Acórdão nº 51013827220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quinta Câmara Cível, 20-07-2022

Data de Julgamento20 Julho 2022
ÓrgãoDécima Quinta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51013827220228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002364555
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

15ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5101382-72.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito rural

RELATORA: Desembargadora CARMEM MARIA AZAMBUJA FARIAS

AGRAVANTE: LOURDES GRINGS LUFT

AGRAVADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LOURDES GRINGS LUFT em face da decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade manejada contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A, cujo relatório e dispositivo seguem abaixo transcritos:

"Vistos, para decisão.

LOURDES GRINGS LUFT, ajuizou exceção de pré-executividade contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, alegando a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, uma vez que é indispensável ao sustento do requerente e de sua família.

Recebida a exceção de pré-executividade.

Intimada a excepta apresentou impugnação rechaçando as alegações da excipiente.

É o relatório.

(...) Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a exceção de pré-executividade proposta por LOURDES GRINGS LUFT contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Sem custas. Sem condenação em honorários, uma vez que desacolhida a exceção de pré-executividade."

Em suas razões recursais, a agravante sustenta que deve ser reconhecida a impenhorabilidade da propriedade rural, pois é o único bem da família e, embora não tenha acostado as respectivas provas na exceção de pré-executividade, não significa que a propriedade não seja trabalhada. Menciona que competia ao agravado fazer prova de que a família não trabalha no local e que, para afastar qualquer dúvida, apresenta, em grau recursal, os elementos probatórios acerca de seu trabalho na propriedade, assim como as notas fiscais de produtor rural, entre outros documentos. Enfatiza depender da pequena propriedade rural. Alega que o bem também é utilizado como moradia da família. Requer a concessão do efeito suspensivo e o provimento do recurso.

Deferido o efeito suspensivo, foram apresentadas contrarrazões.

Vieram-me conclusos os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

Tratam os autos, em sumário relatório, de exceção de pré-executividade, a qual foi rejeitada, ensejando a interposição do presente recurso de apelação pela parte embargante.

Pretende, a agravante, a desconstituição da penhora de sua meação sobre os imóveis matriculados sob os nºs 1527 e 2033, junto ao Registro Imobiliário de Palmitinho, objeto do Termo de Penhora (fl. 5, evento 2, TERMOPENH10, processo de origem), a pretexto de que os bens configuram pequena propriedade rural, os quais são utilizados para o sustento e moradia da família.

Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXVI, e o CPC, por meio do art. 833, VIII, conferem proteção à pequena propriedade rural, impedindo a sua constrição:

Art. 5º, CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

Art. 833, CPC: São impenhoráveis:

(...) VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

Regulamentando as normas constitucionais sobre reforma agrária, foi editada a Lei nº 8.629/1993, a qual, no art. 4º, II, dispõe que propriedade rural é o imóvel rural1 de até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento.

No caso em comento, as áreas, conforme certidão do Registro de Imóveis (evento 1, ESCRITURA2), somam 70.000 m2, o que importa em 7 hectares.

Considerando que o módulo fiscal, em Palmitinho, corresponde a 20 hectares, segundo informação obtida no site da Embrapa2, temos que, no caso concreto, a soma das áreas penhoradas constituiu um único módulo fiscal, configurando a penhora propriedade rural.

Além do tamanho do imóvel, a proteção destinada à pequena propriedade rural depende de sua exploração pessoal pelo devedor e sua família, a fim de, por meio dela, seja obtida a subsistência do núcleo familiar.

A esse respeito, o STJ firmou entendimento de que, ainda que o imóvel rural não precise ser o único de propriedade do devedor, deve ser objeto de exploração familiar e não ultrapassar quatro módulos rurais:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE IMÓVEL. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA DO EXECUTADO DE QUE O BEM CONSTRITO É TRABALHADO PELA FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EXPLORAÇÃO FAMILIAR. DESNECESSIDADE DE O IMÓVEL PENHORADO SER O ÚNICO DE PROPRIEDADE DO EXECUTADO. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação de execução de título extrajudicial proposta em 24/09/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 22/06/2020 e atribuído ao gabinete em 25/11/2020.
2. O propósito recursal consiste em definir sobre qual das partes recai o ônus da prova de que a pequena propriedade rural é trabalhada pela família e se a proteção da impenhorabilidade subsiste mesmo que o imóvel tenha sido dado em garantia hipotecária.
3. Para reconhecer a impenhorabilidade nos termos do art. 833, VIII, do CPC/2015, é imperiosa a satisfação de dois requisitos, a saber: (i) que o imóvel se qualifique como pequena propriedade rural, nos termos da lei, e (iii) que seja explorado pela família. Até o momento, não há uma lei definindo o que seja pequena propriedade rural para fins de impenhorabilidade. Diante da lacuna legislativa, a jurisprudência tem tomado emprestado o conceito estabelecido na Lei 8.629/1993, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária. Em seu artigo 4ª, II, alínea "a", atualizado pela Lei 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural "de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento".
4. Na vigência do CPC/73, esta Terceira Turma já se orientava no sentido de que, para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor tinha o ônus de comprovar que além de pequena, a propriedade destinava-se à exploração familiar (REsp 492.934/PR; REsp 177.641/RS). Ademais, como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC/2015) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado. Demais disso, art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família.
5. A ausência de comprovação de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade.
6. Ser proprietário de um único imóvel rural não é pressuposto para o reconhecimento da impenhorabilidade com base na previsão do art. 833, VIII, do CPC/2015. A imposição dessa condição, enquanto não prevista em lei, é incompatível com o viés protetivo que norteia o art. 5º, XXVI, da CF/88 e art. 833, VIII, do CPC/2015.
7. A orientação consolidada desta Corte é no sentido de que o oferecimento do bem em garantia não afasta a proteção da impenhorabilidade, haja vista que se trata de norma de ordem pública, inafastável pela vontade das partes 8. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico e a demonstração da similitude fática entre o acórdão recorrido e os acórdãos paradigmas.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
(REsp 1913236/MT, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/2021, DJe 22/03/2021) -Grifei-

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. ...

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