Acórdão nº 50868755920198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50868755920198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001541945
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5086875-59.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo (art. 157)

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

JÚLIO DA SILVA ALVES, 26 anos na data dos fatos (DN 23/02/1992), foi denunciado por incurso no artigo 157, §2º-A, inciso I, na forma do artigo 70, do Código Penal.

Os fatos, ocorridos na comarca de Porto Alegre, foram assim descritos na denúncia, recebida em 28/01/2019:

No dia 19 de julho de 2018, por volta das 22 horas, no interior do ônibus da linha São Borja – 624, prefixo 6760, durante o trajeto bairro/centro, quando trafegava pela Avenida Assis Brasil, nesta Capital, o denunciado JÚLIO DA SILVA ALVES subtraiu, para si ou para outrem, mediante grave ameaça, exercida com emprego de arma de fogo, o valor de R$ 80,00 (oitenta reais), em espécie, referente à féria do coletivo e outros pertences de vítimas não identificadas que estavam dentro do coletivo.

Na oportunidade, o denunciado embarcou no coletivo na parada que fica próxima ao Hospital Cristo Redentor e, durante o percurso, já nas proximidades da Gerdau, na Avenida Farrapos, puxou uma arma de fogo que carregava em sua cintura e anunciou o assalto, tendo se dirigido até o cobrador, ordenando-lhe que lhe fosse entregue o dinheiro da féria.

Ato contínuo, o criminoso ainda arrecadou os pertences dos passageiros que se encontravam no interior do veículo, os quais não foram identificados. Na sequência, de posse da res furtivae, o denunciado desembarcou do ônibus e empreendeu fuga em direção à Vila dos Papeleiros.

A res não restou recuperada.

Posteriormente, JÚLIO foi reconhecido, junto à Delegacia de Polícia, pessoalmente pelas vítimas Júlio e Gioser, como sendo o autor do roubo.

O denunciado é reincidente, porquanto possui condenação definitiva pela prática de delito contra o patrimônio, conforme Certidão Judicial Criminal.

Ultimada instrução, foi proferida sentença de parcial procedência da ação penal para condenar JÚLIO por incurso no artigo 157, §2º-A, inciso I, do Código Penal.

A DEFESA apelou, pretendendo a absolvição, alegando atipicidade da conduta, por ausência de dolo decorrente do uso de substâncias entorpecentes. Subsidiariamente, busca o reconhecimento da excludente da culpabilidade prevista no artigo 45 ou da causa de diminuição prevista no artigo 46, ambos da Lei de Drogas. Requer, ainda, o afastamento da majorante do emprego de arma e da pena pecuniária. Por fim, prequestiona a matéria.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença:

A existência do fato vem comprovada pelo registro de ocorrência (fls. 04/05) e pelos autos de reconhecimento (fls. 07, 13/15).

A autoria, diante do conjunto probatório, é induvidosa. Senão vejamos.

O réu Júlio da Silva Alves confessou a prática do roubo, tendo utilizado uma arma de fogo e subtraído uma quantia em dinheiro e um relógio. Afirmou estar sob efeito de crack na ocasião (mídia fl. 55).

A vítima Júlio Cesar Teixeira dos Santos, cobrador do ônibus, relatou que o acusado sentou próximo e, quando o coletivo estava na Av. Farrapos, anunciou o assalto, subtraiu cerca de R$ 80,00 da empresa e os bens de alguns passageiros, empreendendo fuga logo após. Posteriormente, na delegacia, realizou o reconhecimento pessoal do réu, sem sombra de dúvidas. Esclareceu ter visto o acusado utilizando uma arma para cometer o assalto. Em reconhecimento em juízo, achou o réu parecido com o autor do roubo, embora com mais barba e cabelo. Através da fotografia acostada aos autos, reconheceu o réu com certeza (mídia fl. 55).

A vítima Gioser Fernando Valentini, motorista do ônibus, relatou que o réu ingressou no coletivo com outros passageiros, passou a roleta, pagou e sentou, tendo anunciado o assalto na Av. Farrapos e empreendido fuga logo após. Na ocasião, além do cobrador, os passageiros do coletivo também foram assaltados, tendo visualizado o réu com uma arma na mão. Posteriormente, reconheceu o réu pessoalmente e por fotografia na delegacia. Em juízo, reconheceu o acusado como sendo o autor do roubo (mídia fl. 55).

Esta é a prova produzida.

