Acórdão nº 50880723320218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50880723320218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001910867
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5088072-33.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR: Desembargador MARCO AURELIO HEINZ

AGRAVANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: LINDOLFO RODRIGUES DA SILVA

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

MINISTÉRIO PÚBLICO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INTERESSADO: MUNICÍPIO DE CANDELÁRIA

RELATÓRIO

Adoto relatório de quando julgado o recurso:

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL porquanto inconformado com a decisão que, nos autos da ação ajuizada por LINDOLFO RODRIGUES DA SILVA contra o ora recorrente e contra o MUNICÍPIO DE CANDELÁRIA, rejeitou os embargos de declaração opostos pelo ora agravante.

Em suas razões recursais, o ente público estadual faz uma síntese do feito. Revela que a parte autora ajuizou ação ordinária, com pedido de antecipação da tutela, postulando a condenação do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Candelária a fornecer a avaliação com especialista em oncologia clínica, o tratamento oncológico respectivo e o procedimento de gastrostomia, para o tratamento da doença que afirma ser portadora. Firma que a fixação de multa em caso de descumprimento da ordem judicial é inadequada e exorbitante para a hipótese trazida aos autos. Sustenta que a decisão vergastada, ao cominar “astreintes” no caso concreto, no particular, malferiu os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como violou as normas dos artigos 536, caput e § 1º, 537, caput, e, 805, caput, todos do Código de Processo Civil. Assevera que o provimento judicial, na parte em que cominou multa pecuniária, agrediu os princípios da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade, pois não restou demonstrado o descumprimento ou mesmo a resistência ao cumprimento da obrigação. Entende que nenhuma sanção, restrição de direito ou medida de coerção excepcional pode ser aplicada imotivadamente, sem que existam razões suficientes para justificar sua aplicação. Não há motivação plausível para aplicação de multa coercitiva sem que, pelo menos, o obrigado tenha resistido injustificadamente ao cumprimento do provimento judicial. Colaciona julgados. Requer a concessão de efeito suspensivo ao presente instrumento, suspendendo-se a incidência da multa, ao menos até o final julgamento do agravo. Pugna pelo integral provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões.

Nesta instância, opina o Ministério Público pelo conhecimento e parcial provimento do recurso.

Em 17 de agosto de 2021, esta 21ª Câmara Cível, à unanimidade, deu provimento ao recurso para afastar a imposição de multa diária para caso de descumprimento da obrigação.

Inconformado, o autor interpôs Recurso Especial.

Foram apresentadas contrarrazões ao Recurso Especial.

Em 10 de março do corrente ano, o 1º Vice-Presidente deste Tribunal de Justiça, Desembargador Alberto Delgado Neto, encaminhou os autos a este Relator para analisar a possibilidade de retratação à luz do Tema 98 do Superior Tribunal de Justiça.

Os autos vieram conclusos em 11 de março de 2022.

É o relatório.

VOTO

Compulsando os autos, denota-se que a parte autora, senhor Lindolfo Rodrigues da Silva, foi diagnosticado com NEOPLASIA MALIGNA DO ESÔFAGO, CID 10 C15, necessitando realizar com urgência tratamento oncológico e procedimento de gastrostomia.

Verifica-se, diante da análise dos documentos acostados aos autos originários, que o diagnóstico da doença ocorreu entre o final de 2020 e início de 2021, tendo o autor, em 05/01/2021, protocolado perante a Secretaria Municipal de Saúde pedido de consulta com especialista em oncologia clínica.

Os laudos médicos juntados, datados de 24 de abril do corrente ano, dão conta da urgência na realização do procedimento postulado, sendo noticiado, como consequência da não realização do mesmo, quadro grave de desidratação e caquexia seguido de morte.

Ao receber a ação, em 30 de abril de 2021, o magistrado a quo deferiu a tutela de urgência e determinou a intimação dos demandados para que indicassem, em 10 dias, especialista em oncologia clínica, com a data da primeira consulta, bem como para que garantissem o subsequente tratamento oncológico e o procedimento de gastrostomia do autor, de acordo com prescrição médica, sob pena de bloqueio de valores para custear o tratamento em caráter particular.

Opostos embargos de declaração pelo autor, os mesmos restaram rejeitados, conforme decisão de Evento 13 dos autos originários.

