Acórdão nº 50873779520198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 18-07-2022

Data de Julgamento18 Julho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50873779520198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002430068
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5087377-95.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação (art. 180)

RELATORA: Desembargadora MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra TAÍS CARBONEL FRANCO, imputando-lhe as condutas subsumidas no artigo 180, caput, do Código Penal, c/c o artigo 309 da Lei nº 9.503/97, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

“1º FATO (artigo 180, caput, do Código Penal):

No dia 02 de novembro de 2019, na Rua São Benedito, n.º 177, bairro Bom Jesus, nesta Capital, a denunciada TAIS CARBONEL FRANCO recebeu ou adquiriu, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabia ser produto de crime, consistente no veículo Hyundai IX35 de placas IWF6972, pertencente à vítima João B.P. , o qual fora roubado no dia 31/10/2019, por volta das 21h35min, em via pública, na Av. Doutor Nilo Peçanha, n.º 1737, em Porto Alegre/RS.

2º FATO (artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro):

Nas mesmas condições de tempo e local do 1º FATO, a denunciada TAIS CARBONEL FRANCO dirigia, em via pública, o automóvel Hyundai IX35 de placas IWF6972, sem permissão para dirigir, gerando perigo de dano. Na oportunidade, policiais militares estavam em patrulhamento de rotina, quando avistaram o referido veículo trafegando em via pública, o qual constava em situação de roubo. A acusada estava dirigindo o carro, fazendo manobras perigosas, colocando em risco transeuntes e outros motoristas, freando e arrancando de modo brusco, motivo pelo qual a perseguiram e, em seguida, realizaram a abordagem. Durante a abordagem, os agentes constataram que a denunciada estava alcoolizada, não tendo encontrado nada de ilícito em revista pessoal. Em decorrência da situação de roubo do automóvel, foi dada voz de prisão em flagrante a denunciada, a qual foi conduzida à Delegacia de Polícia para a lavratura do respectivo auto. A acusada tinha ciência da origem ilícita do bem, pois não possuía documentação do veículo, tampouco qualquer comprovação de sua posse lícita. Além disso, como já referido, TAÍS não possuía permissão para conduzir veículo automotor. (...).”

A denúncia foi recebida em 09/12/2019, sendo determinada a citação da ré.

Citada, a ré apresentou resposta à acusação.

Afastadas as hipóteses de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento, na qual foi revogada a prisão domiciliar e interrogada a ré (fls.115/119).

O Ministério Público apresentou alegações escritas postulando a procedência da ação penal (fls. 132/135).

A defesa alegou insuficiência probatória quanto ao conhecimento da origem ilícita do bem, sendo o pedido ministerial unicamente baseado nas palavras dos policiais, bem como a aplicação do princípio in dubio pro reo em benefício da acusada.

Subsidiariamente, requereu a desclassificação para a modalidade culposa e, ainda, a insuficiência probatória acerca do perigo de dano no delito de direção sem habilitação, pois sua conduta não lesionou ou ofendeu o bem juridicamente protegido. Colacionou ementas e postulou a absolvição nos termos do art. 386, II, III e VII, do CPP (137/139).

Sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a ação penal condenando a ré nas sanções do art. 180, caput, do Código Penal, às penas de 01 ano e 03 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária), absolvendo-a das sanções do art. 309 do CTB nos termos do art. 386, VII, do CPP.

Irresignada com a sentença, a ré apelou através da Defensoria Pública (fls. 147).

Em suas razões recursais de fls. 149/153, aduziu, em síntese, a necessidade da absolvição por ausência probatória ante a falta de comprovação do dolo.

Asseverou que inexiste nos autos provas capazes de apontar a autoria do delito imputado e afastar a presunção de inocência que milita em favor da ré, porquanto não demonstrado o dolo em cometer o crime de receptação, sendo absurda a afirmação de que a acusada tinha ciência da origem ilícita do veículo, sendo equivocada a inversão do ônus da prova que pertence ao órgão acusador, devendo a ré ser absolvida em homenagem ao princípio in dubio pro reo.

Subsidiariamente, postulou da desclassificação do delito para receptação culposa, porquanto não há prova esclarecedora do conhecimento da ré acerca da ilicitude do bem.

Por fim, mantida a condenação nos termos da denúncia, requereu a redução do apenamento, sendo a pena-base reduzida ao patamar mínimo. Postulou a concessão de AJG.

