Acórdão nº 50996298020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo50996298020228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002276796
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5099629-80.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra decisão do Juiz de Direito da Vara de Execução Criminal Regional de Passo Fundo, que deferiu a remição da pena ao apenado por vacinação.

Foram apresentadas contrarrazões. Em juízo de retratação, a decisão foi mantida.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O apenado CLEBER BARICHELO, PEC nº 0005587-58.2016.8.21.0009, cumpre pena de 50 anos, 10 meses e 27 dias de reclusão pela prática do crime de homicídio qualificado.

O Magistrado a quo, com arrimo na Portaria nº 001/2022-VECR, que previu a possibilidade de concessão de remição coletiva aos apenados vinculados à VEC Regional de Passo Fundo que forem vacinados contra a Covid-19 e contra a influenza do tipo A, concedeu a remição de 08 dias de pena ao acusado. Em sua decisão, apresentou justificativa que fundamentou a edição da referida Portaria nos seguintes termos:

Com efeito, a edição, por parte deste Juízo, da Portaria n. 001/2022-VECR, com previsão de concessão de remição por vacinação aos apenados sob jurisdição desta VECR, se deu como forma de incentivo à imunização por parte das pessoas presas, notadamente expostas a risco mais grave de contágio pela Covid-19, em razão da situação de superlotação das casas prisionais, que torna quase impossível a adoção de medidas sanitárias rígidas no interior do ambiente prisional. Outrossim, a providência também tem como objetivo o resguardo à saúde dos servidores penitenciários, que, por certo, estarão mais seguros no ambiente de trabalho, em havendo adesão em massa à vacinação pela população carcerária.

O Ministério Público busca, em razões, a reforma da decisão. Alega violação ao princípio da reserva legal e separação de poderes, visto que causa de diminuição de pena ou hipótese de perdão de parcela da pena são prerrogativas privativas do Congresso Nacional e do Presidente da República. Refere descumprimento ao artigo 126 da Lei de Execução Penal e inobservância ao precedente do Supremo Tribunal Federal (Tema 365 da Repercussão Geral), que decidiu pelo descabimento do uso da analogia com o instituto da remição. Por fim, postulou o prequestionamento dos dispositivos legais.

Pese a louvável preocupação do juízo a quo diante da crise sanitária mundial causada pela pandemia da COVID-19 e a tentativa de conter a disseminação do vírus no interior do estabelecimento prisional, com a devida vênia, o agravo deve ser provido.

A remição da pena, importante ferramenta de ressocialização do preso, decorre de determinação legal contida no artigo 126 da Lei de Execuções Penais que dispõe que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

Trata-se de benefício que demanda um real envolvimento da pessoa do apenado, exigindo que, por esforço próprio e em postura ativa, desenvolva as atividades ressocializadoras que lhe são propostas.

O ato de vacinar-se durante período de emergência de saúde pública, mais do que direito é dever de todos os cidadãos, obrigação esta, inclusive, imposta de forma compulsória1 pela Lei nº 13.979/2020, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos da ADI nº 6.586/DF e ADI nº 6.587/DF, assim como reafirmada no julgamento do ARE nº 1.267.879/SP e, recentemente, da ADPF 754/DF.

Entendo que sempre que possível vislumbrar na atividade desenvolvida pelo apenado uma forma de profissionalizá-lo, qualificá-lo e/ou capacitá-lo, de modo a proporcionar condições para sua (re)integração social, e desde que em harmonia com as diretrizes legislativas, deve-se reconhecer a viabilidade da remição, prestigiando o comportamento positivo em detrimento do ócio na expiação da pena2. Contudo, no caso dos autos, trata-se de remição concedida sem o empreender de qualquer conduta ativa do apenado ou avaliação do seu merecimento, revelando-se demasiada a concessão do benefício por ter sido o apenado vacinado durante ação de controle epidemiológico de importância internacional.

A Lei de Execução Penal prevê possibilidade única de aplicação da remição sem que seja por efetivo labor ou por atividade educacional (remição ficta) no § 4º do artigo 126 da LEP: O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição, situação não verificada no caso, dispositivo de equidade e de contornos muito específicos.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS COUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO FICTA. ADMISSIBILIDADE SOMENTE NAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 126 DA LEP. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES DESTA CORTE.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, a remição ficta somente é admitida nas hipóteses legalmente previstas no art. 126, caput, da LEP, que elenca para tal finalidade apenas o trabalho e estudo. Não pode a suposta omissão Estatal ser utilizada como causa a ensejar a concessão ficta de um benefício que depende de um real envolvimento da pessoa do apenado em seu progresso educativo e ressocializador.
2. Com efeito, da mesma forma que os estudos, prioriza-se as horas efetivas de trabalho. Só assim é possível analisar o real comportamento do apenado e sua intenção de ressocialização.
3. A Defesa pretende, em síntese, que sejam cassadas as decisões das instâncias ordinárias, que indeferiram o pleito do paciente de homologação da remição ficta, pelo tempo em que teria ficado impedido de trabalhar em virtude da pandemia [...] Não assiste razão à impetrante, uma vez que é firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, na ausência de expressa previsão legal - a exemplo da regra existente relativa aos reeducandos que venham a sofrer acidente laboral, do art. 126, § 4º, da LEP - não está autorizada a remição ficta da pena do preso que deixou de trabalhar, somente se podendo considerar, para fins de remição, o tempo de trabalho ou de estudo efetivamente cumprido pelo sentenciado (HC 651.897, Relator Ministro FELIX FISCHER, data da publicação: 4/5/2021).
4. Agravo regimental não,provido.
(AgRg no RHC n. 146.760/MA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 14/6/2021.)

Em dezembro de 2021, foi afetada na sistemática dos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) a possibilidade ou não de concessão de remição ficta, com extensão do alcance da norma prevista no artigo 126, § 4º, da Lei de Execução Penal, aos apenados impossibilitados de trabalhar ou estudar em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus (Tema Repetitivo 1120), ainda pendente de julgamento.

Ainda, sobre a impossibilidade de criação de nova hipótese para concessão do benefício, em evidente...

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