Acórdão nº 50886763920218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 22-06-2022

Data de Julgamento22 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50886763920218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002310044
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5088676-39.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: COMERCIAL DE ALIMENTOS DAMCARIS LTDA (IMPETRANTE)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

COMERCIAL DE ALIMENTOS DAMCARIS LTDA. e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apelam da sentença que concedeu, em parte, a ordem, nos autos do Mandado de Segurança nº. 5088676-39.2021.8.21.0001/RS, impetrado contra ato do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL (EVENTO 23 - SENT1):

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5088676-39.2021.8.21.0001/RS

IMPETRANTE: COMERCIAL DE ALIMENTOS DAMCARIS LTDA

IMPETRADO: SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL - ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - PORTO ALEGRE

SENTENÇA

Vistos.

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por COMERCIAL DE ALIMENTOS DAMCARIS LTDA contra suposto ato coator praticado pelo SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL, objetivando o reconhecimento do direito líquido e certo ao creditamento do ICMS, sob o regime não-cumulativo, relativamente aos valores expendidos na aquisição de insumos.

Esclarece a parte impetrante, em síntese, que é sociedade empresária atuante no comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios, restando compelida a efetuar o pagamento do ICMS. Alegou que, em razão do ICMS ser não-cumulativo, por expressa disposição constitucional, é permitido ao contribuinte creditar-se da parcela do imposto, por ele suportada, quando das aquisições de bens necessários para o desenvolvimento de suas atividades, no caso concreto, (i) uniformes e equipamentos de proteção individual para os trabalhadores; (ii) embalagens plásticas (sacolas, sacos plásticos e de papel); (iii) papel filme, bandejas (plásticas, de alumínio e de isopor) (iv) etiquetas para balança; (v) lubrificantes, peças e manutenção de refrigeradores e equipamentos para padaria/confeitaria e açougue; (vi) material de limpeza, higienização, dedetização, remoção de resíduos e serviços de limpeza e custos com água; e (vii) despesas com gás para padaria/confeitaria e empilhadeiras. Disse que o Estado do Rio Grande do Sul, todavia, não reconhece este direito aos contribuintes que, assim como a impetrante, estão sujeitos à substituição tributária para frente. Sustentou que a Constituição Federal e a Lei Complementar n. 87/96 não estabelecem restrições ao creditamento, exceto quanto às hipóteses de isenção e não-incidência do imposto, e daquelas decorrentes de atividades estranhas ao objeto social da empresa, daí a inconstitucionalidade e ilegalidade do ato administrativo. Postulou, nesse sentido, a concessão da segurança, a fim de obter o reconhecimento do direito ao creditamento de ICMS, sob o regime não-cumulativo, relativamente aos valores expendidos com os insumos indicados na inicial, bem como do direito à compensação dos valores pagos a maior, nos 5 (cinco) anos anteriores a proposição da ação judicial e durante a sua tramitação, com os tributos administrados pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, acrescidos da atualização monetária a partir do pagamento a maior pela Taxa acumulada da SELIC.

O Estado do Rio Grande do Sul requereu sua habilitação nos autos, a fim de que seja intimado de todos os atos subsequentes no processo.

Notificada, a autoridade impetrada prestou informações, sustentando, preliminarmente, que o mandado de segurança é utilizado contra "lei em tese" e que inexiste direito líquido e certo na presente ação, ressaltando, ainda, a inviabilidade do reconhecimento dos efeitos pecuniários retroativos pela via mandamental. No mérito, disse que a impetrante objetiva o creditamento de ICMS sobre aquisição de bens de uso e consumo, logo, deverá observar a limitação temporal prevista na Lei Complementar nº 87/96, que postergou para 1º de janeiro de 2033 a possibilidade de aproveitamento do crédito. Desse modo, pugnou pela denegação da segurança. Contudo, na hipótese de acolhimento da pretensão, sustentou que deve ser fulminada a aplicação do instituto da atualização monetária do crédito do ICMS, por não estar prevista na legislação estadual.

O Ministério Público opinou sejam rejeitadas as preliminares suscitadas e, no mérito, seja concedida, em parte, a ordem.

É o relatório.

Decido.

