Acórdão nº 50911183020218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50911183020218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001198314
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5091118-30.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Locação de imóvel

RELATORA: Desembargadora JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS

AGRAVANTE: MIRELA WIESEL SCHMITZ

AGRAVADO: BAYARD DA SILVA KLEIN FILHO

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por MIRELA WIESEL SCHMITZ contra a decisão do Juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Venâncio Aires que deferiu em parte o pedido de tutela de urgência para alterar o índice de correção do contrato para o IPCA, na ação revisional de locação ajuizada por BAYARD DA SILVA KLEIN FILHO, nos seguintes moldes (evento 05 dos autos de origem):

"Busca, o autor, em tutela de urgência, a redução do valor do locatício devido à parte requerida, de R$7.631,38 (valor bruto) para R$6.000,00 (valor bruto), bem como alterar o índice de correção, do IGP-M para o IPCA.

O demandante junta laudos (Laudo 20 e laudo 21) que demonstram a redução e venda de combustíveis a contar do ano passado, assim como a queda de faturamento em 14,63% e atribui tais circunstâncias a pandemia que vivenciamos, que acarretou a expedição de inúmeros decretos que obstaculizaram a abertura de estabelecimentos e por conseguinte, a circulação de pessoas, o que afetou o consumo de combustíveis.

Em que pese seja de conhecimento comum as medidas que restringem a circulação de pessoas, tal fato cria apenas a presunção de que a alegada redução de vendas de combustíveis tenha decorrido de tais medidas, o que poderia implicar a teoria da imprevisão trazida no artigo 317 do Código Civil. Contudo, inexiste elementos a evidenciar a probabilidade do nexo causal entre os fatores decorrentes da pandemia e a redução do faturamento do requerente, de modo que se apresenta necessária a oportunização o contraditório e a dilação probatória.

Ademais, o valor proposto encontra óbice na Lei de Locações, que em seu artigo 68, II, "b" estabelece que em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente.

Não obstante, no que diz respeito ao índice aplicado para correção dos valores, resta evidenciada a substancial subida do valor do IGP-M a implicar ferimento ao sinalagma contratual.

Com efeito, o IGP-M é constituído pela média ponderada entre três índices distintos: o Índice de Preços do Atacado (60%), o Índice de Preços do Consumidor (30%) e o Índice Nacional de Custo da Construção (10%) e possuindo produtos que compõem estes índices preço cotado em dólar, a variação do câmbio interfere no valor do IGPM, o que acarretou sua alta significativa.

Assim, tem-se que o índice eleito pelas partes para reajustamento do aluguel resultou, em face de eventos extraordinários, em percentual que não se limita a recompor o poder aquisitivo da moeda, acarretando prejuízo ao sinalagma contratual, e acarretando aumento desproporcional do valor do produto.

E nem se olvide que o aumento do IGP-M, que chegou a mais de 23% em 2020 não corresponde a desvalorização do real, de modo que não se presta a corrigir os valores, a finalidade de trazer o valor do bem à realidade atual. Por conseguinte, a manutenção do índice implica no enriquecimento sem causa do locador, na medida em que se beneficia com correção superior ao valor real da moeda.

E nem se olvide que o risco de dano decorre do prejuízo monetário pode culminar em prejuízo a saúde financeira da empresa do autor.

Desta forma, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para alterar o índice de correção do contrato de locação mantido entre as partes, estabelecendo o IPCA como índice de correção, por consistir, atualmente, índice que melhor reflete a inflação."

Alega a impossibilidade de intervenção judicial no negócio pactuado entre as partes, pois ao art. 2º Lei nº 1.192/2001 estipula que os índices de correção monetária são matéria atribuída à autonomia da vontade das partes e não é aceitável supor que um empresário do ramo de combustíveis tenha sido surpreendido pelas oscilações do IGP-M. Sustenta a inexistência de prova da necessidade de revisão dos locativos, especialmente considerando que a atividade desempenhada foi considerada essencial durante a pandemia e o gradual retorno à normalidade, bem como a desproporcionalidade da alteração dos aluguéis para somente um dos locadores. Pede a concessão da AJG nesta instância recursal e do efeito suspensivo, bem como, ao final, o provimento do recurso.

Não foi concedido a assistência judiciária gratuita para fins recursais à agravante (evento 04), que recolheu o preparo (evento 10).

Não concedido efeito suspensivo ao recurso (evento 12).

Apresentadas as contrarrazões (evento 17).

