Acórdão nº 50977883220218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 27-09-2022

Data de Julgamento27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50977883220218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002363922
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5097788-32.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: PAULO SILVA DE SOUZA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por PAULO SILVA DE SOUZA em face da sentença de improcedência, proferida nos autos da ação em que litiga com BANCO BMG S.A, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

PAULO SILVA DE SOUZA, qualificado na inicial, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA contra BANCO DAYCOVAL. Disse que contratou empréstimo consignado com a parte ré. Insurgiu-se contra os termos do empréstimo, bem como contra a respectiva contratação de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC). Postulou a declaração de abusividade do contrato ou, alternativamente, a conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) em empréstimo consignado. Suscitou indenização por danos morais e a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente. Requereu a procedência da demanda. Pediu AJG. Juntou documentos. Foi deferida a AJG. Citado, o réu contestou, inicialmente, arguindo preliminares de ausência de interesse de agir, de prescrição e de decadência. No mérito, disse que o contrato firmado pela parte autora não se refere a empréstimo consignado, mas, sim, a cartão de crédito consignado. Gizou que o requerente restou ciente de todas as cláusulas e especificações contratuais presentes no instrumento pactuado pelas partes, não havendo o que se falar em cobranças ilícitas. Discorreu sobre a modalidade de cartão de crédito contratado pela parte autora. Insurgiu-se contra os pedidos iniciais. Sustentou que a quantia objeto do contrato foi devidamente depositada na conta da autora. Requereu a improcedência da demanda. Anexou documentos. Houve réplica. Instadas sobre a produção de provas, manifestou-se o réu, postulando prova oral. Foram rechaçadas as preliminares e indeferida a prova oral. Vieram os autos conclusos para sentença. É o breve relatório.

[...]

DIANTE DO EXPOSTO, julgo IMPROCEDENTE a presente demanda, apreciando o mérito da lide, forte no art. 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno o autor a arcar com as custas processuais e com honorários ao patrono do réu, que arbitro em 15% sobre o valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, do CPC, considerando o trabalho desenvolvido na demanda. Suspensa a exigibilidade pela AJG deferida. Registre-se. Publique-se. Intimem-se. Caso seja interposto Recurso de Apelação, intime-se a parte apelada para apresentação das contrarrazões, na forma do artigo 1.010, § 1º, do CPC/2015. Após, remetam-se os autos ao E. TJRS, nos termos do artigo 1.010, § 3º do CPC/2015. Com o trânsito em julgado, arquivem-se com baixa.

Em suas razões (evento 54, APELAÇÃO1), a parte autora defende a necessidade de reforma da sentença. Refere, em síntese, que jamais solicitou qualquer cartão de crédito objetivando, em verdade, a contratação de um empréstimo consignado. Salienta inexistir prova acerca da remessa e conseguinte recebimento do cartão ou das faturas o que, entende, afigura-se imprescindível para a validação da cobrança. Ressalta, que nunca utilizou o cartão. Tece considerações acerca dos descontos realizados, colaciona precedentes e, ao final, requer o provimento do recurso com o integral acolhimento de sua insurgência, a fim de que seja declarada a nulidade da pactuação, repetidos em dobro os valores pagos indevidamente e reparado o dano moral que lhe foi ocasionado, no valor mínimo de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Apresentadas contrarrazões (evento 58, CONTRAZAP1), em que, preliminarmente, arguida a prescrição e a decadência e requerido, no mérito, o desprovimento da insurgência, processo veio concluso a este Tribunal de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente consigno que, diante do entendimento majoritário desta 23ª Câmara Cível1 no sentido de que a suspensão determinada no IRDR 700846505892 somente atinge os processos que se encontram no primeiro grau, passo ao julgamento do presente recurso.

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Consigno, por oportuno, que, alterando meu posicionamento após refletir sobre a matéria, tenho que aplicável a situações como a aqui discutida o prazo prescricional quinquenal, forte no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, pois a causa de pedir da presente demanda diz repeito à reparação decorrente da falha da prestação de serviço, não se restringindo a cobranças indevidas. Esse entendimento, inclusive, encontra amparo em decisões do STJ, que já se manifestou, no julgamento do REsp 1.877.892/PR, no sentido de que a pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos em benefício previdenciário pode ser exercida em cinco anos a contar do último desconto apontado como indevido. Assim, não há falar em prescrição.

