Acórdão nº 50953835720208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50953835720208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001569284
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5095383-57.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Recursos Hídricos

RELATOR: Desembargador EDUARDO UHLEIN

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (IMPETRADO)

APELANTE: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E SANEAMENTO DA SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE E INFRAESTRUTURA DO RIO GRANDE DO SUL (IMPETRADO)

APELADO: IVAM DA SILVA PEIXOTO DA SILVEIRA (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta por ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contrária à sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado por IVAM DA SILVA PEIXOTO DA SILVEIRA contra suposto ato ilegal do DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E SANEAMENTO DA SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE E INFRAESTRUTURA DO RIO GRANDE DO SUL, Sr. Paulo Renato Paim, consistente na Portaria DRHS n° 16/2020.

Eis o dispositivo da sentença:

Ante o exposto, concedo a segurança pleiteada para cassar a Portaria DRHS n. 16/2020.

Sem fixação de honorários advocatícios em razão da natureza da causa.

Custas pelo Estado do Rio Grande do Sul, que é isento.

Sustenta o apelante, em síntese, que houve, no processamento do expediente administrativo 0002832-6, a possibilidade do exercício da ampla defesa pelo Impetrante, que foi notificado para apresentar a documentação que demonstrasse a regularidade do exercício da posse do local de captação da água e, por conseguinte, da outorga que restou revogada. Diz que os documentos apresentados foram reputados insuficientes à demonstração da regularidade do exercício da posse, razão da revogação da outorga. Alega que, não demonstrado no processo administrativo a posse legítima do local da captação da água, já que não apresentado justo título, a revogação da outorga era de rigor, o que se deu no exercício de competência legal. Assegura que o Impetrante teve toda a oportunidade de exercer a defesa de seus interesses junto à Administração, de modo que deve ser reformada a sentença. Requer o provimento do recurso.

Em contrarrazões, o apelado pugna pela manutenção da sentença.

O Ministério Público opina pelo desprovimento do recurso.

VOTO

Colenda Câmara!

Consigne-se, ab initio, que é caso de processamento da remessa necessária, considerando o disposto no art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009.

A apelação merece conhecimento, satisfeitos que estão os pressupostos de admissibilidade.

A inconformidade não prevalece, entretanto.

Segundo a prova dos autos (Evento 1, PROCADM5), a Portaria nº 681/2006, da Secretaria do Meio Ambiente, autorizou o Impetrante à captação de água superficial na Lagoa Mangueira, através de um sistema composto de canal e captação, em terras de proprietário vizinho, necessária à operação de atividade relativa à irrigação superficial de arroz, sendo o direito de acesso à água, bem assim o direito ao aqueduto, institutos do direito de vizinhança, reconhecidos por este e. Tribunal de Justiça no julgamento da apelação cível nº 70081763872, em 21/05/2020.

Assim, tem-se captação de água na Lagoa Mangueira, Município de Santa Vitória do Palmar, em nome do Impetrante, para irrigação de 730 ha de arroz, conforme a Portaria de Outorga n° 681/2006 (Evento 1, PORT3) e Licença de Operação vigente FEPAM 06603/2019 - Processo n° 70962-05.67/19.6 (Evento 1, OUT4).

Inexistem dúvidas de que compete aos órgãos ambientais decidir sobre a concessão e a revogação de licenças de operação e outorgas de uso de água, sedimentado o entendimento jurisprudencial no sentido de que licenças e outorgas são atos administrativos revestidos de presunção relativa de legitimidade e definitividade, passíveis, pois, de cassação, revogação e anulação pela Administração, em devido processo administrativo e desde que presentes elementos justificadores para o ato.

A propósito do tema, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO VERTICAL.CONJUNTO CÊNICO E PAISAGÍSTICO. MORRO DO CARECA E DUNAS ASSOCIADAS. DANO AO MEIO AMBIENTE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 1.022 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. LICENÇA MUNICIPAL DE CONSTRUÇÃO. ANULAÇÃO POR AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. ZONA COSTEIRA. PROTEÇÃO DAPAISAGEM.HISTÓRICO DA DEMANDA

(...)