Observado o disposto nos artigos 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida-se de discussão do valor do aluguel do posto de combustíveis instalado no local há mais de 15 anos, com locativos fixados, em 2013, no valor correspondente a 15 salários-mínimos, reajustáveis anual e originalmente pelo IGP-M (evento 01, petição inicial 01 e acordo 07, dos autos de origem).

Vinha sustentando que o agravo não seria o melhor âmbito para se modificar índices de correção de contratos. Entretanto, há situações que se não resolvidas logo perdem a eficácia, e no final do processo a dívida pode ter se avolumado. Assim, levarei isso em consideração.

A alegação do autor é de que sofreu prejuízos financeiros ocasionados pela COVID-19, daí a ação revisional, com pedido de tutela de urgência, pretendendo a redução dos valores cobrados e a alteração do índice de correção do contrato. Neste momento, discute-se a tutela de urgência concedida na origem que estabeleceu o IPCA para a atualização dos locativos.

Embora seja inegável a necessidade de respeitar a vontade das partes, explicitada no momento da assinatura do contrato, é admitida, excepcionalmente, a intervenção do Poder Judiciário nos âmbito do direito privado, como nos contratos locação, quando demonstrada situação excessivamente onerosos para uma das partes.

No caso os aluguéis foram estabelecidos por acordo judicial, em montante equivalente a 15 salários-mínimos, reajustáveis anualmente pelo IGP-M (evento 01, acordo 07, dos autos de origem), ou seja, utilizando parâmetro variável, que já tem aumento todo ano, como critério balizador dos locativos, e sobre isso ainda incide a correção pelo IGP-M e esqueceram que é vedado a utilização do salário-mínimo como índice de correção de aluguéis.

Portanto, existe uma situação muito peculiar e extraordinária neste contrato que pode sofrer modificação, ain da que momentânea.

Explico: a correção monetária dos contratos de prestação continuada tem a finalidade de recompor o preço dos aluguéis conforme a inflação, logo, não parece razoável que sua aplicação resulte em considerável aumento, como tem ocorrido nos contratos de locação reajustados pelo IGP-M, índice com alta acumulada de mais de 30% nos últimos 12 meses, em agosto de 2021, conforme informação do site da FGV (https://portal.fgv.br/noticias/igpm-agosto-2021).

Trata-se de acréscimo elevado e imprevisível, causador de desequilíbrio financeiro no contrato, pois evidente o excessivo ônus do locatário em arcar com tamanho aumento no valor dos aluguéis, ainda mais considerando a notória crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19 enfrentada nos últimos 18 meses.

A esse respeito esclareço que o fato de a atividade desempenhada no local (postos de combustíveis) ser considerada essencial e ter sofrido menor restrição de funcionamento, bem como de estarmos vivenciando um momento de diminuição das medidas de distanciamento social, com a gradual retomada da economia, não altera a necessidade de revisão da correção monetária do contrato. Até porque é sabido que em alguns meses da pandemia as pessoas se deslocaram pouco, consequentemente diminuíram o consumo de combustível.

Reforçando esse entendimento, saliento a existência de julgamento pendente de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental sobre o tema (nº 869) e de Projeto de Lei no Congresso Nacional (nº 1.026/2021) para determinar que "o índice de correção dos contratos de locação residencial e comercial não poderá ser superior ao índice oficial de inflação do País – IPCA.", demonstrando a existência de discussão não só no Poder Judiciário, como no Poder Legislativo.

Tal convenção contraria expressamente o art. 17 da Lei de Locações: "É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.", corroborando a necessidade de alterar a forma de atualização.

Diante disso, como forma de restabelecer o equilíbrio contratual e visando obstar o enriquecimento ilícito da locadora, é caso de manter a tutela de urgência que alterou o índice de reajuste do contrato de aluguel para IPCA, limitando sua incidência ao período em que a pandemia foi mais severa, ou seja, de junho/20 a julho/21, após retorna a aplicação do IGP-M.

Nesse sentido já decidiu esta Câmara Cível recentemente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. REVISÃO DE ÍNDICE DE CORREÇÃO DOS LOCATIVOS. ADOÇÃO DO IPCA QUANDO O IGP-M FOR SUPERIOR A ESTE. DECISÃO REFORMADA EM PARTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRS, Agravo de Instrumento nº 5076279-97.2021.8.21.7000, 16ª Câmara Cível, Desembargadora Deborah Coleto A. de Moraes, por maioria, vencido o Relator, juntado aos autos em 24/09/2021).

Por fim, o argumento da agravante de que a tutela abrange apenas uma das locadoras-herdeiras foi rebatido pelo agravado em contrarrazões, ao informar a existência de outro processo movido contra os demais locadores (espólio de Tânia) com esse pedido, no qual também foi concedida a...

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