Acórdão nº 51057018320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022
Data de Julgamento | 20 Junho 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Agravo de Execução Penal |
Número do processo | 51057018320228217000 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Segunda Câmara Criminal |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002262911
2ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Execução Penal Nº 5105701-83.2022.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)
RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA
AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
Ab initio, rogo vênia para adotar o relatório do parecer ministerial, exarado pelo ilustre Dr. Luiz Carlos Ziomkowski, Procurador de Justiça, in verbis (evento 9, PARECER1):
O Ministério Público interpõe agravo em execução contra decisão do Segundo Juizado da Primeira Vara de Execuções Criminais desta Capital, que determinou a retificação do relatório da situação processual executória do apenado César Augusto Paz Lucas para afastar a hediondez do delito previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06 (Evento 3, AGRAVO1, fls. 03/11).
Em suas razões, em suma, o Ministério Público sustenta que a promulgação do Pacote Anticrime não alterou a classificação do delito previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, que segue sendo equiparado a hediondo por expressa disposição do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, fundamento pelo qual postula a reforma da decisão com a retificação do relatório da situação processual executória do agravado (Evento 3, AGRAVO1, fls. 12/20).
Conquanto intimada, a Defesa constituída do agravado não apresentou contrarrazões ao recurso ministerial.
Em Juízo de rerratificação, a Magistrada, entendendo que as contrarrazões do agravado não constituíam peça essencial ao conhecimento do recurso, manteve a decisão recorrida, determinando a remessa do feito a segunda instância (Evento 3, AGRAVO1, fl. 25).
Acresço.
Subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos à minha relatoria (evento 4, INF1).
A Procuradoria de Justiça, em preliminar, manifestou-se pela conversão do julgamento em diligências e, no mérito, pelo provimento do recurso (evento 9, PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Eminentes Desembargadores:
O agravado CESAR AUGUSTO PAZ LUCAS foi condenado à pena total de 8 anos, 11 meses e 19 dias de reclusão, pela prática do crime de tráfico de drogas.
Deu início ao cumprimento da aflitiva em 14/5/2020, com término previsto para 29/4/2029.
No curso da expiação da reprimenda, a ilustre Juíza de Direito, Dr.ª Sonáli da Cruz Zluhan, determinou retificação do Relatório da Situação Processual Executória e, na sequência, de aplicação da fração de 1/6 para fins de progressão de regime, porquanto alterada a natureza do crime disposto na Lei de Drogas, após a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.
A decisão foi proferida nos seguintes termos (evento 3, AGRAVO1, fls. 3/11):
Vistos.
(...)
2- Pelos motivos que passo a expor, há que ser retificado o RSPE no tocante ao delito de tráfico de drogas para 1/6 (crimes cometidos antes de 23/01/2020) no proc. 5071905-20.2020.8.21.0001 para fins de progressão de regime (retificado o RSPE nesse ponto via assessoria deste juízo).
A Constituição Federal – artigo 5º não dispõe quais cri mes são considerados hediondos, limitando-se a expôr que o tráfico de drogas é crime inafiançável, insuscetível de graça e anistia:
“XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”
Coube, portanto, a Lei Nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, o rol taxativo:
“Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);
-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
II – roubo:
a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);
b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);
III – extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);
IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159,caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V – estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º)
VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).
VII-A – (VETADO)
VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273,caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). IX – furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum ( art. 155, § 4º-A)
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
I – o crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;
II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
III – o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
IV – o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003
V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado”.
Nota-se que na redação da referida lei, o tráfico de drogas (artigo 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) não está elencado, mesmo depois da alteração legislativa de 2019, que incluiu como hediondo o roubo com emprego de arma de fogo entre outros. A antiga redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018 - revogada pela Lei nº 13.964, de 2019 – fazia a equiparação do tráfico com a hediondez para fins de progressão de regime nos seguintes termos:
Artigo 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto;
II – fiança
§ 2º: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)
Com a revogação do referido dispositivo (parágrafo 2º do artigo 2º), não remanesce nenhum comando legal para equiparação do tráfico ao delito hediondo, salvo a vedação contida no artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos que reproduziu a Constituição Federal para impedir a fiança e ser insuscetível de graça e anistia.
A nova redação da Lei nº 13.964, de 2019 – repito – revogou o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos) assim dispõe:
“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
A Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) ao revogar expressamente o dispositivo que equiparava a hediondez do tráfico de drogas como delito hediondo para fins de progressão de regime, expôs os critérios de progressão no artigo 112 da Lei n. 7.210/ 1984 (Lei de Execução Penal), diferenciando frações para os delitos hediondos ou “equiparados”, sem mencionar quais seriam os delitos “equiparados”.
Nenhuma legislação elenca quais delitos são equipados aos hediondos: ...
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