Acórdão nº 50972660520218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50972660520218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001855102
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5097266-05.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA (RÉU)

APELADO: MILTON CORREA CARRICONDE (AUTOR)

RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso de Apelação interposto pela parte ré, UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MÉDICA LTDA., contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos da ação ajuizada por MILTON CORRERA CARRICONDE, na qual objetivava fosse a ré compelida a custear o medicamento Esilato de Nintedanibe 150MG, de uso ambulatorial, para tratamento e controle da fibrose pulmonar progressiva que lhe acomete.

Segue transcrição do dispositivo da sentença:

Ante o exposto, consolidando os efeitos da tutela de urgência, JULGO PROCEDENTES, os pedidos relativos à presente Ação de Obrigação de Fazer, ajuizada por MILTON CORREA CARRICONDE contra UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MÉDICA LTDA., para, consolidando os efeitos da medida liminar, condenar esta ao fornecimento de Esilato de Nintedanibe 150 MG, observada a prescrição médica quanto à periodicidade, enquanto perdurar a doença .

Sucumbente, arcará a requerida com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, fixados em 10% do valor atualizado da causa, observadas as diretrizes do art. 85, § 2 e §8º do CPC.

Em suas razões recursais, a parte demandada alegou, em síntese, que a medicação solicitada, apesar de possuir registro na ANVISA e ter sido aprovada para tratamento da fibrose pulmonar, é destinada para a patologia em fase estável (recomendação condicional), reforçada pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e não para a fase de tratamento na qual se encontra o recorrido. Asseverou que a medicação solicitada (Ofev®), apesar de se encontrar entre os quimioterápicos que possuem cobertura na DUT nº 64, se destina à patologia distinta da apresentada pelo beneficiário. Ressaltou que o Superior Tribunal de Justiça entende legais as cláusulas limitadoras de coberturas de planos de saúde, entendendo o Rol de Procedimentos da ANS como sendo de caráter taxativo, conforme julgamento proferido no REsp nº 1733013/PR. Nesse contexto, postulou pela reforma da sentença, com o provimento do recurso.

A parte autora apresentou contrarrazões.

Os autos subiram.

Distribuídos, vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do Recurso de Apelação.

Conforme relatado, a matéria controvertida nos autos, devolvida a este grau de jurisdição, refere-se à negativa de cobertura, pela operadora do plano de saúde, do medicamento Esilato de Nintedanibe 150MG, de uso ambulatorial, prescrito pelo médico assistente do autor para tratamento e controle da fibrose pulmonar progressiva que lhe acomete.

Consoante consta na inicial, o autor foi diagnosticado com fibrose pulmonar progressiva (CID10 = J84.1), secundária à colagenose (Síndrome de Sjöergen), razão pela qual é acompanhado regularmente po médico reumatologista, fazendo uso contínuo dos medicamentos Azatioprima 100 mg/dia e Prednisona 10 mg/dia, além de esomeprazol 40mg/dia para doença do refluxo gastro-esofágico.

Não obstante, considerando o agravamento a doença, em consulta com médico pneumologista, foi constatada a piora progressiva do quadro clínico do autor, o que culminou na prescrição de tratamento com medicamento antifibrótico, mediante o fármaco Nintedanibe, vez que seria o único tratamento para fibrose pulmonar progressiva existente aprovado no Brasil pelas agências reguladoras.

Ocorreu que a operadora do plano de saúde negou a cobertura do tratamento sob a justificativa de o medicamento Ofev (NINTEDANIBE), para uso ambulatorial, não está previsto nas Diretrizes estabelecidas no Rol de Procedimentos da RN 465/2021, da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

No caso dos autos, trata-se de contrato regulamentado pela Lei nº 9.656/98, que se sujeita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de típica relação de consumo, consoante verbete nº 608 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

No que respeita as normas do Código de Defesa do Consumidor, mister observar o disposto no artigo 4º, que, ao estabelecer a Política Nacional das Relações de Consumo e os princípios que devem ser respeitados, prioriza a proteção dos interesses econômicos e a transparência e harmonia das relações de consumo – entre consumidores e fornecedores.

Logo, considerando o disposto na própria Lei consumerista, a qual se aplica apenas de forma subsidiária à Lei Especial, conforme previsão do artigo 35-G da Lei dos Planos de Saúde (EAREsp 988.070/SP), a transparência e a harmonia da relação, que deve ser interpretada como aquilo que foi previamente acordado entre as partes, deve prevalecer.

No caso versado, devem ser observadas as coberturas mínimas definidas na Resolução Normativa nº 428/2017, atual RN 465/2021, da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), que apresenta Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a qual não pode prever aquelas excetuadas no artigo 10 da Lei nº 9.656/98 e, também, não pode excluir ou mitigar as hipóteses do artigo 12 do mesmo diploma legal.

Com efeito, o artigo 10 da Lei dos Planos de Saúde excetua, no inciso I, o fornecimento de tratamento clínico ou cirúrgico experimental. Por sua vez, o artigo 12 inclui dentre as coberturas obrigatórias os medicamentos antineoplásicos de uso domiciliar, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes, bem como os serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente. In verbis:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;
III - inseminação artificial;
IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;
V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;
VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12; (Redação dada pela Lei nº 12.880, de 2013) (Vigência)
VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
VIII - procedimentos odontológicos, salvo o conjunto de serviços voltados à prevenção e manutenção básica da saúde dentária, assim compreendidos a pesquisa, o tratamento e a remoção de focos de infecção dentária, profilaxia de cárie dentária, cirurgia e traumatologia bucomaxilar; (Vide Medida Provisória nº 1.685-5, de 1998) (Revogado pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes;
X - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.

§ 1º As exceções constantes dos incisos deste artigo serão objeto de regulamentação pela ANS.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
[...]
§ 4º A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS.
(Vide Medida Provisória nº 1.665, de 1998) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) [grifei]

(...)

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

I - quando incluir atendimento ambulatorial:

a) cobertura de consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina;

b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes; (Incluído pela Lei nº 12.880, de 2013) (Vigência)

(...)

Colhe-se, portanto, ser lícito que se excetue o fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar ou, então, os antineoplásicos quando não previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.

Quanto a natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, se taxativo ou exemplificativo, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento overruling (REsp 1.733.013/PR, passou a adotar posição de que a exclusão do...

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