Acórdão nº 50935284320208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50935284320208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002387771
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5093528-43.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: WILSON SIQUEIRA RIBEIRO DE SOUZA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra WILSON SIQUEIRA RIBEIRO DE SOUZA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, pelo fato a seguir exposto:

“No dia 21/02/2020, às 14 horas, na Avenida Bento Gonçalves, próximo ao n.º 190, bairro Santana, Porto Alegre (Condomínio Princesa Isabel), em via pública, o denunciado WILSON SIQUEIRA RIBEIRO DE SOUZA portava arma de fogo e munição de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no caso: 01 revolver Taurus, calibre .38, n.º 1087367, infratambor 286; 07 cápsulas de munição de mesmo calibre, intactas.

Por ocasião do fato, policiais militares foram despachados via DCCI até o endereço supra, a fim de apurarem a notícia de que cerca de seis homens portavam armas de fogo nas imediações do Condomínio Princesa Isabel. Ao chegarem ao local, os agentes públicos localizaram o denunciado, que, ao vê-los, tentou empreender fuga. Abordado e revistado, com ele foram apreendidos o revólver acima descrito, municiado com 06 cartuchos intactos, além de 01 cartucho do mesmo calibre em um dos bolsos da roupa que ele usava.”

A denúncia foi recebida em 06/03/2020.

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença, publicada em 22/03/2022, que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu pela prática do crime previsto no art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, às penas de 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 12 (doze) dias-multa, à razão diária de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

A defesa apelou e, nas razões, preliminarmente sustenta a nulidade da prova, pois obtida com violação de domicílio, em afronta ao art. 5º, XI, da Constituição. Cita precedentes julgados pelo STJ de casos semelhantes. No mérito, postula a absolvição do acusado por insuficiência probatória, sustentando que a palavra dos policiais, sozinha, não é o bastante para alicerçar édito condenatório. Subsidiariamente, pugna pela redução da pena-base, pelo afastamento da agravante da reincidência, que não foi recepcionada pela Constituição, ou redução do quantum de aumento.

O Ministério Público apresentou contrarrazões.

Vieram os autos com remessa a esta Corte.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo improvimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos de admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Preliminar

Embora suscitada em sede preliminar, analisarei em conjunto com o mérito a alegação de nulidade da prova por violação de domicílio.

III. Mérito

O réu foi condenado como incurso nas sanções do art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, às penas de 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 12 (doze) dias-multa, à razão diária de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

A materialidade do fato está demonstrada pelo boletim de ocorrência (fls. 14/15), pelo auto de apreensão (fl. 16), pelo laudo pericial nº 32566/2020, bem como pela prova oral colhida.

Não há falar em falta de materialidade pela ausência de perícia papiloscópica no revólver, pois, à configuração do crime, sequer é exigido laudo de funcionalidade, tratando-se de crime de perigo abstrato e mera conduta. Relembro, outrossim, que mesmo se realizado o exame de impressões digitais, certamente a inexistência de correspondências com os dados do réu não ilide a sua responsabilização. O exame papilocópico, embora útil, pode sofrer influências do meio capazes de interferir no seu resultado, dependendo muito da preservação da prova para ser eficaz.

Nesse contexto, não verifico ilicitude na aferição da materialidade do fato.

A autoria é certa, conforme os depoimentos colhidos, devidamente sintetizados na sentença, que ora transcrevo, com a devida vênia:

A testemunha Tauan Lima de Rodrigues (evento 37, vídeo nº 01), policial militar, relatou ter sido despachado, via rádio, para averiguar a informação de que havia indivíduos armados próximo ao Condomínio Princesa Isabel. Descreveu que, com a aproximação policial, homens correram e um deles, ora réu, foi detido com arma e munição. Explicou que a abordagem de Wilson ocorreu já dentro do condomínio. Afirmou que o revólver estava na cintura do réu. O acusado não deu explicação sobre o motivo de estar armado. Informou que não conhecia Wilson. Não soube dizer se o réu morava no local. Negou o ingresso em apartamentos. Referiu ter manuseado a arma para descarregá-la, de modo que não foi colocada reservada para preservar as digitais.

Em idêntico sentido é a narrativa do policial militar Everton Luís dos Santos Marques (evento 37, vídeo nº 02), o qual confirmou que o acusado portava um revólver calibre 38, municiado com seis munições, além de uma munição sobressalentem Mencionou que Wilson estava foragido do sistema prisional. Não conhecia o acusado. Declarou que a abordagem se deu no pátio do Condomínio e não dentro do apartamento.

Em seu interrogatório, o réu Wilson Siqueira Ribeiro de Souza (evento 37, vídeo nº 03) negou a prática delitiva. Sustentou que estava dentro do seu apartamento quando os policiais invadiram o local para efetuar a sua prisão. Aduziu que não estava no pátio no momento da abordagem policial e que a arma foi apreendida na escada. Declarou que estava foragido e que a tornozeleira estava desligada. Referiu que tem parentes morando do Condomínio, onde residia a cerca de sete meses. Alegou que os policiais responsáveis pela sua prisão não eram os mesmos que prestaram depoimento em juízo.

Do contexto narrado, verifica-se que a prova é certa no sentido do cometimento do crime de porte ilegal de arma de fogo pelo réu, apesar da negativa por ele vertida.

Ao reverso do que sustentou a defesa, os dois policiais militares inquiridos foram seguros e coerentes em suas narrativas, no sentido de que, após receberem denúncia de que havia indivíduos armados próximo ao Condomínio Princesa Isabel, foram até o local e avistaram alguns homens, que correram ao notar a presença da guarnição. Foi iniciada perseguição e os agentes alcançaram apenas o réu, já no interior do condomínio. Efetuada revista pessoal, foi localizado com Wilson um revólver, calibre 38, municiado, além de uma munição sobressalente. Referiram que não houve ingresso em nenhum apartamento, apenas no pátio do condomínio. O réu estava na condição de foragido do sistema prisional.

A palavra dos policiais é válida, como dos testemunhos em geral, nos termos do art. 202 do CPP1, inexistindo motivo para que seja afastada a versão apresentada por eles. A presunção em abstrato a respeito da parcialidade no relato das testemunhas que participaram da apreensão não é devida, verificando-se que não foi apresentada qualquer razão para se duvidar daquilo que foi dito por elas. Aliás, o relato fidedigno a respeito das circunstâncias da prisão dá conta da veracidade das alegações.

No caso concreto, as provas apontam claramente para a apreensão da arma com o acusado, que negou a prática delitiva e lançou descrédito sobre os informes dos policiais, afirmando que a abordagem ocorreu de forma diversa. Disse, nesse passo, que os agentes invadiram seu apartamento para efetuar a sua prisão. Aduziu que não estava no pátio do condomínio, bem como a arma foi apreendida na escada, não possuindo nenhuma relação com o artefato.

A versão, contudo, não se mostra crível quando cotejada com os demais elementos de prova. Consoante já referido, os policiais prestaram depoimentos harmônicos e coerentes, bem como não conheciam o acusado previamente - ou seja, sequer teriam como saber, antes da perseguição, que estava foragido -. O réu, por sua vez, negou a apreensão da arma de fogo e ainda alegou abuso de autoridade na diligência, o que o eximiria da responsabilidade caso...

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