Acórdão nº 50883481220218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50883481220218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001933026
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5088348-12.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto (art. 155)

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

LEANDRO RENE ROSA DOS SANTOS, 49 anos na data do fato (DN 10/07/1972), foi denunciado por incurso no artigo 155, caput, do Código Penal.

O fato, ocorrido na comarca de Porto Alegre, foi assim descrito na denúncia:

"FATO DELITUOSO:

No dia 08 de agosto de 2021, cerca de 11h00min, na Rua Araci Dantas de Gusmão, n° 17, bairro Alto Petrópolis, nesta Capital, em via pública, o denunciado LEANDRO subtraiu, para si ou para outrem, 01 (uma) carteira marrom, com cartões em seu interior, chaves e dinheiro; 01 (um) pote, cor azul; e 01 (uma) sacola, conforme Auto de Apreensão n° 31563/2021/100829, avaliados em R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), conforme Auto de Avaliação Indireta, constante no Evento 17, AUTO4, fl. 01/02, pertencentes à vítima S.L.L.

Na ocasião, a vítima S.L.L. caminhava pela referida via, carregando em suas mãos uma sacola, que continha em seu interior: 01 (uma) carteira marrom, com cartões, chaves e dinheiro, e 01 (um) pote, cor azul.

Em seguida, um indivíduo, posteriormente identificado como sendo o denunciado LEANDRO RENE ROSA DOS SANTOS, passou pela ofendida e subtraiu, para si, mediante arrebatamento, a sacola que estava nas mãos de S.L.L., juntamente com os objetos que estavam dentro dela.

De posse efetiva da res furtivae, o denunciado LEANDRO empreendeu fuga do local, correndo, oportunidade em que a vítima permaneceu no seu encalço, com a finalidade de recuperar os seus pertences.

Ato contínuo, populares perceberam o que estava ocorrendo, e então auxiliaram a vítima na perseguição ao acusado LEANDRO. Na tentativa de escapar do encalço dos populares, o imputado então adentrou em um beco; porém, não obteve êxito na sua fuga, tendo em vista que restou capturado pelas pessoas que o perseguiam.

Tendo em vista que no momento da captura do imputado diversas pessoas estavam gritando na rua, em alvoroço, a testemunha Leonei Chapuis dos Santos, Agente da Polícia Legislativa, acabou ouvindo, de sua casa, o escarcéu que estava ocorrendo na rua, razão pela qual decidiu ir verificar o que estava ocorrendo. Após inteirar-se do ocorrido, a referida testemunha fez o uso de algemas para deter o denunciado LEANDRO, oportunidade em que as pessoas que se encontravam no local acionaram a Brigada Militar.

Pouco depois, a policial militar JÉSSICA DIANA DOS SANTOS RIBEIRO BONIFÁCIO, lotada no 20° BPM, foi despachada para o local, onde deparou-se com o denunciado LEANDRO, já detido, oportunidade em que o mesmo recebeu voz de prisão em flagrante delito, sendo ele conduzido à 3ª DPPA para a lavratura dos atos de praxe.

A res furtivae restituída à vítima S.L.L., conforme Auto de Restituição n° 31564/2021/100829.

O denunciado LEANDRO praticou o delito descrito em epigrafe durante a vigência do Decreto n.º 55.713/2021, editado pelo Governo Estadual em 11 de janeiro de 2021, ratificado pelos decretos posteriores, o qual decretou estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo coronavírus).

Em 30 de agosto de 2021, a denúncia foi rejeitada.

O MINISTÉRIO PÚBLICO apelou, pretendendo o recebimento da denúncia. Sustenta que estão presentes os pressupostos processuais e condições para a procedência da ação penal. Afirma que o fato descrito na denúncia é típico, ilícito e culpável, tendo o ordenamento jurídico previsto sanções para essa conduta.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo provimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a decisão apelada:

VISTOS.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra LEANDRO RENE ROSA DOS SANTOS, dando-o como incurso nas sanções do artigo 155, caput, do Código Penal, com incidência da agravante do artigo 61, inciso II, alínea “j”, do Código Penal.

O caso concreto diz respeito a tentativa de subtração de “01 (uma) carteira marrom, com cartões em seu interior, chaves e dinheiro; 01 (um) pote, cor azul; e 01 (uma) sacola”, avaliados em R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), de propriedade de Solange Luisa Legramante.

Dessa simples afirmação, é possível concluir, em tese, pela adequação formal da conduta imputada ao crime denunciado. No entanto, não basta isso para desencadear ação penal – e, muito menos, condenação.

É imprescindível à caracterização do crime de furto a ocorrência de concreto dano ao patrimônio da vítima (que é o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora), porém isso não aconteceu. Veja-se que, além de o fato não ter se consumado, seu valor era diminuto, irrisório, portanto, incapaz de repercussão na esfera do ofendido.

