Acórdão nº 50919978220218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 14-12-2022
Data de Julgamento | 14 Dezembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50919978220218210001 |
Órgão | Vigésima Quarta Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003038354
24ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5091997-82.2021.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado
RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR
APELANTE: TANIA MARIA GAMA PORTO (AUTOR)
APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)
APELADO: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por TANIA MARIA GAMA PORTO em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado na ação de obrigação de fazer ajuizada contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos (Evento 44):
“[...] Isso posto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por TANIA MARIA GAMA PORTO contra FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO e BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da ré, que fixo em R$ 1.400,00, corrigidos monetariamente pelo IGP-M FGV desde esta data até o efetivo pagamento e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado até o efetivo pagamento. Suspendo o pagamento, em face da gratuidade da justiça concedida.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Transitada em julgado, dê-se baixa nos autos.”
Em suas razões recursais (Evento 51), a parte apelante sustenta que, em razão do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana, devem ser limitados os descontos em sua folha de pagamento ao patamar de 30% sobre o seu rendimento bruto. Refere que, além dos descontos realizados no seu contracheque, possui um empréstimo consignado com o Banrisul, no valor de R$ 913,54, o qual é descontado diretamente em sua conta corrente. Pede a inversão dos ônus sucumbenciais. Requer, ao final, o provimento da apelação.
Foram apresentadas contrarrazões no Eventos 58 e 60.
É o relatório.
VOTO
A presente apelação, interposta no Evento 51, é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 30/08/2022 e findou em 21/09/2022 (Evento 46), sendo que o recurso foi interposto em 11/09/2022 (Evento 51). Além disso, a parte apelante litiga sob o pálio da gratuidade judiciária (Evento 3), sendo dispensada do recolhimento do preparo.
Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.
1. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO.
Esta Câmara, alterando o posicionamento para adotar a recente jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, entende, atualmente, que os descontos em folha de pagamento devem obedecer ao patamar máximo de 30% sobre a remuneração bruta do consumidor.
A limitação prevista no ordenamento jurídico tem como finalidade evitar o endividamento desenfreado e garantir o mínimo existencial ao servidor, assegurando a sua própria subsistência e a da sua família, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
Cito precedentes do STJ, ao analisar o tema:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
DESCONTO LIMITADO A 30% DA REMUNERAÇÃO. PRECEDENTES 1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que os empréstimos consignados na folha de pagamento do servidor público estão limitados a 30% do valor de sua remuneração, ante a natureza alimentar da verba.
2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no RMS 30.070/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/09/2015, DJe 08/10/2015) (grifei)
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LIMITE DE 20% DA MARGEM CONSIGNÁVEL.
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DO ESTADO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior consolidou que o empréstimo consignado na folha de pagamento do servidor público não pode ultrapassar a 30% de seus vencimentos.
2. Tal entendimento foi construído pelo STJ com o fito de resguardar a dignidade do servidor como consectária da natureza alimentar de seus vencimentos. Nessa moldura, o limite a menor do percentual de empréstimo estabelecido pelo Estado não é contrário ao sedimentado neste Superior Tribunal.
3. O Estado detém a competência administrativa para editar normas que versem sobre a política de remuneração de seus servidores, ante o princípio da autonomia estadual conferida pela Carta Magna.
4. Recurso ordinário improvido.
(RMS 31.713/AC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 11/09/2015) – grifei.
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDORA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL. EMPRÉSTIMO COM DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. ABUSIVIDADE. LIMITAÇÃO A 30 POR CENTO DA REMUNERAÇÃO.
PRECEDENTES.
1. Consoante a jurisprudência sedimentada neste STJ, o desconto em folha de pagamento de prestações referentes a contrato de empréstimo pessoal de servidor com instituições financeiras não pode ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) da remuneração mensal do servidor. Precedente: (AgInt no RMS 44.593/GO, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 10/11/2017) 2. Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1672204/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 10/10/2018) – grifei.
Nesse sentido, cito precedentes desta Câmara:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITAÇÃO A 30% DO RENDIMENTO BRUTO DO SERVIDOR ESTADUAL. A cláusula que autoriza o desconto em folha de pagamento do servidor estadual é lícita. Por outro lado, inobstante a licitude da cláusula, é necessária sua limitação ao percentual permitido em lei como margem de consignação. Conforme entendimento pacificado pelo STJ, os descontos em folha de pagamento devem obedecer ao patamar de 30% sobre a remuneração, mesmo em se tratando de servidor público estadual. Na hipótese dos autos, o desconto está dentro dos limites estipulados pelo STJ. DÉBITO EM CONTA CORRENTE. A cláusula que autoriza o débito em conta corrente é lícita, pois é da própria essência do contrato celebrado entre as partes, afastando a impenhorabilidade prevista no art. 833, IV, do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70083476432, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em: 22-04-2020)
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO COMINATÓRIA. LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. PENSIONISTA. A cláusula que autoriza o desconto em folha de pagamento do servidor estadual é lícita. Não obstante, à licitude da cláusula, necessária a sua limitação ao percentual permitido em Lei como margem de consignação. Conforme entendimento pacificado pelo STJ, os descontos em folha de pagamento devem obedecer ao patamar de 30% sobre a remuneração, mesmo em se tratando de servidor público estadual. Hipótese dos autos em que a soma dos empréstimos descritos na inicial não superaram o limite de 30% dos rendimentos brutos. Manutenção daqueles. Ação julgada improcedente. APELO PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70083044024, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 11-12-2019)
Com relação à legislação específica dos servidores públicos estaduais, que autoriza os descontos no percentual de até 70% de sua remuneração, o STJ, ao enfrentar tal questão, concluiu: “não há antinomia entre a norma estadual e a regra federal, pois os arts. 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003; 45 da Lei 8.112/90 e 8º do Decreto 6.386/2008, impõem limitação ao percentual de 30% apenas à soma das consignações facultativas” (REsp 1169334/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 29/09/2011).
Isso porque a norma estadual impõe limitação ao percentual de 70% à soma das consignações facultativas e obrigatórias, enquanto a norma federal limita ao percentual de 30% apenas à soma das consignações facultativas, podendo, pois, coexistir no âmbito administrativo estadual, já que é princípio basilar de direito administrativo que as normas atinentes à administração pública federal aplicam-se subsidiariamente às administrações estaduais e municipais.
Destarte, os descontos em folha de pagamento, mesmo dos servidores públicos estaduais, devem obedecer ao percentual de 30% do valor de sua remuneração bruta.
Da análise da documentação acostada aos autos, verifica-se que a parte autora recebe rendimento bruto de R$ 4.166,70 (Evento 1 – CHEQ7), de modo que 30% da sua remuneração corresponde a R$ 1.250,01. Ademais, observa-se que há diversos empréstimos consignados descontados diretamente na folha de pagamento da parte demandante, que totalizam o montante de R$ 2.386,97.
Nesse cenário, considerando que os descontos na folha de pagamento da parte apelante ultrapassam o percentual de 30% de seus rendimentos brutos, impõe-se a sua limitação, observada a ordem cronológica de contratação.
Assim, impõe-se a reforma da sentença no ponto.
2. DESCONTOS EM CONTA CORRENTE.
Postula, a parte autora, a limitação, no percentual de 30%, dos descontos efetivados em sua conta corrente.
Pois bem.
Acerca do tema, passei a aplicar o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp. 1863973/SP, no qual restou firmada a seguinte tese repetitiva: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n....
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