Acórdão nº 51021214520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo51021214520228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002283634
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5102121-45.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador JOSE CONRADO KURTZ DE SOUZA

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública, em favor de EVERTON DA SILVA DOS SANTOS contra o ato do Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Canoas, que decretou a prisão preventiva do paciente.

Em sua fundamentação (evento 1, INIC1), a impetrante sustenta que a manutenção da segregação cautelar do paciente configura constrangimento ilegal. Suscita a nulidade absoluta da prisão em flagrante pela não apresentação do paciente perante o Juízo competente no prazo de 24 horas exigido pelo Art. 310 do Código de Processo Penal. Assevera a nulidade da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente pela ausência de audiência de custódia. Ressalta que o auto de prisão em flagrante veio desacompanhado de exames médicos e fotografias que demonstrem a situação visual do flagrado. Destaca que não foram preenchidos os requisitos autorizadores da prisão preventiva descritos no Art. 312 do Código de Processo Penal. Salienta que o paciente é primário, possui bons antecedentes e residência fixa. Tece considerações sobre o caráter excepcional da prisão preventiva e sobre o princípio da presunção de inocência. Por fim, frisa que o presente caso deve ser enquadrado nas condições dispostas no Art. 4º, III, da Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que trata acerca das prisões provisórias diante da pandemia do Coronavírus, a fim de evitar a disseminação viral no ambiente intramuros. Nestes termos, requer, liminarmente, a concessão da liberdade ao paciente ou, subsidiariamente, a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, previstas no Art. 319 do Código de Processo Penal. Ao final, a confirmação da ordem em caráter definitivo.

Indeferida a medida liminar (evento 5, DESPADEC1).

A Procuradoria de Justiça exarou parecer pela denegação da ordem (evento 10, PARECER1).

Vieram-me conclusos.

É o relatório.

VOTO

O paciente foi preso em flagrante pela prática de crimes de tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo em 25/03/2022, ocasião em que com ele foram apreendidos um revólver calibre .38, munições calibre .38, 225 pinos de cocaína (22g), 263 pedras de crack (22g) e R$ 344,00 (trezentos e quarenta e quatro reais), conforme boletim de ocorrência acostado a seguir:

"[...] relatando que em patrulhamento de rotina em local conhecido como ponto de tráfico, avistou o indiciado, Éverton, próximo a um matagal, quando desconfiou da atitude do mesmo que quando viu a viatura tentou fugir, mas ao ser dado voz de parada o indiciado obedeceu, feita a revista pessoal foi encontrado o revólver .38 e o dinheiro, as drogas estavam próximo ao indiciado no mato em uma sacola plástica." (evento 1, REGOP3)

Após manifestações do Ministério Público e da defesa, a autoridade apontada como coatora converteu a prisão em flagrante do paciente em prisão preventiva:

"Éverton da Silva dos Santos foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de entorpecentes e porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida, sendo apreendido em seu poder um revólver, calibre .38, com numeração raspada, cinco munições do mesmo calibre, 225 pinos de cocaína, 263 pedras de crack, além da quantia de R$ 344,00.

Encaminhado à Delegacia de Polícia Civil de Canoas, foi lavrado o auto de prisão em flagrante, após a oitiva do condutor e das testemunhas, tendo o flagrado optado por permanecer em silêncio.

O flagrado indicou familiar para comunicar a prisão e, na mesma ocasião, assinou a nota de culpa.

Após a lavratura do flagrante, a autoridade policial não postulou a prisão preventiva.

O auto de prisão em flagrante foi devidamente homologado pela colega plantonista, ante o preenchimento dos requisitos legais, e com vista dos autos, conforme decisão proferida no evento 06, o Ministério Público opinou pela decretação da prisão preventiva (evento 14) e a Defensoria Pública postulou a concessão da liberdade provisória (evento 17).

