Acórdão nº 50871500820198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 22-06-2022

Data de Julgamento22 Junho 2022
ÓrgãoSexta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50871500820198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002118981
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5087150-08.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes Previstos no Estatuto do Torcedor

RELATOR: Desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença, in verbis:

O Ministério Público, com base no expediente policial nº 2009/2018/100320/A, ofereceu denúncia em face de DOUVER SILVA NUNES, qualificado à fl. 02, dando-o como incurso, por duas vezes, nas sanções do art. 41-B, caput, da Lei nº 10.671/2003, na forma do art. 71, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos:

“1º Fato Delituoso

No dia 14 de outubro de 2018, a partir das 16h16min, dentro do complexo Beira-Rio, nesta Capital, próximo ao Portão 7 de acesso ao Estádio, o denunciado DOUVER SILVA NUNES promoveu tumulto, incitou e praticou ato de violência por ocasião da partida entre Internacional e São Paulo, válida pelo Campeonato Brasileiro de Futebol.

Na oportunidade, o denunciado DOUVER SILVA NUNES, em decorrência de desentendimentos anteriores relativos ao contexto de torcedores organizados (motivo fútil), em frente ao acesso do Portão 7, discutiu veementemente e trocou golpes com Guilherme Pereira Zanetti (já denunciado nos autos do Processe nº 001/2.18.0090512-0), sendo flagrado pelo sistema de câmeras do Estádio Beira-Rio.

2º Fato Delituoso

No dia 27 de maio de 2018, 15h39min, dentro do complexo Beira-Rio, nesta Capital, no acesso ao Portão 7 do Estádio, o denunciado DOUVER SILVA NUNES, incitou e praticou ato de violência por ocasião da partida entre Internacional e Corinthians, válida pelo Campeonato Brasileiro de Futebol.

Naquela oportunidade, o denunciado DOUVER SILVA NUNES investiu violentamente contra o sistema de segurança do evento esportivo, com xingamentos e, inclusive, quebrando propositalmente uma das catracas de controle de acesso dos torcedores.

(...)”

Realizada audiência de instrução em 02.10.2019, a Defensoria Pública apresentou defesa prévia, sendo a denúncia recebida, fls. 56/7.

Em nova audiência, ausente o acusado, foi decretada a sua revelia. Procedeu-se à oitiva da testemunha Roberto Ordovás (fls. 68/70).

Levantada a revelia do réu, presente em audiência em 02/12/20. Foram ouvidas as testemunhas Paulo Ricardo França Rocha e Guilherme Pereira Zanetti, interrogado o réu e encerrada a instrução (fls. 98/99).

Em memoriais, o Ministério Público deu como provados os fatos da inicial e postulou a condenação, nos termos da denúncia (fls. 100/103).

Por sua vez, a defesa do acusado requereu sua absolvição, sustentando a insuficiência de provas para a condenação, fls. 106/111.

Sobreveio sentença de procedência da pretensão acusatória, ao efeito de julgar Douver Silva Nunes como incurso, duas vezes, nas sanções do art. 41-B, caput, da Lei nº 10.671/2003, na forma do art. 71, do Código Penal. Imposta ao réu pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, cumulada com multa de 20 (vinte) dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo nacional vigente à data dos fatos. Substituída a pena carcerária pelo afastamento dos estádios de futebol onde o Internacional atuar, independente de mando de campo, durante o prazo da totalidade da pena privativa de liberdade.

Sentença publicada em 20.01.2021.

Intimados da sentença o Ministério Público e, pessoalmente, o acusado.

Interposto recurso de apelação pela Defesa.

Em razões, requer a absolvição por insuficiência probatória. Afirma que as provas produzidas não fornecem elementos de autoria bastantes à prolação da condenação, eis que não se fazem presentes os requisitos a configurar o delito constante da denúncia. Refere que os prints colacionados pelo agente miniterial tampouco endossam o conteúdo da denúncia. Alude não ter se vislumbrado em qualquer momento a provocação e incitação de violência, ou prática de tumulto, por parte do acusado, sequer havendo violência ou agressão por ele levada a cabo. Discorre sobre o ônus da prova. Requer, enfim, a absolvição. Subsidiariamente, postula a redução do período de afastamento dos estádios de futebol. Afirma que o art. 41-B, §2º, do Estatuto do Torcedor, prevê período de afastamento dos jogos entre 03 meses e 03 anos. Invoca predicados pessoais favoráveis do apelante, reputando exagerado e injusto o período de 02 anos fixado na sentença. Postula, ainda, o afastamento da pena acessória de multa, ou sua respectiva redução.

Contrarrazões pelo órgão ministerial.

Parecer da douta Procuradoria de Justiça, por meio do qual se manifesta pelo conhecimento da irresignação defensiva e, no mérito, por seu desprovimento.

VOTO

Eminentes colegas:

Trata-se de apelação interposta pela Defesa de Douver Silva Nunes em face de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória, ao efeito de condená-lo como incurso, duas vezes, nas sanções do art. 41-B, caput, da Lei nº 10.671/2003, na forma do art. 71, do Código Penal.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da irresignação.