Ora, fazer incidir o Direito Penal nesse contexto implicaria punição desproporcional à gravidade do – em tese – delito, de parca repercussão concreta e social. O poder público há de se ocupar, usando a força da mão do Estado, contra os delitos efetivamente danosos. Logo, a solução mais adequada é a aplicação do princípio da insignificância, para o fim de rejeitar a denúncia, tendo em vista a ausência de justa causa para o exercício da ação penal.

É importante destacar que os objetos subtraídos foram, em sua integralidades, restituídos à vítima. Dando suporte à afirmação de que o sujeito passivo não restou lesionado.

Afora isso, dentre os objetos substraídos, observa-se que havia cartões chaves, um pote e uma sacola. Tratam-se de bens que sequer se pode dar uma dimensão econômica a eles.

Não houve no auto de apreensão narrativa de quanto, em dinheiro, o suspeito tentou subtrair da vítima, fazendo crer que a avaliação dos objetos substraídos levou em consideração, tão somente, a carteira e os bens acima indicados. Portanto, observa-se que a estimativa de valor dos objetos subtraídos já foi feita de forma acima de sua real cotação (ainda mais quando não há identificação da possível marca dos pertences).

Assim, analisando a tipicidade, em sua forma conglobante, não é possível afirmar que houve afetação da tipicidade material, o que seria indispensável ao recebimento da denúncia e uma eventual condenação.

Não diferente é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça gaúcho, consoante ementas abaixo transcritas:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Mérito. Recurso ministerial contra sentença absolutório. Imputação denuncial de tentativa de furto de dois frascos de condicionador, avaliados conjuntamente em R$ 24,00, com prisão flagrancial e restituição integral ao supermercado-vítima. Ínfimo valor das res furtivae – condizente com 3,04% do salário mínimo nacional vigente à época do fato –, banalidade do modus operandi empregado e ausência de prejuízo concreto ao ofendido que justificam, no caso concreto, a aplicação do princípio da insignificância,atraindo a atipia material da conduta. Absolvição mantida, com base no art. 386, inciso III, do CPP. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. UNÂNIME.” (Apelação Crime, Nº 70078962487, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em: 30-05-2019).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS (TRÊS VEZES) EM CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA INSURGÊNCIA DEFENSIVA. DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE DO RÉU RUDINEI. RECURSO DO RÉU FÁBIO PROVIDO. 1. Preliminar de ofício. Prescrição retroativa. Operada com relação ao réu Rudinei, com base no art. 109, V, c/c art. 115, primeira parte; art. 110, §1º, e art. 114, II, todos do CP. Extinta a punibilidade nos termos do art. 107, IV, do CP, julgado prejudicado o exame do mérito recursal no ponto. 2. Mérito. Princípio da Insignificância. Aplicabilidade. O valor de avaliação de cada uma das res não supera quantia equivalente a 10% do salário mínimo nacional vigente à época do fato, isto é, R$ 510,00. Conquanto os delitos tenham sido praticados em concurso de pessoas, extrai-se a mínima ofensividade da lesão jurídica provocada e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta praticada pelo corréu, considerando que foi cometida sem violência ou grave ameaça contra da pessoa, sendo, por isso, possível o reconhecimento do crime bagatelar no caso concreto. Pretensão recursal absolutória acolhida, para absolver o corréu Fabio dos Santos Luz, com base no art. 386, III, do CPP. À UNANIMIDADE, EM PRELIMINAR DE OFÍCIO, DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE DO RÉU RUDINEI, PORQUE OPERADA A PRESCRIÇÃO RETROATIVA. APELO INTEOSTO PELO RÉU FÁBIO PROVIDO, POR MAIORIA. ' (Apelação Crime, Nº 70078933579, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho Friedrich, Julgado em: 13-12-2018).

O Superior Tribunal de Justiça possui diversos julgados mantendo a rejeição da denúncia em situações simulares à narrada no processo:

“Furto. Imóvel desocupado. Batentes e tampa metálica. Ação. Não-prosseguimento. Insignificância. 1. A melhor das compreensões penais recomenda não seja mesmo o ordenamento jurídico penal destinado a questões pequenas Coisas quase sem préstimo ou valor. 2. Aos olhos do Relator, lícito é se invoque o princípio da insignificância, de modo que se exclua da tipicidade penal fatos penalmente insignificantes. 3. É insignificante, dúvida não há, lesão a patrimônio relativa à subtração de três batentes e uma tampa metálica de imóvel desocupado. A ação penal não há de ir para frente em hipótese como a dos autos. 4. A insignificância, é claro, mexe com a tipicidade, donde a conclusão de que fatos dessa natureza evidentemente não constituem crime. 5. Ordem de habeas corpus...

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