9. Segundo consta dos autos, a licença ambiental foi, a princípio, simplesmente suspensa e, após a conclusão do devido processo administrativo com direito a amplo contraditório, acabou anulada.

10. No Direito brasileiro, a licença de construir, apesar de ser ato vinculado com caráter de definitividade, submete-se à: a) revogação pura e simples, garantindo-se ao prejudicado o direito à indenização pelos prejuízos eventualmente causados, enquanto não iniciada a obra; b) cassação caso deixem de ser atendidas as condições legais exigidas para sua manutenção e c) anulação diante de ilegalidade na sua edição, como ocorreu no caso dos autos.

11. Não poderia ser outra a posição diante do poder-dever de autotutela da Administração, o qual está cristalizado na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, em vigor desde 1969: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

12. Como ocorre com atos administrativos em geral, autorizações e licenças carregam presunção relativa de legitimidade e definitividade e, por isso, podem (e devem) ser cassadas, revogadas e anuladas pela Administração, desde que presentes elementos ensejadores para tanto. É a jurisprudência do STJ: "Aprovado e licenciado o projeto para construção de empreendimento pelo Poder Público competente, em obediência à legislação correspondente e às normas técnicas aplicáveis, a licença então concedida trará a presunção de legitimidade e definitividade, e somente poderá ser: a) cassada, quando comprovado que o projeto está em desacordo com os limites e termos do sistema jurídico em que aprovado; b) revogada, quando sobrevier interesse público relevante, hipótese na qual ficará o Município obrigado a indenizar os prejuízos gerados pela paralisação e demolição da obra; ou c) anulada, na hipótese de se apurar que o projeto foi aprovado em desacordo com as normas edilícias vigentes." (REsp 1.011.581/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe de 20/8/2008). Na mesma esteira: AgIntno Ag 1.421.353/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,DJe de 19/4/2017; REsp 1.227.328/SP, Rel. Ministro BeneditoGonçalves, Primeira Turma, DJe de 20/5/2011, entre outros.

(REsp 1820792/RN. Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 05/12/2019. DJe 22/10/2020)

No caso, ao exame do processo administrativo nº 20/0500-0002832-6 (Evento 1, PROCADM5), observa-se que não houve a participação efetiva do Impetrante, sendo certo que a notificação administrativa ao final daquele expediente, advertindo sobre a necessidade de juntada de documentação de regularidade na posse ou propriedade do canal e da captação, não confere a necessária regularidade ao procedimento com a garantia do contraditório e da ampla defesa, bem como legalidade ao ato administrativo (revogação da outorga de uso de água), considerando que, para além da patente falta de participação efetiva na produção probatória, juntados os documentos, a decisão administrativa que concluiu pela revogação nem mesmo àquelas peças juntadas faz referência (Evento 1, PROCADM5, fls. 56-57). A ausência de exame, na decisão administrativa combatida no writ, dos documentos juntados pelo usuário, quando estes foram determinantes à conclusão, indica defeito de motivo, qualificando-se como nula a decisão.

Reproduzo, no ponto, objetivando evitar repetição desnecessária, a seguinte passagem da sentença:

(...)

Constata-se que o processo administrativo nº 20/0500-0002832-6, que culminou na revogação da outorga de uso da água anteriormente concedida ao impetrante, foi instaurado, de ofício, pelo diretor do DRHS, Sr. Paulo Renato Paim, em 24/09/20, em decorrência de solicitações de providências dos membros do Espólio de Análio Corrêa, após a outorga referente ao cadastro SIOUT RS n° 2019/009.259, em nome de Nereida Maximilla Correa, herdeira de Análio Corrêa, ter sido revogada pela Divisão de Outorga do DRHS. Tal revogação, consoante parecer técnico do Departamento de Gestão de Recursos Hídricos e Saneamento (nº 03/2020 DIOUT/DRHS/SEMA) decorreu do fato da impossibilidade de compatibilização de novos usos dos recursos hídricos da Lagoa da Mangueira, em virtude da...

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