De mesmo modo, tratando-se de descontos efetuados mensalmente no benefício previdenciário da parte autora, ou seja, de relação jurídica de trato sucessivo, não há falar em decadência, visto que o prazo se renova mensalmente. Vão, portanto, afastadas, de plano, as preliminares contrarrecursais. Passo à análise do mérito adiantando ser o caso de provimento do apelo.

Consoante se verifica da petição inicial dos autos de origem, a parte autora se insurge quanto ao desconto de valores a título de "RMC" em seu benefício previdenciário. Afirma que ao procurar a instituição financeira ré com o intuito de contratar um empréstimo consignado em folha de pagamento – com juros e taxas atrativas dada a garantia de pagamento de tal modalidade de negociação – restou induzida à adesão, em verdade, a serviço de cartão de crédito. Outrossim, jamais teve a intenção de obter qualquer cartão, tampouco fora informado de que essa seria a modalidade de operação que estava lhe sendo vendida.

A efetiva existência dos descontos impugnados, por sua vez, é fato incontroverso nos autos, tendo sido admitida pelo banco réu em sua defesa (evento 24, CONT1). Outrossim, a instituição financeira defende que o contrato foi realizado de forma livre e espontânea afirmando, ademais, que a cobrança em discussão neste feito decorre de sua adesão expressa ao serviço de cartão de crédito. A questão controvertida diz respeito, em suma, ao reconhecimento da existência, ou não, de vício de vontade e falha no dever de informação quando da contratação, pela parte aderente, de cartão de crédito com margem consignável.

Nesse contexto, e sem que se olvide a argumentação deduzida pela parte ré, a existência de termo de adesão a cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha devidamente firmado (evento 24, CONTR4), tenho por comprovada a ocorrência de vício de consentimento e violação aos direitos básicos do consumidor hipossuficiente, hábeis a embasar o decreto de procedência do pedido inicial. Digo isso, pois, a análise das faturas trazidas aos autos pelo banco réu confere verossimilhança à alegação do autor no sentido de que sua intenção sempre foi a contração de um empréstimo consignado em folha de pagamento e não de um cartão de crédito. De referidos documentos (evento 24, FATURA5) claramente se percebe que, para além dos saques fracionados do limite total de crédito disponibilizado ao consumidor, nenhuma outra movimentação ou compra fora realizada. Havendo, portanto, plausibilidade na tese inicial de que ele realmente desconhecia a contratação de um cartão de crédito em seu nome.

Por outro lado, tenho por relevante ressaltar que nada veio aos autos que pudesse atestar a efetiva observância, pelo banco réu, do dever de informação, previsto pelo artigo 6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, quando da contratação. Inexistindo, portanto, como se afirmar que, anteriormente à assinatura do pacto, foram, adequada e suficientemente, informadas ao aderente todas as condições da negociação e viabilizada, por consequência, sua livre e orientada manifestação de vontade, requisito de validade imprescindível à formação de qualquer negócio jurídico. Ônus – que, a par das disposições da legislação consumerista incidentes à espécie e, em especial, da inversão do ônus da prova ora aplicável em razão da verossimilhança das alegações da parte hipossuficiente – não logrou êxito em se desincumbir.

Assim, a par de todas estas considerações, tenho por evidente que o autor foi induzida a erro e nele mantido, já que aderiu a um pacto de cartão de crédito quando acreditava estar contratando um empréstimo com o desconto de parcelas mensais em seu benefício previdenciário. Outrossim, dada a natureza da operação e o caráter excepcional dos juros aplicados, este pagamento mínimo acordado (RMC) jamais permitiria a quitação desse contrato. Justamente porque, mensalmente, o saldo devedor estava sendo refinanciado e acrescidos de encargos rotativos. O que, muito em breve – e acaso não ajuizada a ação – certamente levaria a autora a valer-se, novamente, dos serviços do réu.

A anulação da contratação objeto deste feito é, portanto, uma medida que se impõe. Relativamente às consequências da anulação do negócio jurídico, diferentemente do que pretende o apelante, entendo possível seja o contrato aproveitado, mantida a essência inicialmente buscada pela parte consumidora (crédito pessoal consignado em folha de pagamento junto ao INSS). Dessa forma, possível a conversão da obrigação de cartão de crédito, ora em análise, para um contrato de crédito pessoal consignado cujo cômputo do valor final devido e das parcelas mensais a serem descontadas deverá observar a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central do Brasil, no período das respectivas disponibilização de valores/saques...

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