Acórdão nº 50927583420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50927583420228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002269168
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5092758-34.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Educação Básica

RELATORA: Desembargadora HELENA MARTA SUAREZ MACIEL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE LAJEADO contra decisão proferida nos autos da ação que lhe promove F. P. G..

A decisão atacada foi redigida nos seguintes termos:

"(...)

PASSO A FUNDAMENTAR E A DECIDIR:

Impõe-se a concessão da medida liminar requerida na exordial, vez que presentes os pressupostos legais para tanto.

Como razões de decidir, peço vênia para incorporar a minha decisão parte do voto proferido pelo eminente Desembargador RICARDO MOREIRA LINS PASTL, por ocasião de recente julgamento, em sessão de 8 de março de 2018, pela colenda OITAVA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, nestes termos:

“É consabido que o direito à educação infantil constitui direito fundamental social, que deve ser assegurado pelo ente público municipal, garantindo-se o atendimento em creche ou pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade, com absoluta prioridade, nos termos dos arts. 208, IV, da CF, e art. 54, IV, do ECA.

Tal entendimento, assinalo, ao menos enquanto não sobrevier decisão do STF no AI n.º 761.908, em que reconhecida repercussão geral acerca da autoaplicabilidade do art. 208, IV, da Constituição Federal, permanece sendo majoritariamente adotada nesta Corte de Justiça e no Superior Tribunal de Justiça.

O art. 23, inciso V, da CF disciplina que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) V- proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”, dispondo o inciso IV do artigo 208 que “o dever do Estado com educação será efetivado mediante garantia de educação infantil, em creche ou pré-escola, à crianças até cinco anos de idade”, elevando “o acesso gratuito obrigatório” à categoria de direito público subjetivo (art. 208, § 1º, da CF).

Na linha dos dispositivos supratranscritos, dispõe, expressamente, o art. 54, § 1º, do Estatuto da Criança e Adolescente que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”.

Do mesmo modo, prevê em seu art. 53, caput e incisos I a V, que: “Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurandose-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”.

Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 9.394/96), no art. 4º, inciso IV1, igualmente assegura o direito à educação em creches e pré-escolas (devendo ser observada a alteração efetuada no texto constitucional pela EC n.º 53/2006, que o adequou à nova sistemática da educação básica, que passou a 1 Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: (...) IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) determinar o ingresso no ensino fundamental aos 6 anos de idade, consoante art. 32, caput, da LDB2), sendo incumbência do Município oferecer a educação infantil, nos termos do art. 11, V, da Lei n.º 9.394/96. Vejamos: “Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de: (...) V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”.

No tocante à educação básica, o aludido diploma legal, em seu art. 22, estabelece que “a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”, realçando, por oportuno que a sua primeira etapa é a educação infantil, que tem por finalidade o desenvolvimento e crescimento da criança “em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (art. 29 da LDB), devendo ser proporcionada nos termos do art. 30 da LDB, que estatui que: “Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)”.

Tais dispositivos asseguram às crianças, por parte do Poder Público, de maneira indistinta e com absoluta prioridade, a assistência integral à educação, no que se insere a garantia ao acesso à creche e pré-escola aos menores de zero a cinco anos. Dessa forma, o Município tem de realizar de imediato as providências determinadas, assegurando e garantindo a efetividade dos direitos previstos na Constituição, violados quando da negativa do Poder Público em prover a colocação em creche na forma pleiteada, necessária para o desenvolvimento sadio dos menores.

Frise-se que as regras da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação visam a garantir a educação, apresentando-se como ações necessárias a serem obedecidas por parte do Município, exigindo-se o seu 2 Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006) cumprimento quando não realizado de maneira espontânea pela Administração, por intermédio da tutela jurisdicional, garantindo de forma coercitiva a efetividade dos direitos lesados (v. g., RE 554075 AgR, STF, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. em 30/06/2009; AI 592075 AgR, STF, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. em 19/05/2009; REsp 511.645/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, 18/08/2009; AC n.º 70040190282, 7ª CC, TJRS, Relator André Luiz Planella Villarinho, 23/02/2011; AC n.º 70036315877, 7ª CC, TJRS, Relator Roberto Carvalho Fraga, 26/01/2011).”

Ademais, assinalo, em fecho, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça é torrencial e pacífica em dar agasalho a pretensão ora tratada em caráter de antecipação da tutela jurisdicional.

ISSO POSTO, presentes a plausibilidade do direito invocado e preenchidos os demais requisitos insculpidos no artigo 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR pleiteada ao efeito de ORDENAR ao MUNICÍPIO DE LAJEADO a disponibilização de vaga à parte autora, no prazo de 30 (trinta) dias, em escola de educação infantil do Município, ou então na rede privada, às expensas do Município, sob pena de bloqueio nas contas do Município de Lajeado dos valores necessários à efetivação do direito ora assegurado.

Cite-se e intime-se, com urgência, dos termos da presente decisão.

Intimem-se.

Demais diligências legais."

Insurgiu-se o Município contra a decisão atacada, alegando que já aplica percentual superior a 25% do seu orçamento em educação, conforme constitucionalmente previsto, percentual este que não pode ser majorado, considerando todas as demais necessidades de investimentos em áreas como saúde, segurança, mobilidade urbana, dentre outros. Salientou que a situação de hipossuficiência financeira da família não restou demonstrada, haja vista que os genitores auferem renda mensal média de R$ 6.302,47. Referiu que a genitora encontra-se desempregada, o que afasta a urgência do pleito. Reportou-se a entendimento jurisprudencial a fim de embasar a sua tese. Postulou pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso. Por fim, pugnou seja deferida a antecipação da pretensão recursal, para determinar a incontinenti reforma da decisão agravada, revogando a ordem de disponibilização de vaga ao agravado em escola de educação infantil do Município de Lajeado, ou então da rede privada, às expensas do ente municipal, sob pena de bloqueio nas contas do Município de Lajeado, determinada na decisão vergastada (CPC, art. 1.019, I) e/ou determinar que o direito à vaga em creche seja em turno parcial (evento 1).

A antecipação de tutela foi parcialmente concedida (evento 5).

A parte agravada apresentou contrarrazões (evento 11)

O Ministério Público, neste grau de jurisdição, opinou pelo provimento do recurso (evento 16).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

A interposição dos recursos está adstrita aos pressupostos de admissibilidade, os quais se dividem em extrínsecos e intrínsecos. Por conseguinte, devidamente preenchidos os referidos requisitos, conheço do recurso e passo à análise do mérito.

Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, o juiz poderá conceder a tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. O artigo 1.019, I, do CPC, na mesma linha, avaliza que o relator, ao receber o agravo de instrumento, possa “atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão”.

O direito à educação é garantido constitucionalmente a todos, consoante se extrai da redação dos artigos 205, 208, IV, e 227, caput, da Constituição Federal1. O Estatuto da Criança e do Adolescente...

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