Acórdão nº 51027616420208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51027616420208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003081647
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5102761-64.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto Qualificado (Art. 155, § 4º)

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público, na Comarca de Porto Alegre, ofereceu denúncia contra ROGERIO ADRIANO FLORES SOUTO, já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 155, §4º, inciso I, do Código Penal, pelo seguinte fato:

No dia 05 de agosto de 2018, por volta das 22h35min, na Avenida Loureiro da Silva, n.º 234, bairro Centro, nesta Capital, o denunciado ROGÉRIO ADRIANO FLORES SOUTO subtraiu, para si ou para outrem, mediante rompimento de obstáculo, 01 (uma) bicicleta, de propriedade da vítima Kelvim Machado Lemos.

Na ocasião, o ofendido deixou sua bicicleta, marca República, cor preta, presa a uma barra de ferro, em via pública, e em seguida, deslocou-se até a residência de uma amiga.

Na sequência, um pedestre comunicou em um posto base da Brigada Militar, que um indivíduo, ora denunciado, havia furtado uma bicicleta e que a estava carregando nas costas, com uma trava na roda. Imediatamente, policiais militares realizaram diligências e abordaram o acusado, na posse da res furtiva. Ao ser questionado quanto à origem do meio locomotivo, ROGÉRIO ADRIANO indicou onde se dera a subtração, sendo que no local apontado os policiais apreenderam as ferramentas utilizadas para a consumação do delito.

Por ocasião do fato, a bicicleta furtada estava presa a uma barra de ferro no chão, e por esse motivo o denunciado utilizou-se de um martelo e de uma serrinha para cortar a corrente que a mantinha ali fixada.

Posteriormente, por volta de meia-noite, a vítima tomou conhecimento, através de um grupo de whatsapp, sobre o furto de uma bicicleta e, verificando a foto postada, constatou que tinha as mesmas características da sua. Em ato sequencial, o ofendido retornou ao local onde havia deixado sua bicicleta, averiguando que, de fato, a mesma havia sido furtada. Frente a isto, dirigiu-se à Delegacia de Polícia, onde reconheceu o bem apreendido como de sua propriedade.

As res furtiva foi apreendida, avaliada em R$ 500,00 (quinhentos reais) (evento 1 – INQ1, pg.15) e restituída à vitima, consoante nos autos (evento 1 – INQ1, pg.13).

Recebida a denúncia em 26/11/2020.

Citado, o réu apresentou resposta à acusação, por intermédio da Defensoria Pública.

Não sendo caso de absolvição sumária, seguiu-se à instrução processual, com a oitiva da vítima e de uma testemunha da acusação. O réu, revel, não foi interrogado.

Encerrada a instrução, foram realizados debates orais em audiência.

Sobreveio sentença, julgando procedente a ação penal, para condenar o réu ROGERIO ADRIANO FLORES SOUTO, como incurso nas sanções do artigo 155, §4º, inciso I, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, às penas de 11 (onze) meses de reclusão, em regime aberto, e 19 (dezenove) dias-multa, à razão unitária mínima. A pena privativa de liberdade restou substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento das custas processuais, cuja exigibilidade restou suspensa. Foi concedida a possibilidade de apelar em liberdade.

Publicada a sentença em 16/04/2022.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido.

Em suas razões, pugna pela absolvição do inculpado por insuficiência probatória. Salienta que não há testemunhas que tenham presenciado o delito, nem imagens obtidas através de câmeras de monitoramento do local, que poderiam eliminar qualquer dúvida quanto à autoria delitiva. Aduz, nesse contexto, que a absolvição seria medida impositiva, pela aplicação do princípio in dubio pro reo. Subsidiariamente, postula a aplicação do princípio da insignificância, alegando que a res foi restituída ao ofendido, de modo que o critério do valor da coisa subtraída não seria aplicável, in casu. Alternativa, pugna, ainda, pelo afastamento da qualificadora do rompimento de obstáculo, pois o auto de constatação de destruição e rompimento de obstáculo foi feito de forma indireta. No tocante ao apenamento, postula o redimensionamento da pena-base para o mínimo legal, asseverando que, ainda que o apelante ostente maus antecedentes, as demais vetoriais são favoráveis. Por fim, pleiteia a isenção do pagamento das custas processuais.

Foram apresentadas as contrarrazões.

O réu foi pessoalmente intimado acerca da sentença.

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça e distribuídos a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça, Dra. Maria Alice Buttini, opinou pelo improvimento do recurso defensivo.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso é cabível e foi tempestivamente interposto, preenchendo, assim, os requisitos para que seja conhecido.

Com efeito, a materialidade delitiva restou demonstrada por meio do registro de ocorrência policial, pelos autos de apreensão, de restituição e de avaliação direta e pelo termo de constatação de dano indireto, bem como pela prova oral coligida.

