Acórdão nº 51006755220228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51006755220228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003004913
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5100675-52.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: MARIA LUIZA GOMES BARAO (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARIA LUIZA GOMES BARÃO nos autos da ação revisional ajuizada em desfavor de BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A. - BANRISUL em face da sentença que assim dispôs (Evento 20):

“Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para manter as estipulações pactuadas nos contratos ora analisados. Condeno a parte autora, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador da requerida. Suspensa a exigibilidade à parte autora, em razão da AJG.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se”.

Em suas razões recursais (Evento 26), a parte autora impugna os documentos juntados pela parte adversa. Salienta a abusividade dos juros remuneratórios pactuados nos contratos. Sustenta a abusividade da cobrança de IOF. Assevera que não está em mora, requerendo a sua descaracterização, a fim de que não sejam consideradas como devidas a multa e a comissão de permanência, bem como para negar a inscrição negativa em seu nome. Requer a inversão do ônus da prova para que os contratos entabulados nos últimos cinco anos sejam juntados aos autos, acompanhados de planilha de cálculo, sob pena de ser declarada a inexistência da relação jurídica. Menciona que os juros remuneratórios devem ser limitados. Postula a possibilidade dos depósitos judiciais do valor incontroverso; o cancelamento dos descontos em folha de pagamento; a exclusão da capitalização mensal de juros; a ilegalidade da cobrança de comissão de permanência e do seguro; a vedação da cobrança de tarifa de cadastro; a utilização do INP-C como índice de correção monetária. Pugna pela compensação/repetição do indébito, bem como, a nomeação de perito judicial. Pede, ao final, o provimento do recurso, com a fixação de honorários advocatícios em seu benefício em 20% do valor da causa.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 29).

É o relatório.

VOTO

A apelação do Evento 26 é tempestiva, uma vez que o prazo recursal iniciou em 06/09/2022 e findou em 28/09/2022 (Evento 21) e o recurso foi interposto em 28/09/2022. Quanto ao preparo, a parte autora resta dispensada de seu recolhimento, diante da gratuidade judiciária deferida na origem (Evento 6).

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação, a qual passo ao exame.

Inicialmente, saliento que são objeto da revisão de cláusulas contratuais os seguintes contratos:

- Contrato de Empréstimo Pessoal nº 0410000000000417819, firmado em 07/05/2021, no valor de R$ 10.246,59, com juros remuneratórios de 1,40% ao mês e 18,16% ao ano (Evento 11 – CONTR3).

- Contrato de Empréstimo Pessoal nº 04100000000003757332, firmado em 04/06/2019, no valor de R$ 9.882,00, com juros remuneratórios de 1,40% ao mês e 18,16% ao ano (Evento 11 – CONTR4).

1. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

Conforme entendimento sedimentado, tanto no STJ como neste Tribunal, tendo sido inclusive sumulado (Súmula 297), o CDC é aplicável às instituições financeiras.

Com relação à produção de provas, a inversão do ônus não é automática. Cabe ao juiz a apreciação da verossimilhança da alegação do consumidor, assim como de sua hipossuficiência.

Nas demandas envolvendo revisão de contratos bancários e de cartão de crédito, diante da dificuldade do consumidor em trazer todos os contratos pactuados e demais documentos necessários que, por vezes, sequer lhe são fornecidos, e, em contrapartida, à facilidade da instituição financeira e das administradoras de cartão de crédito, que possuem registro de toda a contratação, aliada à obrigatoriedade das mesmas em manter os arquivos pelo prazo de 20 anos, aplica-se o princípio da inversão do ônus da prova, consagrado pelo artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, a fim de possibilitar a defesa dos direitos do consumidor.

No entanto, no caso em apreço, parte autora postulou na exordial a revisão dos contratos que restaram colacionados aos autos com a contestação (Evento 11 – CONTR3 e CONTR4).

Destarte, o pedido de inversão do ônus da prova, no caso em exame, não merece provimento.

2. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posiciona-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, afastou a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596 do STF dispõe que: As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ, por intermédio da Súmula 382, sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

Nesse sentido, já decidiu esta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL Nº 1210274873, CELEBRADO EM 27/04/2017, NO VALOR DE R$ 3.522,05. ENCARGOS DA NORMALIDADE JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EXTRAÍDAS DOS JULGAMENTOS DOS RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA N. 1.061.530/RS E N. 1.112.879/PR. AFINADO A ISSO, O ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA É DE QUE A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS DEVE SER LIMITADA SOMENTE QUANDO FOR SUPERIOR À TAXA MÉDIA DE MERCADO REGISTRADA PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN, À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO E EM CONFORMIDADE COM A RESPECTIVA OPERAÇÃO, SOMADA DO PERCENTUAL DE 30% (TRINTA POR CENTO), TIDO COMO A MARGEM TOLERÁVEL. NO CASO, ASSISTE RAZÃO À PARTE AUTORA COM RELAÇÃO À TAXA ADEQUADA À OPERAÇÕA PRESENTE NO CONTRATO ORA REVISANDO. DESSE MODO, CONSIDERANDO QUE AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONSTANTES NO CONTRATO REVISANDO FORAM PACTUADAS ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, AINDA QUE ACRESCIDA DA MARGEM DE 30% UTILIZADA COMO PARÂMETRO POR ESTA CÂMARA, TEM-SE COMO CARACTERIZADA A ALEGADA ABUSIVIDADE. CABÍVEL, POIS, A PRETENSÃO DE REDUÇÃO DOS JUROS, DEVENDO SER APLICADA A TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO (20743 E 25465 - TAXA MÉDIA MENSAL E ANUAL DE JUROS DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM RECURSOS LIVRES - PESSOAS FÍSICAS - CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO VINCULADO À COMPOSIÇÃO DE DÍVIDAS), E NÃO A TAXA DE 8,48% ESPECIFICADA NA SENTENÇA. NO PONTO, RECURSO PROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. INOCORRÊNCIA. EM SE TRATANDO DE AÇÃO REVISIONAL DE CUNHO DECLARATÓRIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO PODEM SER ARBITRADOS PELO VALOR DA CONDENAÇÃO E TAMPOUCO SOBRE O VALOR DA CAUSA, MAS SIM DE FORMA EQUITATIVA. ADEMAIS, TAMPOUCO É O CASO DE MAJORAÇÃO, COMO PRETENDE A AUTORA, POIS ARBITRADOS DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DESTA CÂMARA EM CASOS SIMILARES. NO PONTO, APELAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50364904420188210001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 15-12-2021) (grifei)

Cumpre mencionar que a apuração da abusividade dos juros remuneratórios é verificada pela taxa média de mercado registrada pelo BACEN, como já acima referido, somada a esta o percentual de 30% (trinta por cento), tido pela Câmara como margem tolerável.

Cito:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL. - Juros remuneratórios. A aplicação de taxa substancialmente superior à média de mercado divulgada pelo BACEN (30% acima, conforme entendimento desta Câmara) é abusiva, sendo passível de limitação à referida taxa média. Na hipótese, há abusividade dos juros contratados, devendo ser mantida limitados à taxa média de mercado para as operações de crédito pessoal não consignado, e não à taxa de crédito pessoal total pretendida. Desprovido no ponto. - Honorários advocatícios. Os honorários advocatícios devem ser majorados para adequarem-se aos parâmetros adotados pela Câmara em casos semelhantes. Provido no tópico. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50015250920208210021, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em: 15-12-2021)(grifei)

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