Nesse passo, há elementos suficientes para servir de supedâneo à condenação do acusado. Consigna-se que a palavra da vítima em delitos como o da espécie merece ser recepcionada com especial valor para a elucidação do fato, até por que, não raras vezes, única pessoa que consegue perceber as características físicas dos assaltantes.

Verifica-se que, além de terem reconhecido o acusado na fase policial e em juízo, as vítimas se mostraram harmônicas e coerentes em seus relatos, descrevendo as circunstâncias do fato e a atuação do acusado, o que vem corroborado pelo próprio depoimento do réu, que confessou a prática do delito.

Sendo assim, estes elementos permitem uma avaliação positiva além de qualquer dúvida sobre a conduta do acusado. Aliás, não há insuficiências de provas – na forma pretendida pela defesa – mas sim provas robustas de que o réu foi o autor do roubo.

No que se refere à majorante do emprego de arma de fogo, verifica-se que restou amplamente demonstrada, uma vez que o emprego do armamento foi confirmado, em juízo, pelas vítimas e pelo acusado. A propósito, cumpre ressaltar que para a configuração do delito de roubo majorado pelo emprego de arma sequer se faz necessária a sua apreensão, bastando que a vítima confirme que a arma foi empregada (Recurso Especial e ou Extraordinário n.º 70074727272, Segunda Vice-Presidência, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 10/10/2017).

Por fim, não há que se falar em concurso formal de crimes, já que as demais vítimas e objetos subtraídos sequer foram identificados, havendo elementos nos autos tão somente quanto à subtração de valores da empresa de transporte coletivo.

Dessa maneira, tratando-se de fato típico e não existindo causas que excluam a ilicitude da conduta nem isentem o réu de pena, a condenação faz-se imperiosa.

POSTO ISSO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva e CONDENO JÚLIO DA SILVA ALVES às sanções do art. 157, §2º-A, inciso I, do Código Penal.

PASSO A FIXAR A PENA.

.../...

Porto Alegre, 30 de março de 2020.

Angelo Furian Pontes

Juiz de Direito, em regime de exceção.

E parte da justificativa do parecer, descartadas as referências jurisprudenciais:

3. No mérito, o recurso não merece provimento.

A materialidade e autoria delitivas restaram bem delineadas nos autos, tanto que sequer são objeto da presente irresignação, que se limita à pretensão de absolvição por atipicidade da conduta por ausência de dolo, sob o argumento de que o acusado praticou o delito completamente dominado pelos efeitos do consumo de substância entorpecentes.

Sem razão, contudo.

Isso porque eventual estado de embriaguez ou drogadição voluntária, por si só, não excluem a tipicidade da conduta praticada, bem como não isentam o agente de ser responsabilizado por sua conduta. Somente o consumo involuntário ou decorrente de caso fortuito ou força maior de álcool ou drogas tem o condão de eximir o autor do fato de eventual responsabilização penal, conforme disposto no art. 28, inciso II, do Código Penal, o que não se verifica no caso dos autos.

Nesse sentido:

.../...

Importante registrar, ainda, que eventual semi-imputabilidade decorrente do consumo de álcool ou substâncias análogas somente poderia ser comprovada através da instauração de exame de insanidade mental, o qual, em nenhum momento ao longo da instrução, foi requerido pela defesa.

Ademais, como bem destacado pela Promotora de Justiça, Dra. Lessandra Bergamaschi, em contrarrazões (fl. 87v), “como o próprio réu confirmou na audiência de instrução, o acusado decidiu subtrair dinheiro do ônibus, demonstrando, assim, além de consciência do ato ilícito que praticava, tinha plena capacidade de determinar-se de acordo com tal consciência, tendo, portanto, feito uma escolha, determinando-se a partir de uma vontade, estando evidente o dolo de sua conduta.”

Nesse contexto, não há falar em atipicidade da conduta por ausência de dolo, sendo impositiva a manutenção da condenação do acusado.

Do mesmo modo, descabida a pretensão de aplicação da excludente prevista no artigo 45 ou da causa especial de diminuição da pena prevista no artigo 46, ambos de Lei n.º 11343/06.

Sobre o tema, reitera-se o já exposto pelo Ministério Público em contrarrazões (fls. 88v/89v):

“Da impossibilidade de aplicação da excludente de culpabilidade do art. 45 e da causa da diminuição do art. 46 ambos da Lei n. 11.343/2006

Não merece prosperar a tese da Defesa, no sentido de isentar o réu da pena imposta, sob o fundamento de que este, à época dos fatos, não detinha a capacidade de compreender o caráter ilícito do delito perpetrado, em razão de dependência química.

Vejam-se os aludidos dispositivos:

Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de...

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