Acórdão nº 50907579220208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50907579220208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001929924
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5090757-92.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Previdência privada

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI (AUTOR)

APELADO: GIANCARLO MEDEIROS DIAS (RÉU)

APELADO: MARCELO MEDEIROS DIAS (RÉU)

RELATÓRIO

CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI ajuizou ação de cobrança em face de GIANCARLO MEDEIROS DIAS e MARCELO MEDEIROS DIAS, relatando que a senhora Doldy Terezinha Rank Dias, falecida em 07.03.2012, era integrante do quadro de beneficiários da entidade, recebendo complementação de aposentadoria. Alegou que em face da ausência de informação acerca de seu falecimento, realizou o pagamento do benefício nos meses de março, abril e maio de 2012. Defendeu fazer jus ao ressarcimento da quantia indevidamente paga. Salientou que os filhos da pensionista falecida são partes legítimas para figurar no polo passivo, pois tinham obrigação de noticiar o óbito da genitora. Postulou, assim, pela procedência da ação, com a condenação da parte ré a restituir a quantia de R$ 48.657,89 (...), devidamente atualizada.

Sobreveio sentença de extinção da ação, com resolução de mérito, em face do reconhecimento da prescrição (art. 487, inc. II, do CPC), com a condenação da parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da parte ré, arbitrados em 10% sobre o valor da causa (evento 46).

A parte autora apelou aduzindo que a prescrição aplicável ao caso em apreço é a decenal prevista no art. 205 do CC. Discorreu acerca do seu direito à restituição dos valores indevidamente pagos após a morte da pensionista, cujo óbito não foi comunicado pelos réus, seus filhos. Requereu, assim, o provimento do recurso (evento 52).

A parte ré apresentou contrarrazões (evento 56).

Os autos vieram conclusos em 23 de fevereiro de 2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação através da qual a parte autora pretende ser restituída dos valores pagos indevidamente após a morte de beneficiária, tendo em vista a ausência de comunicação de seu falecimento, julgada extinta na origem em face do reconhecimento da prescrição.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1) Prescrição

Adianto que o recurso merece provimento, devendo ser afastado o reconhecimento da prescrição da pretensão da parte autora.

Isso porque, consoante o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de ação que objetiva a restituição de valores referentes a benefício previdenciário suplementar percebidos indevidamente, havendo, portanto, causa jurídica (contrato de previdência complementar), deve incidir o prazo decenal, afastando-se a prescrição trienal, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES INDEVIDAS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. NORMA LOCAL. SÚMULA N. 280/STF. PRESCRIÇÃO DECENAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. DECISÃO MANTIDA.
1. Inexiste afronta ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o acórdão recorrido pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos e interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas n. 5 e 7 do STJ).
3. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu a legitimidade passiva da recorrente e refutou a existência de litisconsórcio necessário tendo em vista a existência de prova documental de que a recorrente era responsável pelos descontos realizados e a inexistência de vínculo jurídico de natureza previdenciária com a CTEEP. Assim, a alteração do acórdão recorrido implicaria análise das cláusulas contratuais e reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso especial.
3. Inviável, em sede de recurso especial, o exame de norma local, nos termos da Súmula n. 280 do STF.
4. "A pretensão de enriquecimento sem causa (ação in rem verso) possui como requisitos: enriquecimento de alguém; empobrecimento correspondente de outrem; relação de causalidade entre ambos; ausência de causa jurídica; inexistência de ação específica. Trata-se, portanto, de ação subsidiária que depende da inexistência de causa jurídica. A discussão acerca da cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra na hipótese do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil/2002, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica" (EREsp 1523744/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/02/2019, DJe 13/03/2019).
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1425679/SP, Rel.
Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2021, DJe 16/12/2021)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESPENDIDOS. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. INAPLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO DECENAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, às ações propostas com base em responsabilidade contratual aplica-se o prazo prescricional de 10 (dez) anos previsto no art. 205 do CC/2002.
2. A orientação jurisprudencial que vigora no Superior Tribunal de Justiça reconhece que a "discussão acerca da cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra no conceito de enriquecimento ilícito, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica; por essa razão, aplica-se a prescrição decenal e não a trienal" (AgInt no REsp 1.820.408/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28/10/2019, DJe 30/10/2019).
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1840512/PE, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/09/2021, DJe 30/09/2021)

Trata-se de agravo regimental interposto pela CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI contra a decisão (fls. 235-239) que negou seguimento ao recurso especial.

Nas razões recursais (fls. 242-254), a agravante reitera a alegação de ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, porquanto o Tribunal estadual não sanou os vícios apontados nos embargos de declaração, sobretudo quanto ao pedido e à causa de pedir, que se circunscreviam à hipótese do art. 876 do Código Civil (CC).

Reprisa também a tese de que pretende a cobrança de valores pagos indevidamente ao recorrido, a título de benefícios previdenciários, de modo que o prazo prescricional é decenal, e não trienal.

Busca, ao final, o provimento do recurso para que a prescrição seja afastada, com o regular prosseguimento do feito.

O recorrido apresentou impugnação (fls. 258-263).

É o breve relatório.

DECIDO.

Tendo em vista a relevância das argumentações, passo a novo exame das questões controvertidas.

O acórdão impugnado pelo presente recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

De início, não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos declaratórios, a qual somente se configura quando, na apreciação do recurso, o Tribunal de origem insiste em omitir pronunciamento a respeito de questão que deveria ser decidida, e não foi.

Concretamente, verifica-se que as instâncias ordinárias enfrentaram a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia. É cediço que a escolha de uma tese refuta, ainda que implicitamente, outras que sejam incompatíveis.

Registre-se, por oportuno, que o órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado pelas partes, mas apenas sobre aqueles considerados suficientes para fundamentar sua decisão, o que foi feito ( AgRg no AREsp nº 205.312/DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 11/2/2014).

No mais, a irresignação merece prosperar.

Com efeito, a jurisprudência mais recente deste Tribunal Superior é no sentido de que o prazo de prescrição de três anos estabelecido no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil (CC) circunscreve-se aos casos da ação de in rem verso, ou seja, aquela de natureza subsidiária e que contém apenas a pretensão de enriquecimento sem causa possuidora dos seguintes requisitos: enriquecimento de alguém; empobrecimento correspondente de outrem; relação de causalidade entre os dois; ausência de causa jurídica; e inexistência de ação específica (arts. 884 e 886 do CC).

Assim, não se enquadra em tal lapso prescricional as controvérsias fundadas em pagamento indevido decorrentes de relação contratual - como o contrato de previdência privada -, haja vista a existência de causa jurídica (liame obrigacional prévio), além de ser prevista demanda específica: ação de repetição de indébito.

Logo, como não se aplica a prescrição trienal, incide a regra geral de dez anos (prescrição decenal) prevista no art. 205 do CC.

[...]

Na espécie, como se trata de ação que objetiva a...

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