Pretende o impetrante, em resumo, que lhe seja garantido o aproveitamento dos créditos de ICMS decorrentes da aquisição de insumos necessários para o desenvolvimento de suas atividades, permitindo-se, ainda, a compensação dos créditos, respeitada a prescrição quinquenal.

Dentro desta ótica, as preliminares trazidas nas informações prestadas, no sentido da inadequação do mandado de segurança em razão de o pleito estar direcionado contra lei em tese, bem como da inexistência de prova pré-constituída de direito líquido e certo, não merecem prosperar.

A Súmula n. 266 do STF, de modo efetivo, veda o manejo de Mandado de Segurança contra lei em tese, justamente porque a ação “(...) pressupõe a alegação de lesão ou ameaça concreta a direito líquido e certo do impetrante.”1

Dessa forma, a utilização do mandado de segurança “(…) deverá recair, unicamente, sobre os atos destinados a dar aplicação concreta ao que se contiver nas leis, em seus equivalentes constitucionais.”2

Neste contexto é que, analisando a causa de pedir, o pedido e a prova pré-constituída carreada, conclui-se que o presente Mandado de Segurança não foi interposto contra lei em tese. Na verdade, forçosa é a conclusão de que o writ foi impetrado contra os efeitos práticos que decorrem da aplicação sistemática, por parte do Fisco estadual, da normativa de regência, com o que o ente público obsta que o contribuinte se credite do imposto pago na aquisição de mercadorias, alegadamente, utilizadas como insumos, sendo legítima a utilização do mandamus em hipóteses que tais.

Também não procede a alegada ausência de prova pré-constituída, haja vista que o conjunto probatório denota, ainda que sucintamente, que o contribuinte adquire as mercadorias que pretende se creditar, tal como comprovam as notas fiscais de algumas dessas compras.

No que diz respeito aos efeitos pretéritos pretendidos pelo impetrante, entendo que assiste razão à autoridade apontada como coatora. Conforme afirmado pelo eminente Des. Irineu Mariani, em decisão proferida no dia 24.04.2019, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 70080798705: "em relação ao período anterior ao ajuizamento, não se aplica a Súm. 213 do STJ, pela qual o mandado de segurança é adequado "para a declaração do direito à compensação tributária". Uma coisa é o direito líquido e certo ao creditamento e compensação a partir do ingresso do mandamus, reconhecido no item anterior, e outra é o creditamento retroativo."

Transcrevo, abaixo, a ementa do julgado acima, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. SACOLAS PLÁSTICAS. CREDITAMENTO E COMPENSAÇÃO DO ICMS. 1. As embalagens das mercadorias, sem as quais inclusive a comercialização fica inviabilizada, se agregam a estas nas operações de saída. Não constituem produtos destinados ao uso ou consumo do estabelecimento, muito menos integram o ativo fixo. Assim, pelo princípio da não cumulatividade, o adquirente das embalagens tem o direito líquido e certo de se creditar do ICMS sobre elas incidente nas operações de entrada. 2. O mandado de segurança não tem efeitos patrimoniais retroativos nem substitui a ação de cobrança. Inaplicabilidade da Súm. 213 do STJ em relação ao período pretérito. Uma coisa é o direito líquido e certo ao creditamento e compensação a partir do ingresso do mandamus, e outra é o creditamento retroativo. 3. Dispositivo. Apelação provida em parte e, no mais, sentença confirmada em remessa necessária.

(Apelação e Reexame Necessário Nº 70080798705, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 24/04/2019)

Ingressando no mérito propriamente dito, no caso concreto, a hipótese é de parcial concessão da segurança. Explico.

A Constituição Federal, em seu artigo 155, § 2º, inciso I, expressamente, estabelece o princípio da não-cumulatividade do ICMS, assegurando o direito de crédito e de aproveitamento através da compensação.

No mesmo sentido, os artigos 19 e 20 da LC n. 87/96:

“Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.
§ 1º Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento”
.

Transcrevo, no ponto, por esclarecer de forma didática a questão ora controvertida, excerto do voto proferido pelo Des. Miguel Ângelo da Silva nos autos da AC n. 70080883325, julgada pela 22ª Câmara Cível do TJRS em 25.04.2019, in verbis:

De regra, somente a entrada de mercadorias que se destinam à revenda, isto é, que se incorporam ao processo produtivo, geram direito ao creditamento. Já os...

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