Acórdão nº 50888208120198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 11-08-2022

Data de Julgamento11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50888208120198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002472601
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5088820-81.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

APELANTE: MATUSALÉM FERREIRA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação do réu Matusalém Ferreira contra sentença do Juízo da 1ª Vara Criminal do Foro Regional do Partenon, da Comarca de Porto Alegre/RS, que julgou procedente a ação penal para condená-lo como incurso nas sanções do art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, às penas de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, e 11 (onze) dias-multa, à razão unitária mínima, pela prática do seguinte fato:

No dia 20 de março de 2019, por volta das 03h30min, na Rua Paulo Guilherme Lourenço, em via pública, em frente ao nº 100, Bairro Lomba do Pinheiro, nesta Capital, o denunciado Matusalém Ferreira portava 18 (dezoito) cartuchos calibre .12, de uso permitido (auto de apreensão de fl. 17), sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. Por ocasião do fato, o denunciado Matusalém foi avistado por uma guarnição policial em patrulhamento de rotina junto de outro indivíduo que, ao visualizar os policiais militares, empregou fuga. O denunciado ficou parado no local e foi abordado pelos milicianos. Durante revista pessoal, foram localizados, no interior de uma meia que estava com o acusado, 18 (dezoito) cartuchos de calibre 12, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Nas razões, a Defensoria Pública postulou a absolvição do réu. Sustentou insuficiência probatória, sob fundamento de que o depoimento de apenas um policial não é bastante para ensejar a condenação. Ainda, alegou atipicidade da conduta, pois apreendida quantidade ínfima de munições em poder do acusado. Subsidiariamente, pugnou pela neutralização da vetorial dos antecedentes criminais, a isenção ou suspensão da pena de multa, além da isenção das custas processuais (AP, ev. 3, PROCJUDIC5, p. 36 e ss).

Nas contrarrazões, o Ministério Público postulou o improvimento do apelo defensivo (AP, ev. 3, PROCJUDIC5, p. 47 e ss).

Nesta instância, o Procurador de Justiça, Dr. Gilmar Bortolotto, opinou pelo parcial provimento do recurso, ao efeito de substituir a pena de prestação pecuniária por outra restritiva de direitos.

VOTO

O réu, tecnicamente primário1, restou condenado em primeira instância porque supostamente abordado, em via pública, portando 18 munições, calibre .12, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar - conduta que tipifica, em tese, o delito previsto no art. 14, da Lei 10.826/03.

No mérito, a materialidade e autoria delitiva foram comprovadas através do auto da prisão em flagrante (p. 11), boletim de ocorrência (p. 18/20), auto de apreensão (p. 21), mandado de prisão (p. 44) - todos constantes no ev. 3, PROCJUDIC1, da AP; do laudo pericial (AP, ev. 3, PROCJUDIC2, p. 24); bem como da prova oral colhida em juízo.

Tocante à autoria, o réu optou por exercer seu direito constitucional de permanecer em silêncio.

Renan Zdruikoski, Policial Militar, relatou que, em patrulhamento de rotina, avistaram dois indivíduos em via pública que empreenderam fuga ao avistar a guarnição. Conseguiram abordar o acusado, ao passo que o outro logrou êxito em evadir-se do local. Em revista pessoal, encontraram dezoito munições enroladas em uma meia.

Essas as provas.

Com efeito, não se tem dúvida quanto à imparcialidade do agente público ouvido em juízo, inexistindo demonstração de que tivesse interesse de prejudicar o réu. Suas alegações apresentaram-se verossímeis e coerentes, estando em harmonia com o que foi dito em sede policial e de acordo com as demais provas coligidas aos autos, dando conta da apreensão de munições em poder do réu.

O PM Renan ratificou, em juízo, as informações que prestou na seara administrativa (AP, ev. 3, PROCJUDIC1, p. 13), as quais estão de acordo com as declarações de seu colega, PM Otavio Vieira Bueno, que somente prestou depoimento no inquérito policial, dando conta que abordaram o réu em via pública portando 18 munições, sem devida autorização legal ou regulamentar.

Os depoimentos das autoridades policiais possuem reconhecida idoneidade, porquanto revestidos de fé pública, bem assim são elementos legítimos a fundamentar o juízo condenatório, quando colhidos sob o crivo do contraditório e do devido processo legal, sendo imprescindível, para esse efeito, que suas alegações convirjam às demais provas dos autos2 - tal como ocorreu na espécie.

Outrossim, tratando-se de delito de perigo abstrato e de mera conduta, é prescindível a demonstração de lesividade ao bem jurídico tutelado, a qual é presumida pelo tipo penal. Dessa forma, o simples ato de "portar" arma de fogo e/ou munições de maneira irregular faz com que haja a consumação delitiva. Antecipa-se a tutela penal a fim de evitar a prática de crimes mais graves utilizando arma de fogo. Essa interpretação, aliás, é referendada pela jurisprudência do STF e STJ3.

Tocante à adequação típica, o entendimento desta 4ª Câmara Criminal foi readequado ao efeito de se alinhar à posição dos Tribunais Superiores sobre o porte ilegal de munição. De acordo com o entendimento, que, aliás, sempre refletiu a compreensão deste relator sobre a matéria, a conduta do agente que for flagrado em poder de quantidade ínfima de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, não representará ofensa para o bem jurídico tutelado pelo tipo penal, face à desproporcionalidade da resposta penal. Isso porque o Direito Penal como ultima ratio, tem sua aplicação restrita aos bens jurídicos fundamentais, e para configuração da infração penal, exige-se que o interesse socialmente relevante e protegido penalmente, sofra uma ofensa efetiva, daí a razão de ser indispensável um mínimo de ofensividade da conduta ao bem jurídico protegido.

Nesse sentido: "Esta Corte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT