parquet pugna pelo provimento do recurso, determinando-se a correção do relatório da situação processual executória do apenado para que conste que o delito de tráfico de entorpecentes como equiparado ao hediondo, retificando-se as frações para fins de progressão de regime e livramento condicional.

O recurso de agravo em execução foi recebido, oportunidade em que também deferido ao apenado a progressão de regime ao semiaberto (Evento 3, AGRAVO1, Páginas 23 e seguintes).

A Defensoria Pública apresentou contrarrazões ao recurso, postulando seu desprovimento (Evento 3, AGRAVO1, página 27 e ss).

Subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos à minha relatoria (evento 5, INF1).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (evento 10, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

O agravado MARCOS DOS SANTOS MADEIRA foi condenado à pena total de 7 anos de reclusão, pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei de Drogas.

Deu início ao cumprimento da aflitiva em 21/12/2019, com término previsto para 4/9/2026.

No curso da expiação da reprimenda, a ilustre Juíza de Direito, Dr.ª Sonáli da Cruz Zluhan, determinou retificação do Relatório da Situação Processual Executória e, na sequência, de aplicação da fração de 1/6 para fins de progressão de regime, porquanto alterada a natureza do crime disposto na Lei de Drogas, após a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.

A decisão foi proferida nos seguintes termos (evento 3, AGRAVO1, fls. 3/10):

Vistos.

(...)

3- Pelos motivos que passo a expor, considerando que se trata de apenado reincidente, há que ser retificado o RSPE para 1/6 (crimes cometidos antes de 23/01/2020) para fins de progressão de regime.

A Constituição Federal – artigo 5º não dispõe quais crimes são considerados hediondos, limitando-se a expôr que o tráfico de drogas é crime inafiançável, insuscetível de graça e anistia:

“XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”

Coube, portanto, a Lei Nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, o rol taxativo:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);
-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
II – roubo:
a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);
b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);
III – extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);
IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159,caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V – estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º)
VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).

VII-A – (VETADO)
VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273,caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).
VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). IX – furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum ( art. 155, § 4º-A)
Parágrafo único.
Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
I – o crime de genocídio, previsto nos arts.
, e da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;
II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
III – o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
IV – o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003
V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado”
.

Nota-se que na redação da referida lei, o tráfico de drogas (artigo 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) não está elencado, mesmo depois da alteração legislativa de 2019, que incluiu como hediondo o roubo com emprego de arma de fogo entre outros. A antiga redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018 - revogada pela Lei nº 13.964, de 2019 – fazia a equiparação do tráfico com a hediondez para fins de progressão de regime nos seguintes termos:

Artigo 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto;
II – fiança
§ 2º: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)

Com a revogação do referido dispositivo (parágrafo 2º do artigo ), não remanesce nenhum comando legal para equiparação do tráfico ao delito hediondo, salvo a vedação contida no artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos que reproduziu a Constituição Federal para impedir a fiança e ser insuscetível de graça e anistia.

A nova redação da Lei nº 13.964, de 2019 – repito – revogou o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos) assim dispõe:

“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

A Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) ao revogar expressamente o dispositivo que equiparava a hediondez do tráfico de drogas como delito hediondo para fins de progressão de...

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