Acórdão nº 50895720320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo50895720320228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002706227
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5089572-03.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Ab initio, rogo vênia para adotar o relatório do parecer ministerial, exarado pelo ilustre Dr. Ivan Melgaré, Procurador de Justiça, in verbis (processo 5089572-03.2022.8.21.7000/TJRS, evento 9, PARECER1):

Trata-se de agravo em execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra decisão que afastou a natureza hedionda do delito de tráfico de drogas pelo qual MATEUS DA ROSA LEAL foi condenado, bem como excluiu a anotação de reincidência.

Nas razões recursais, o Ministério Público pede a reforma da decisão, argumentando que a equiparação do delito de tráfico de drogas é prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição, ao associar os crimes de tortura, tráfico de entorpecente e terrorismo aos crimes hediondos, destinando-lhes tratamento jurídico mais rigoroso e simétrico. Argumenta que as alterações promovidas pela Lei nº 13.964/2019 reforçam a equiparação do tráfico de entorpecentes aos crimes hediondos ao excepcionar a natureza comum da modalidade privilegiada do delito. Afirma que o Superior Tribunal de Justiça não afastou a hediondez do delito, pois tem reconhecido a retroatividade do percentual previsto no inc. V do art. 112 da Lei de Execução Penal aos condenados por crime hediondos ou equiparados, sem resultado morte, que não sejam reincidentes específicos. Menciona que a interpretação dada pela magistrada torna inócua a prescrição legal, desconsiderando que as alterações legais promovidas pela Lei nº 13.964/2019 retratam apenas mera transferência do conteúdo normativo da Lei de Crimes Hediondos para o art. 112 da Lei de Execução Penal. Requer, assim, a cassação da decisão que afastou o caráter hediondo do crime de tráfico de drogas, reduzindo os percentuais exigíveis para os benefícios executórios e excluiu a anotação de reincidência (evento 3 - fls. 95/103).

Embora intimada, a defesa não apresentou contrarrazões (evento 3 - fl. 124).

Foi mantida a decisão agravada (evento 3 – fl. 127).

Acresço.

Os autos foram remetidos a este Tribunal de Justiça, sendo distribuídos à minha Relatoria (processo 5089572-03.2022.8.21.7000/TJRS, evento 5, DESPADEC1).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (processo 5089572-03.2022.8.21.7000/TJRS, evento 9, PARECER1).

O julgamento foi convertido em diligências, oportunidade em que se determinou que o agravado fosse intimado para que constituísse novo advogado, considerando a renúncia de seu antigo patrono (processo 5089572-03.2022.8.21.7000/TJRS, evento 11, DESPADEC1).

A diligência foi cumprida, oportunidade em que o reeducando manifestou desejo de ser assistido pela Defensoria Pública (processo 5089572-03.2022.8.21.7000/TJRS, evento 17, CERT1).

A Defensoria Pública ofertou contrarrazões (processo 5089572-03.2022.8.21.7000/TJRS, evento 24, CONTRAZ1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

O agravado MATEUS DA ROSA LEAL foi condenado à pena total de 10 anos, 8 meses e 10 dias de reclusão, pela prática do crime de tráfico de drogas (2x).

Deu início ao cumprimento da aflitiva em 5/2/2012, com término previsto para 14/4/2025.

No curso da expiação da reprimenda, a ilustre Juíza de Direito, Dr.ª Sonáli da Cruz Zluhan, determinou retificação do Relatório da Situação Processual Executória e, na sequência, de aplicação da fração de 16% para fins de progressão de regime, porquanto alterada a natureza do crime disposto na Lei de Drogas, após a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.

A decisão foi proferida nos seguintes termos (processo 5089572-03.2022.8.21.7000/TJRS, evento 3, AGRAVO1, fls. 76/84):

"Vistos.

(...)

1- 1 - Pelos motivos que passo a expor, relativo aos processos 0034341-73.2012.8.21.0001 e 0183725- 42.2014.8.21.0001, considerando que se trata de apenado primário, há que ser retificado o RSPE no tocante ao delito de tráfico de drogas para 16% para fins de progressão de regime (retificado o RSPE nesse ponto via assessoria deste juízo).

A Constituição Federal – artigo 5º não dispõe quais cri mes são considerados hediondos, limitando-se a expôr que o tráfico de drogas é crime inafiançável, insuscetível de graça e anistia:

“XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”

Coube, portanto, a Lei Nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, o rol taxativo:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);
-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
II – roubo:
a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);
b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);
III – extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);
IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159,caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V – estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º)
VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).

VII-A – (VETADO)
VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273,caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).
VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). IX – furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum ( art. 155, § 4º-A)
Parágrafo único.
Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
I – o crime de genocídio, previsto nos arts.
, e da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;
II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
III – o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
IV – o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003
V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado”
.

Nota-se que na redação da referida lei, o tráfico de drogas (artigo 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) não está elencado, mesmo depois da alteração legislativa de 2019, que incluiu como hediondo o roubo com emprego de arma de fogo entre outros. A antiga redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018 - revogada pela Lei nº 13.964, de 2019 – fazia a equiparação do tráfico com a hediondez para fins de progressão de regime nos seguintes termos:

Artigo 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto;
II – fiança
§ 2º: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)

Com a revogação do referido dispositivo (parágrafo 2º do artigo ), não remanesce nenhum comando legal para equiparação do tráfico ao delito hediondo, salvo a vedação contida no artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos que reproduziu a Constituição Federal para impedir a fiança e ser insuscetível de graça e anistia.

A nova redação da Lei nº 13.964, de 2019 – repito – revogou o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos) assim dispõe:

“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento)
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