Acórdão nº 50920734320208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50920734320208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001990483
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5092073-43.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: EVANI MARIA RODRIGUES (AUTOR)

APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por EVANI MARIA RODRIGUES em face de sentença (evento 47, SENT1) que julgou improcedentes os pedidos formulados em Ação de Obrigação de Fazer c/c Restituição de Indébito e Tutela de Urgência em desfavor do BANCO CETELEM S/A, nos seguintes termos:

Ante o exposto, fulcro no art. 487, I, do CPC, REJEITO AS PRELIMINARES E JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por EVANI MARIA RODRIGUES em face de BANCO CETELEM S.A..

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais fixo em R$ 400,00 em respeito ao disposto no art. 85 do Código Processual Civil, suspensa sua exigibilidade, em virtude da concessão da gratuidade judiciária.

Em suas razões (evento 52, APELAÇÃO1), a autora/apelante sustenta que possuía a intenção de contratar empréstimo consignado normal, mas que, em virtude da operação ter sido "mascarada" pelo Banco réu, acabou firmando contrato de empréstimo via cartão de crédito. Ressalta que nunca utilizou o cartão de crédito. Alega comportamento abusivo pela parte ré na relação contratual. Pugna pela conversão de empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado normal. Manifesta pela declaração de nulidade do contrato.

O banco réu não apresentou contrarrazões.

Subiram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Consta, na inicial (evento 1, INIC1), que a autora celebrou contrato de empréstimo pessoal junto a parte ré. Entretanto, tempo após a realização do mútuo, percebeu que a dívida existente não tinha previsão de fim, reparando que havia contratado empréstimo consignado via modalidade cartão de crédito. Alegou que em momento algum houve a intenção de contratação de empréstimo via cartão de crédito, que tal modalidade, na prática, "é impagável", pois o valor debitado mensalmente de seu benefício previdenciário apenas cobre os juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida. Pugnou pela declaração de nulidade do contrato na modalidade cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) e, sucessivamente, a conversão em empréstimo consignado normal.

A julgadora singular julgou improcedente a demanda (evento 47, SENT1).

Irresignada com o resultado desfavorável, a autora apelou (evento 52, APELAÇÃO1), pugnando pela reforma do ato sentencial, sob o argumento, em suma, de que o contrato conteria em seu bojo uma modalidade abusiva de contratação de empréstimo pessoal e que, em decorrência da não existência de data de fim para os pagamentos, haveria afronta aos princípios do CDC.

Pois bem.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito é regulada pelo art. 1º da Resolução n° 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito”.

Porém, a constituição da RMC (Reserva de Margem Consignável) demanda expressa autorização do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, de acordo com o disposto no art. 3°, inc. III, da Instrução Normativa INSS n° 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n° 39/2009, in verbis:

“Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”.

No caso dos autos, o banco recorrido trouxe prova de que a autora autorizou expressamente os descontos em seu benefício da reserva de margem consignável. Inclusive, juntou a "PROPOSTA DE ADESÃO - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO'" (evento 11, CONTR3) assinado pela autora.

É certo que, formalmente, a contratação adequou-se à moldura legal. Contudo, forçoso reconhecer que a cláusula contratual que permite os descontos na folha de pagamento do autor, sem conter data-limite para cessação, gerou excessiva oneração ao consumidor e flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, conforme previsão expressa do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”.

Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Na hipótese dos autos, em razão de "Saque Autorizado", datado de 03/02/2017, o réu transferiu para a conta corrente da autora a quantia total de R$ 2.798,72, por meio de TED único, debitando mensalmente em sua folha de pagamento valores a título de Reserva de Margem Consignável - RMC. Em que pese o ônus probatório do réu, não foram acostados aos autos provas acerca da situação em que se encontra a atual dívida da autora, para que corroborassem, por exemplo, com a alegação de que o pagamento da reserva de margem consignável efetivamente possui condão de diminuí-la. Além disso, também não há prova da utilização do cartão de crédito pela parte autora.

Aliás, considerando que o instrumento contratual não contém qualquer disposição informando ao consumidor que os descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC) não são aptos a diminuir o valor efetivamente devido, conclui-se que o contrato em exame também ofende o artigo 6°, inc. III, do Código Consumerista, que prevê como direito básico do consumidor "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".

Tenho, portanto, como ilegal a forma de cobrança do débito, impondo-se a declarar a nulidade da cláusula que prevê a cobrança das parcelas do empréstimo mediante descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Entretanto, considerando a impossibilidade de continuidade das cobranças na forma como ocorreu até o momento e não sendo o caso de nulidade de toda a relação contratual e, ainda, no intuito de viabilizar a cobrança das parcelas devidas, necessária a conversão do “Contrato de Cartão de Crédito Consignado” para “Empréstimo Pessoal Consignado”.

Sendo assim, para fins de adimplemento do contrato, deverá ser considerado o valor original do saque realizado (R$ 2.798,72), incidindo, uma única vez, a...

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