A autoria restou igualmente comprovada, por intermédio dos depoimentos colhidos em juízo, e recai sobre o réu.

Quanto ao ponto, visando evitar tautologia, colaciono o trecho da sentença em que bem resumida a prova oral, agregando-o às razões de decidir:

Ouvido em Juízo, esse policial descreveu as circunstâncias da prisão em flagrante: estava em um posto fixo, nas proximidades do local da ocorrência, quando foi abordado por um pedestre, que lhe avisou ter visto alguém destruindo a barra de fixação, onde uma bicicleta estava presa, possivelmente para furtar. Ato contínuo, esse policial dirigiu-se para a direção indicada, quando se deparou com o acusado, que trazia a bicicleta nas costas, sem condições de rodar, eis que estava com a tranca. Na abordagem, o acusado teria admitido que tinha furtado o veículo. Foi conduzido à Delegacia, onde restou autuado. Não conseguiram localizar a vítima imediatamente. Salientou que ele usava ferramentas para romper o sistema de fixação da bicicleta. Não aparentava ser morador de rua; não apresentava-se alcoolizado, ou drogado.

Na esteira dessas declarações, veio a manifestação de KELVIM MACHADO LEMOS, proprietário da bicicleta furtada, o qual apresentou uma versão complementar e plenamente congruente com o contexto geral dos fatos apurados: estava na Cidade Baixa, esquina com a Loureiro da Silva, quando resolveu visitar uma amiga; deixou a bicicleta fixada em um poste de ferro, próximo da residência dela. Quando saiu, tomou conhecimento da subtração da bicicleta, a qual teria sido levada do local onde estava e, diante da intervenção de policiais, levada para a Delegacia de Polícia. Dirigiu-se à delegacia e retirou a bicicleta, a qual não apresentava avarias. Viu a barra de ferro onde ela foi fixada, confirmando o rompimento.

Essa é a prova dos autos e, da sua análise, tenho que restou suficientemente comprovado que o réu praticou o delito em tela.

Conforme se observa, na noite do fato, a vítima deixou sua bicicleta presa à uma barra de ferro, na via pública, enquanto visitava uma amiga. O acusado, utilizando um martelo, rompeu a peça que prendia a bicicleta. Ocorre que uma terceira pessoa visualizou a ação e deslocou-se até um posto próximo da Brigada Militar para informar o ocorrido.

Assim, os policiais foram na direção apontada e, nas suas proximidades, lograram encontrar o inculpado, carregando a bicicleta nas costas, pois ainda estava com tranca.

O ofendido, na Delegacia de Polícia, reconheceu a res como sendo sua e apresentou a respectiva nota fiscal, conseguindo, então, tê-la restituída.

Em sede policial, o apelante optou por permanecer em silêncio, não tendo sido ouvido em juízo, pois, citado, não foi encontrado para intimação acerca da audiência, à qual não compareceu.

De qualquer sorte, as oitivas judiciais confirmam a imputação, corroborando os relatos prestados em sede inquisitorial, que foram firmes e coesos, narrando o delito com todos os detalhes pertinentes.

Nessa conjuntura, ainda que a vítima e a testemunha ouvida na audiência não tenham presenciado o momento do crime, as circunstâncias do caso concreto evidenciam ter sido o réu o autor do fato. No ponto, saliento que ele foi abordado pela Polícia Militar, pouco após o delito, carregando a bicicleta nas costas, visto que ela ainda estava com trava e, assim, não era possível utilizá-la. Ademais, veja-se que o brigadiano somente dirigiu-se ao local por ter recebido, de um transeunte, a informação de que havia alguém destruindo a barra em que a bicicleta estava presa. E o réu, como visto, não apresentou qualquer explicação para estar com o objeto, que sequer conseguia utilizar.

Soma-se a isso o fato de que a vítima reconheceu a bicicleta como sua, inclusive apresentando a respectiva nota fiscal.

Outrossim, segundo o policial que realizou a abordagem, o próprio réu teria admitido a prática delitiva naquele momento, sendo que foi apreendido, ainda, um martelo, o qual teria sido empregado para romper o cadeado que fixava a bicicleta à barra de ferro, na via pública.

Assim, não vislumbro dúvida quanto à autoria delitiva, não havendo falar em princípio in dubio pro reo, como pretende a defesa.

Em seguimento, também não assiste razão à defesa quando postula o reconhecimento da atipicidade material da conduta.

O princípio bagatelar, visto pela doutrina como instrumento de restrição ao Poder Punitivo do Estado, de modo a evitar a condenação criminal por fatos que tenham causado lesões ínfimas ao bem jurídico tutelado, não pode ser aplicado sem restrições.

Mesmo...

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