A fim de introduzir o exame do mérito, transcrevo a análise da prova realizada pelo juízo a quo:

Cuida-se de ação penal, em desfavor de DOUVER SILVA NUNES, denunciado pela prática de tumulto, delito tipificado no art. 41-B, caput, da Lei nº 10.671/2003, por duas vezes.

A materialidade dos fatos vem delineada no IP, das fls. 10/25, CDs das fls. 04 e 31, termos de declaração e relatórios de investigação (fls. 84/9).

FATO 01 – Tumulto, incitação e prática de ato de violência.

A autoria veio demonstrada pelas imagens extraídas junto ao sistema de monitoramento do Complexo Beira-Rio (fl. 31), as quais permitem uma clara identificação do acusado, além de se verem corroboradas pela prova oral.

Na ocasião, o réu protagonizou tumulto em frente ao acesso do Portão 7 do estádio Beira Rio, além de perpetrar atos de violência, quando partiu para a agressão contra Guilherme Pereira Zanetti, que confirmou a íntegra dos fatos, ainda que tenha tentado minimizar a sua gravidade.

Essas agressões, ainda que tenham ocorrido de forma mútua, não elidem a consumação do delito posto em liça, que tem por objetivo jurídico a prevenção de embates pessoais, no ambiente dos jogos de futebol profissional, fonte perigosa de violência generalizada.

Além disso, o coautor dos atos tumultuários – Guilherme Zanetti – também mereceu a resposta penal, pelos fatos que protagonizou, de modo que a reciprocidade da violência já mereceu exame em feito correlato.

Também, a posterior reconciliação, entre os brigões, ainda que seja alvissareira, não extrai o caráter ilícito dos fatos, que são graves e merecem a resposta penal.

Assim, em se envolvendo em fatos dessa gravidade, é forçosa a responsabilização de todos os seus protagonistas, na forma do que dispõe o art. 41-B, do Estatuto do Torcedor.

Nesse cenário, comprovada a prática do fato criminoso pelo acusado, sem qualquer causa elisiva do seu caráter delituoso, a condenação é consectário que se impõe.

FATO 02 – Incitação e prática de ato de violência.

Igualmente, a autoria do fato restou fartamente comprovada, tanto nas imagens extraídas junto ao sistema de vigilância do Estádio Beira Rio (fl. 04), como nos depoimentos da testemunha Roberto Ordovás, servidor do clube, responsável segurança, que, ainda que não tenha detalhado a conduta, confirmou a ocorrência do fato, envolvendo o réu.

Diante das filmagens trazidas aos autos, ficou clara a violência praticada por Douver, na medida em que, contrariado pela impossibilidade de ingressar na partida, destruiu uma das catracas de acesso ao Estádio Beira-Rio.

Ao contrário do que alegado pelo denunciado, não se vislumbra, nas imagens acostadas aos autos, qualquer tipo de “empurra empurra” , ou confusão no local, naquele momento. Em verdade, resultou bastante perceptível a intenção do réu, voltada para danificar o equipamento.

Por tais razões, impositiva a sua condenação, pela autoria do 2º fato descrito na inicial acusatória.

Por fim, saliento que os delitos são autônomos, ocorreram em momentos e circunstâncias distintos, pelo que descabe o reconhecimento da minorante do crime continuado.

Houve, isto sim, o concurso material de crimes.

Estão provados os delitos descritos na denúncia, que vieram aos autos de forma escorreita, sem qualquer evidência de qualquer fundamento, com o condão de esmaecer o caráter delituoso desses fatos.

A condenação se impõe.

Pois bem.

Revolvido o arcabouço probatório, entendo inarredável a condenação do réu pela prática do delito imputado no primeiro fato da exordial.

Com efeito, a análise dos depoimentos colacionados, bem como dos vídeos oriundos do sistema de videomonitoramento do Estádio Beira Rio, demonstram ter sido inconteste que, à ocasião, Douver promoveu tumulto, incitou e praticou ato de violência por ocasião da partida entre Internacional e São Paulo.

Em primeiro lugar, o vídeo demonstrativo do evento [Evento 11 - Arquivo de Vídeo 1] elide quaisquer possíveis dúvidas acerca do ato de violência levado a cabo por Douver. Em síntese, o registro retrata um grupo de torcedores chegando ao estádio Beira Rio, no dia 14.10.2018, por volta das 15h49min. Às 15h52min15seg, um indivíduo de boné vermelho e camiseta vermelha do Internacional (o réu Douver), juntamente a uma mulher e um homem, ambos de trajes vermelhos, aproxima-se do grupo onde estava o indivíduo de casaco e capuz pretos (Guilherme Pereira Zanetti, processado por estes mesmos fatos no âmbito do feito nº 001/2.18.0090512-0), interpelando-o. Ato contínuo, o acusado Douver se aproxima e desfere um soco (15h52min20seg) contra Guilherme, o qual revida com um chute. O homem e a...

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