No Evento 21, peticionou o Estado do Rio Grande do Sul, informando do agendamento de consulta para o autor, na data de 02/06/2021, às 12h55min, no Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul.

No evento 23, peticionou o autor, informando que seu quadro de saúde vinha piorando drasticamente dia-a-dia, asseverando a impossibilidade de se aguardar até 02/06/2021 para a avaliação com especialista e início do tratamento, juntando atestado médico comprovando o alegado.

Em 17 de maio de 2021, o magistrado a quo, tendo em vista o agravamento da situação do autor, nos termos da petição do Evento 23 e atestado médico a ela anexado, determinou nova intimação dos réus, em caráter urgentíssimo, para que providenciassem a consulta no prazo máximo e impostergável de 05 dias, sob pena de multa diária de R$5.000,00.

No evento 32 o Estado do Rio Grande do Sul opôs embargos de declaração da decisão supracitada, os quais restaram desacolhidos conforme decisão do Evento 34, decisão ora recorrida.

O Estado do Rio Grande do Sul, conforme já explanado no relatório supracitado, insurgiu-se, em suas razões recursais, com a cominação de multa para o caso de descumprimento do fornecimento do medicamento postulado.

Pois bem.

O feito retornou a este Relator em razão de eventual possibilidade de juízo de retratação, diante do entendimento consolidado no julgamento pela Segunda Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça do Recurso Especial Paradigma nº 1.474.665/RS – Tema 98/STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos, cuja ementa colaciono abaixo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC/1973. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DE MOLÉSTIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) COMO MEIO DE COMPELIR O DEVEDOR A ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO NORMATIVO INSERTO NO § 5º DO ART. 461 DO CPC/1973. DIREITO À SAÚDE E À VIDA.

1. Para os fins de aplicação do art. 543-C do CPC/1973, é mister delimitar o âmbito da tese a ser sufragada neste recurso especial representativo de controvérsia: possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros.

2. A função das astreintes é justamente no sentido de superar a recalcitrância do devedor em cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer que lhe foi imposta, incidindo esse ônus a partir da ciência do obrigado e da sua negativa de adimplir a obrigação voluntariamente.

3. A particularidade de impor obrigação de fazer ou de não fazer à Fazenda Pública não ostenta a propriedade de mitigar, em caso de descumprimento, a sanção de pagar multa diária, conforme prescreve o § 5º do art. 461 do CPC/1973. E, em se tratando do direito à saúde, com maior razão deve ser aplicado, em desfavor do ente público devedor, o preceito cominatório, sob pena de ser subvertida garantia fundamental. Em outras palavras, é o direito-meio que assegura o bem maior: a vida. Precedentes: AgRg no AREsp 283.130/MS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 8/4/2014; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.063.902/SC, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 1/9/2008; e AgRg no REsp 963.416/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 11/6/2008.

4. À luz do § 5º do art. 461 do CPC/1973, a recalcitrância do devedor permite ao juiz que, diante do caso concreto, adote qualquer medida que se revele necessária à satisfação do bem da vida almejado pelo jurisdicionado. Trata-se do "poder geral de efetivação", concedido ao juiz para dotar de efetividade as suas decisões.

5. A eventual exorbitância na fixação do valor das astreintes aciona mecanismo de proteção ao devedor: como a cominação de multa para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer tão somente constitui método de coerção, obviamente não faz coisa julgada material, e pode, a requerimento da parte ou ex officio pelo magistrado, ser reduzida ou até mesmo suprimida, nesta última hipótese, caso a sua imposição não se mostrar mais necessária. Precedentes: AgRg no AgRg no AREsp 596.562/RJ, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 24/8/2015; e AgRg no REsp 1.491.088/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 12/5/2015.

6. No caso em foco, autora, ora recorrente, requer a condenação do Estado do Rio Grande do Sul na obrigação de fornecer (fazer) o medicamento Lumigan, 0,03%, de uso contínuo, para o tratamento de glaucoma primário de ângulo aberto (C.I.D. H 40.1). Logo, é mister acolher a pretensão recursal, a fim de restabelecer a multa imposta pelo Juízo de primeiro grau (fls. 51-53).

7. Recurso especial conhecido e provido, para declarar a possibilidade de imposição de multa diária à Fazenda Pública. Acórdão...

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