Prequestionou os dispositivos legais apontados e pugnou pelo provimento do apelo, com a reforma da sentença condenatória, com a absolvição da ré nos termos do artigo 386, incisos III, IV e/ou VII, do CPP ou, subsidiariamente, a desclassificação para o delito de receptação culposa, a redução do apenamento e a substituição da pena privativa de liberdade por apenas uma restritiva de direitos, bem como a isenção da multa e das custas processuais.

Em contrarrazões de fls. 158/162v., o Ministério Público rebateu as articulações expendidas pela Defensoria Pública em suas razões recursais, postulando pelo improvimento do recurso.

Subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos a esta Relatora.

Neste grau de jurisdição, dada vista ao Ministério Público, veio aos autos parecer no sentido do improvimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de apelação crime interposta por TAÍS CARBONEL FRANCO, através da Defensoria Pública, em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação penal, condenando-a nas sanções do art. 180, caput, do Código Penal, às penas de 01 ano e 03 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária), absolvendo-a das sanções do art. 309 do CTB nos termos do art. 386, VII, do CPP.

A materialidade e autoria restaram consubstanciadas pelo Registro de Ocorrência, pelo Auto de Apreensão da fl. 20, pelo Auto de Avaliação Indireta da fl. 69, bem como pela prova oral produzida em Juízo.

Visando evitar tautologia, adoto, aqui, a transcrição dos depoimentos judiciais constante no parecer ministerial:

"O policial militar Alberto Kersten Coelho, quando ouvido em Juízo, narrou que estavam em patrulhamento quando avistaram o veículo IX35 realizando manobras na via. Disse que era visível que a motorista tinha dificuldade em dirigir o veículo. Mencionou que identificaram a placa do automóvel na relação que possuíam, visto que havia sido roubado no dia anterior. Que, ao reconhecerem a placa, realizaram a abordagem. Informou que, no momento, a ré narrou que estava em um churrasco com amigos que pagaram para que levasse o referido veículo até determinado endereço. Afirmou que o automóvel estava com a placa original. Acrescentou que a acusada tinha sinais de estar alcoolizada, pois falava estranho e tinha cheiro de bebida alcoólica. Não recordou se ela possuía documentação do carro e carteira de motorista.

Em relato bastante semelhante ao de seu colega, o policial militar Paulo Cezar Bernardi Júnior contou que já tinham conhecimento de que um veículo IX35, de cor prata, havia sido objeto de roubo. Que durante patrulhamento de rotina avistaram um carro freando, realizando manobras bruscas, motivo pelo qual resolveram abordá-lo. Perceberam, após consulta, se tratar do veículo em situação de furto e roubo. Contou que, na sequência, realizaram a abordagem e surpreenderam a acusada conduzindo o veículo. Mencionou que, no momento da abordagem, a ré informou que iria receber um dinheiro para levar o carro até determinado local. Não recordou se ela parecia estar alcoolizada.

Por ocasião do seu interrogatório, a acusada Taís Carbonel Franco optou por permanecer em silêncio acerca das acusações." (grifos nossos).

Bem andou o Magistrado singular na conclusão condenatória, cujas razões de decidir passo a transcrever:

"[...] Das circunstâncias externas do delito e do comportamento do agente, conclui-se que demonstrado nos autos, com prova suficiente, no sentido em que a ré sabia da origem criminosa do bem.

Como estaria na posse de um bem tão valioso, sem nenhuma documentação ou preocupação em demonstrar a que título possuía o automóvel. Ademais, ter referido para os policias que recebeu dinheiro para levar o carro até outro lugar consolida a demonstração do elemento anímico de que sabia da origem ilícita do bem, mormente se assomado ao fato de transitar sem nenhuma documentação, sequer carteira de motorista.

No sentido acima, APR 20170310006775 -DFT2ª Turma Criminal, rel. João Timóteo de Oliveira. In NUCCI, CP Comentado, 19ª ed., p. 1088.

“Se as circunstâncias demonstram que o veículo foi apreendido na posse do réu que o conduzia em via pública se a documentação necessária, resta demonstrado claramente que o réu sabia de sua procedência ilícita. Portanto, configurado está o dolo específico para o crime de receptação previsto no art. 180, caput, do Código Penal. Na espécie, ocorre a inversão do ônus de demonstrar que o apelante não conhecia a origem ilícita da coisa objeto da receptação, sendo inviáveis os pleitos de absolvição e de atipicidade da conduta”.

Assim, não é o caso de desclassificação para a modalidade culposa, sendo a prova firme e sem razão concreta para infirmar, tirar a força ou enfraquecer aquilo testemunhado pelos agentes públicos, cujas palavras, no caso, assumem especial relevo diante de suas atuações presenciais no evento.

No que concerne ao crime do art. 309 do Código de Trânsito,...

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