Acórdão nº 50895632320218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50895632320218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002133306
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5089563-23.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: BRAZ ITAMAR SOARES GOMES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO contra a sentença que julgou procedente a ação de revisão de contrato n. 50895632320218210001, movida por BRAZ ITAMAR SOARES GOMES.

O dispositivo da sentença está assim redigido (ev. 34):

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 3801531752 à taxa média de mercado à época da contratação, de acordo com a taxa de juros estabelecida pelo Banco Central do Brasil na série 254671, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador do requerente.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A parte apelante, PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, em suas razões, sustenta a prescrição quinquenal da pretensão da parte autora, a teor do art. 27 do CDC.

Alega que a repetição do indébito prescreve em três anos, a teor do art. 206, §3º, IV, do CCb.

Menciona a impossibilidade da revisão de contratos quitados.

Defende a impossibilidade da revisão dos juros remuneratórios porquanto ausente abusividade.

Menciona a impossibilidade da repetição do indébito.

Diz que não há mora, pois o contrato está "em dia".

Requer o provimento do apelo.

Houve preparo (ev. 41).

Contrarrazões apresentadas (ev. 44), sem inovar no debate.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois adequado e tempestivo.

RELAÇÃO CONTRATUAL.

Houve a revisão do Contrato de Empréstimo Pessoal a seguir descritos:

- n. 3801531752, firmado em dezembro/2013, com taxa de juros estabelecida em 06% ao mês e 101,22% ao ano (ev. 25 - Contrato 2).

PRESCRIÇÃO REVISIONAL. DECENAL.

É entendimento consolidado do colendo Superior Tribunal de Justiça que as ações revisionais se pautam em direito pessoal, sendo que o prazo prescricional é de 10 (dez) anos, por força do art. 205 do Código Civil.

Assim:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284/STF. PRAZO PRESCRICIONAL. DIREITO PESSOAL. SÚMULA N. 83/STJ. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. SÚMULA N. 83/STJ. NATUREZA DO DIREITO E DA RESPONSABILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. 1. Aplica-se a Súmula n. 284 do STF quando, em prejuízo da compreensão da controvérsia, a parte não demonstra, com clareza e precisão, a necessidade de reforma do acórdão recorrido no que se refere à alegada ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Nas ações de cobrança fundadas em direito pessoal deve incidir a regra geral do art. 205 do CC, aplicando-se o prazo prescricional decenal. Precedentes. 3. Constatada a responsabilidade extracontratual, os juros de mora devem incidir desde o evento danoso, nos termos da Súmula n. 54/STJ. 4. Inviável rever o entendimento firmado pela instância de origem quando a sua análise demandar a incursão ao acervo fático-probatório dos autos. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 744.482/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 14/12/2015).

No ponto, é aplicável ao caso o artigo 205 do Código Civil, bem como o termo inicial à contagem a data de assinatura do contrato, razão pela qual não está prescrita a pretensão de revisão do contrato objeto da lide.

Recurso não provido.

POSSIBILIDADE DE REVISÃO.

É perfeitamente possível a revisão de contratos bancários, com base no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (artigo 3º) - seguindo esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça -, uma vez que essa Lei é aplicável aos negócios jurídicos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços.

Trata-se, portanto, de um direito da parte revisar os pactos que firmou com o banco requerido, quando entende que as cláusulas contratuais se demonstram onerosas ou excessivas.

A Súmula 286 do STJ admite a revisão dos contratos bancários, inclusive daqueles quitados, diante da eventual ilegalidade e mesmo que não derive de uma relação continuativa, cuja jurisprudência é nesta linha (REsp 302.265/RS e 1268.704).

Não há desrespeito à autonomia da vontade, sendo um direito da parte autora insurgir-se em relação às cláusulas que considera onerosas, é possível a revisão contratual quando estas demonstrarem-se efetivamente abusivas, em descompasso com a legislação vigente e com o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça e nesta Câmara.

Trata-se de direito fundamental garantido na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inc. XXXV.

Recurso da instituição financeira não provido.

JUROS REMUNERATÓRIOS.

É necessário contextualizar a discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios, a fim de compreensão do julgado.

A Carta Política de 1988 deu ensejo ao intenso debate jurídico sobre a limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários. E disso derivaram duas correntes interpretativas, no caso: a) os que entendiam a auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, e b) os que compreendiam ser norma de eficácia contida (necessária integração com lei complementar).

Inequívoco que o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal não era auto-aplicável. É insustentável qualquer argumento em contrário diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN nº 4-7, que expressou a necessidade de norma infraconstitucional regulando o dispositivo constitucional. Tampouco solve a questão o argumento de incidência do § 4º, do artigo 173 da Constituição Federal, eis que inaplicável ao caso em apreço.

Ademais, as decisões dos tribunais superiores já não se baseiam nessa tese, eis que o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema com a Súmula Vinculante nº 07, ao passo que a Emenda Constitucional n. 40/2003 retirou da Carta Magna a pretensa limitação dos juros.

No tocante à aplicação da Lei de Usura, é matéria revogada pelo art. 4º, inc. IX da Lei 4.595/64 que se aplica às instituições do sistema financeiro nacional (bancos, financeiras, administradora de cartões de crédito e cooperativas). Não mais se impõe, desde os idos de 1964, qualquer restrição à taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras.

Poder-se-ia aduzir que a Lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, IX, apenas facultou ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros. E, com isso, limitar não é autorizar taxa de juros à vontade da instituição financeira. Entretanto, a inexistência de um teto ou limitador expresso deixa antever que autorização há, pois em sentido contrário estaria, por Resolução do CMN, disciplinando as taxas máximas e mínimas de juros a serem cobradas. Resulta que, ante a carência de limitador, a fixação das taxas de juros é perfeitamente cabível.

Por outro lado, há que se relembrar da aplicabilidade dos enunciados expressados no enunciado nº. 596 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a qual expõe que a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) não é aplicável às instituições financeiras. Tampouco incide a regra dos artigos 591, 407 e 406, do Código Civil brasileiro, mercê de que houve convenção entre os litigantes sobre a taxa de juros, além do que a lei civil somente rege matéria que não se subsume a legislação especial, notadamente do Sistema Financeiro Nacional.

Nessa linha de raciocínio, transcrevo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme incidente de processo repetitivo, o que motivou a expedição da Orientação nº 1:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. [...]

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS.

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

[...]

(Recurso Especial n. 1.061.530/RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Contudo, os juros que discrepam excessivamente da média de mercado representam uma abusividade, ou uma onerosidade excessiva ao consumidor. E a redução dos juros à taxa média de mercado não representará prejuízo à instituição financeira, eis que irá assegurar que esta receberá o valor que o mercado paga em operações idênticas, durante o período da contratação.

Acrescento que a incidência do Código de Defesa do Consumidor (art. 51), a fim de...

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