Acórdão nº 51015502220228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51015502220228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003317577
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5101550-22.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: NOELI TERESINHA SOARES PEREIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO AGIBANK S.A (RÉU)

RELATÓRIO

NOELI TERESINHA SOARES PEREIRA interpõe recurso de apelação em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos por si formulados contra BANCO AGIBANK S.A, nos seguintes termos:

Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para fixar os juros remuneratórios anuais no contrato no percentual de 125,00% ao ano. Outrossim, seja descaracterizada a mora, devendo incidir apenas juros moratórios de 1% ao mês, multa moratória de 2% sobre o valor do débito e correção monetária pelo IGP-M, bem como permitida a compensação ou repetição do indébito, na forma simples, se houver saldo credor em favor da autora, nos termos da fundamentação.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 1/3 das custas processuais e os honorários advocatícios devidos ao procurador do réu, que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §8º, do CPC. Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais por litigar sob o abrigo da assistência judiciária gratuita. Condeno o requerido ao pagamento do restante das custas processuais e os honorários advocatícios devidos ao procurador da requerente, que fixo em 15% sobre o valor da causa.

Em suas razões, a parte autora sustenta a necessidade de repetir em dobro os valores descontados em excesso. Pugna pela majoração dos honorários advocatícios. Colaciona jurisprudência. Pede provimento.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Eminentes colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprio e tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

Assim, conheço do recurso, o qual passo a analisar.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação revisional do contrato de empréstimo nº 1211150605, na qual a sentença limitou os juros remuneratórios, descaracterizou a mora e condenou o réu à devolução dos valores pagos a maior.

A parte autora, em recurso de apelação, insurge-se, defendendo a compensação somente das parcelas vencidas. Requer ainda a repetição do indébito em dobro e a majoração dos honorários advocatícios.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

REPETIÇÃO DO INDÉBITO/COMPENSAÇÃO DE VALORES

O autor postula a repetição em dobro do indébito, referindo a evidência da má-fé do adverso que cobrou juros em excesso.

De início, cumpre esclarecer que se tendo como em parte abusivas as cláusulas contratuais revisadas, possível a ocorrência de pagamento de valores a maior por parte do consumidor demandante. A compensação desses valores pagos a mais e o montante do débito persistente é decorrência natural da revisão.

Tal postulado decorre de uma combinação entre o que preveem os artigos. 876 e 940 do Código Civil e também art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (grifei)

No caso das ações revisionais, no momento da contratação e estipulação da taxa de juros incidente no contrato, a casa bancária e a parte consumidora acordam referido encargo livremente, observando o princípio da liberdade contratual, insculpido no ordenamento jurídico brasileiro no art. 421 do Código Civil.

Portanto, inexiste nesta ocasião qualquer abusividade preexistente, circunstância que somente será declarada posteriormente, por meio de sentença, caso ajuizada a respectiva ação revisional.

Dessa forma, não há como se concluir pela má-fé, desonestidade ou falta de lealdade com a parte adversa da relação contratual no exato instante da subscrição do pacto.

Diferentemente deste caso, a título exemplificativo, é o que ocorre nas ações declaratórias de inexistência de débito cumuladas com repetição do indébito, relacionadas aos contratos de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Naqueles feitos, esta Câmara tem entendido que a abusividade contratual reside, dentre outras coisas, na violação do dever de informação, uma vez que o consumidor busca às financeiras pretendendo uma contratação de empréstimo pessoal consignado comum e acaba sendo induzido a pactuar um cartão de crédito com margem consignável cujos juros são maiores e, no mais das vezes, acabam por lhe atrelar a uma dívida eterna e irredutível. Nesse cenário, ao assim agir, as instituições financeiras violam manifestamente a boa-fé objetiva, o que pode ensejar a devolução em dobro dos valores.

A corroborar tal postulado, cita-se os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DESCONTOS A TÍTULO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMC. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS (Súmula n. 297 do STJ). DEVER DE PRESTAR INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA DESCUMPRIDO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CONVERSÃO DO EMPRÉSTIMO DE CARTÃO CONSIGNADO (RMC) PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. REVISÃO DOS DÉBITOS. Inobstante tenha sido comprovada a contratação de empréstimo consignado pela modalidade cartão de crédito, autorizando a constituição da Reserva de Margem Consignável (RMC), está demonstrada a prática comercial abusiva, uma vez que o autor jamais utilizou o serviço. Correta a conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo pessoal consignado, com revisão dos débitos utilizando a taxa média anual de juros remuneratórios divulgados pelo BACEN para contratados de empréstimos consignado pessoa física, vigente na data dos saques. Autorizado o prosseguimento dos descontos se constatado débito ou repetição de valores em favor do consumidor, na hipótese inversa, calculada em liquidação de sentença. REPETIÇÃO EM DOBRO. O consumidor cobrado em quantia indevida faz jus à repetição em dobro do indébito, exceto se ocorrer engano justificável, cujo ônus da prova é da instituição financeira. De acordo com o entendimento desta Câmara a restituição deverá ser em dobro. Inteligência do art. 42 do CDC. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por vício na prestação de serviços, ressalvada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, consoante art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. A ofensa a direito da personalidade e a privação ou diminuição de bem jurídico decorrente da falha na prestação do serviço pela instituição financeira pode acarretar dano moral. Verificada a violação dos princípios da informação e da boa-fé objetiva - que gerou descontos indevidos no benefício previdenciário da parte autora, com redução dos recursos disponíveis para o seu sustento - e diante da necessidade de ingressar com a presente demanda para ser reconhecido o vício de vontade na contratação, com a consequente restituição de valores, mostra-se caracterizado o dano moral. MONTANTE RESSARCITÓRIO. QUANTIFICAÇÃO. ARBITRAMENTO...

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