Pois bem, como já apontado anteriormente na decisão que homologou o auto de prisão em flagrante, destaco que a materialidade do delito encontra-se consubstanciada pelo auto de apreensão, laudo de constatação da natureza da substância e existem indícios de autoria, porquanto os policiais militares Norton Schneider e Gregori Lopes Fagundes mencionaram que em patrulhamento de rotina, em local conhecido como ponto de tráfico, avistaram o flagrado próximo a um matagal e desconfiaram da atitude, pois quando viu a viatura tentou fugir, mas ao receber ordem de parada obedeceu e durante a revista pessoal foi encontrado o revólver calibre 38 e o dinheiro e as drogas estavam próximo no mato em uma sacola plástica. Por sua vez, o flagrado, sem a presença de Defensor, optou por permanecer em silêncio.

Repiso, ainda, que o fato de o flagrado não ter sido assistido por Defensor ou pela Defensoria Pública, por si só, não enseja a sua nulidade, pois trata-se de procedimento inquisitorial, destinado a angariar informações necessárias à elucidação de crimes, não havendo ampla defesa no seu curso. A propósito, segundo abalizada lição do Professor Norberto Avena, in Processo Penal, pág. 1.081, 9ª edição, Editora Método, “não afeta essa natureza inquisitiva a modificação determinada pela Lei 13.245/2016 ao Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994), que passou a estabelecer, no seu art. 7º, inciso XXI, como direito do advogado 'assistir seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente […]'. Afinal, referida alteração legislativa não modificou o Código de Processo Penal de modo a estabelecer a obrigatoriedade de assistência de advogado ao investigado durante o inquérito. Não foi isto, enfim, o que fez o legislador. O que fez, isto sim, foi assegurar o direito do advogado em assisti-lo, não podendo esse direito, quando requerido o seu exercício, ser obstado sob pena, agora sim, de nulidade do interrogatório, do depoimento e de todos os atos que daí decorrerem”. Ademais, a autoridade policial advertiu o flagrado do direito de permanecer em silêncio e o fato de optar por somente falar em juízo, obviamente, nenhum prejuízo lhe trouxe a ausência de Defensor.

De outra banda, acrescento que com a entrada em vigor da Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, também conhecido por “Pacote Anticrime”, que deu nova redação a diversos artigos do Código de Processo Penal, inclusive no art. 310, determinando que a audiência de custódia, deve observar o prazo de 24 horas, a contar da prisão em flagrante, o que nem sempre é possível, cabendo, assim, ao juiz na solenidade analisar as hipóteses nele prevista, devendo, pois, relaxar a prisão se for ilegal; convertê-la em preventiva ou, ainda, conceder liberdade, com ou sem fixação de fiança (se for o caso), ou aplicar medidas cautelares.

Quanto à viabilidade de realização da audiência de custódia por videoconferência ou presencial assevero que a Delegacia de Polícia não possui equipamento apropriado para sua realização ou tem a disposição agentes para conduzi-los ao foro, dada a falta de efetivo, e, caso os flagrados já tenham ingressado no sistema prisional, igualmente, afigura-se inviável, seja porque se trata de providência que requer prévia requisição, cumprindo-se, de regra, prazo mínimo de cinco dias. Ademais, no tocante às videoconferências nas casas prisionais, é público e notório que as salas e horários disponibilizados atualmente não estão atendendo de forma satisfatória a demanda de agendamento pelo SASV, de forma que é evidente a ausência de disponibilidade, considerando a exiguidade do prazo para designação do ato (de regra 24 horas) e a estrutura disponível para manejo interno e apresentação dos reclusos.

Portanto, para definição mais célere sobre as disposições contidas no art. 310 do Código de Processo Penal, ante a incerteza de que o flagrado será apresentado o mais breve possível pela autoridade policial ou pela SUSEPE para a audiência de custódia, entendo ser o caso de analisar, de plano, a possibilidade de converter a prisão em flagrante em preventiva, ou, ainda, conceder liberdade, com ou sem fixação de fiança (se cabível à espécie), ou aplicar medidas cautelares.

Feitos estes destaques, considerando que existe prova da materialidade e indícios da autoria e de ocorrência do crime de tráfico de entorpecente e de porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida, conforme relataram as policiais militares, entendo ser o caso de converter a prisão em flagrante em preventiva, como expressamente postulado pelo Ministério Público, com base no artigo 310, inciso II, combinado com os artigos 312, caput, e 313, inciso I, todos do ...

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